O homem que sabe servir-se da pena, que pode publicar o que escreve e que não diz a seus compatriotas o que entende ser a verdade, deixa de cumprir um dever, comete o crime de covardia, é mau cidadão. Por Júlio Ribeiro.

Trajetória Evolutiva


Trajetória Evolutiva



Cap. Aviador Felino Alves de Jesus
Durante a Campanha da Itália
(1944)


FELINO ALVES DE JESUS

Trajetória evolutiva

  8a edição
1983

CENTRO REDENTOR
Rua Jorge Rudge, 119
Rio de Janeiro, Brasil


Índice

Prefácio da 6ª edição 5
Prefácio da 2ª edição 9
Síntese biográfica 10
Prólogo 16
Introdução 19
1. Matéria e energia 36
2. Matéria viva 46
3. Racionalismo Cristão 53
4. Força e Matéria 61
5. Vibrações 66
6. O homem como um aparelho receptor-transmissor de fluidos espirituais 75
7. O pensamento 77
8. A ação dos espíritos 80
Conclusão
82
Homenagem póstuma 83
Asas partidas 84
O adeus dos colegas da Escola Naval 90
Capitão Aviador Felino Alves de Jesus  92
Ad imortalitatem  93
O exemplo de uma vida  94
A revisão dos nomes das escolas  96

Prefácio da 6ª edição

 Já são decorridos pouco mais de 30 anos. A ocorrência do evento que vamos narrar, de início, para ilustração deste prefácio, pertence à época da segunda metade da década de 40, do nosso turbulento Século XX. Jovem, em plena adolescência, contávamos menos de 18 anos de idade.
Já tínhamos a felicidade de conviver com um rapaz, garboso oficial da Aeronáutica, pelo qual nutríamos profunda admiração e respeito, e o amávamos como a um irmão mais velho.
Seu hobby era a prática do radioamadorismo. Nas poucas horas de lazer de que dispunha, como higiene mental, entregava-se a essa atividade. A aparelhagem de radioamador achava-se instalada no edifício da antiga sede da Casa-Chefe do Centro Redentor, na rua Jorge Rudge, 121, em Vila Isabel.
Era comum, aos domingos, sairmos juntos após o almoço, e nos dirigirmos para aquele local. Ficávamos admirados vendo a satisfação com que ele se entregava a esse momento de lazer.
Numa dessas ocasiões, ainda no caminho para a sede do Centro Redentor, lá íamos nós conversando, como sempre, sobre os mais variados temas: política, assuntos de estudos etc., quando do outro lado da calçada passou um cidadão que ambos conhecíamos, como sendo um despeitado, invejoso e que já tinha, em outras oportunidades, demonstrado a sua inimizade gratuita e sem fundamento para com o nosso querido amigo e acompanhante.

Fingimos que não o vimos e seguimos nossa caminhada. Imediatamente, no ardor e entusiasmo de nossa adolescência, externamos a grande ojeriza que sentíamos por aquele cidadão, passando a desancar o verbo através de críticas ferinas e depreciativas. Pensávamos até que estávamos agradando . . . Puro engano ! . . .
Eis que, para nossa grande surpresa, o nosso estimado acompanhante mergulhou no mais profundo mutismo, franziu o cenho, e sem dizer uma palavra, deixou que prosseguíssemos em nosso veemente libelo contra aquela criatura por quem passáramos. Percebendo sua atitude, demonstrada pela fisionomia fechada, sentimo-nos constrangidos e interrompemos nossa verbosidade destemperada, assim continuando até o final do trajeto, sem mais alimentarmos qualquer diálogo, como “dois amigos zangados”.
Quando já no interior do edifício, ao passarmos pelo salão da biblioteca, em gestos que chegavam a assumir aspectos de solenidade, ordenou com austeridade:
– Sente-se nesta cadeira e ouça: não admito que um homem de caráter fale de outro pelas costas, nem que seja o seu pior inimigo. Quando for necessário atacá-lo, seja pela palavra ou por outros meios, faça-se pela frente a não por trás. Se repetir essa atitude, não podemos continuar amigos.
Timidamente, balbuciamos qualquer explicação, inclusive argumentando que o indivíduo que acabáramos de criticar, também vivia a denegrir sua figura. Interrompendo-nos bruscamente, disse:
– Não quero continuar a falar sobre esse assunto, que considero encerrado e não aceito a argumentação. O que essa pessoa fala de mim não interessa. Se falar na minha frente terá o revide à altura. Uma criatura de caráter jamais se nivela às atitudes inferiores do seu antagonista.
Após isso, encaminhamo-nos para o aposento onde havia a instalação de radioamador, voltamos a conversar e ele continuou a tratar-nos como se nada houvesse acontecido.
Esse homem que estimávamos como irmão mais velho, chamava-se: Felino Alves de Jesus!
Oferecendo-se a oportunidade de elaborarmos o prefácio da 6.a edição de Trajetória Evolutiva, ocorreu-nos, de imediato, a idéia de o ilustrarmos com um fato que marcou indelevelmente nossa formação moral de jovem adolescente, e o que é mais relevante, patenteou de modo inequívoco a personalidade inconfundível e superior do autor deste livro, esteada nos mais lídimos princípios da lealdade, sinceridade, desprendimento, simplicidade extremada, natural e espontânea, amor e dedicação ilimitados pelas pessoas de sua amizade, meigo e carinhoso para com elas, e ao mesmo tempo rigoroso, intransigente e às vezes até violento, contra atitudes indignas, inconvenientes e desleais. Analisando o fato ora descrito, observa-se claramente que ele não admitia a deslealdade nem contra o próprio inimigo.
A lição que recebemos desse grande amigo serviu inegavelmente para forjar nosso caráter, razão por que não podemos nos sentir bem em criticar alguém pelas costas.
Jamais o vimos abrir a boca para atacar quem quer que seja, mas muitas vezes testemunhamos suas reações radicais, ríspidas, firmes e decididas, frente à frente, contra criaturas que procediam desabonadoramente, não só contra ele, mas, inclusive, contra seus amigos, entes queridos e familiares.
Desaparecido prematuramente do cenário da vida física com apenas 31 anos de idade, esse tempo, apesar de tão efêmero e fugaz, foi suficiente para projetar a sua figura inolvidável no ambiente militar em que trabalhou e, também, nos meios racionalistas, legando à posteridade seus exemplos dignificantes e fecundos para as gerações vindouras e deixando, ainda, uma admirável exposição dos princípios racionalistas cristãos, através de sua obra Trajetória Evolutiva.
Ipso facto, o seu nome fulgurante está definitivamente gravado nas páginas da História do Racionalismo Cristão.
Os 31 anos de sua vida demonstram que, para um espírito de incomensurável valor, uma curta existência física basta para a projeção imortal de sua figura humana em nosso pobre e atrasado planeta Terra.
A própria História da Civilização, desde os seus primórdios, isso nos comprova.
Basta analisarmos a biografia do extraordinário Alexandre, o Grande, gênio militar, estrategista e estadista inigualável da História Antiga que, depois de já ter dominado praticamente todo o mundo de sua época, anterior a de Cristo, faleceu com 33 anos de idade.
E o que dizermos de Jesus, o Cristo?! Seus apenas 33 anos de vida física foram suficientes para legar à humanidade os princípios da autenticidade incontestável da vida espiritual, chegando até a marcar o advento de uma nova era, a chamada era cristã, principiando nova contagem cronológica da civilização terrena.
O valoroso espírito do nosso querido Felino Alves de Jesus, podemos proclamar, sem jactância, não fugiu a essa regra. Seus 31 anos bastaram para imortalizá-lo, através da divulgação do Racionalismo Cristão.
Graças à sua profunda intelectualidade e intuição espiritual, foi feliz não só na feitura e desenvolvimento do conteúdo desta obra, como também na escolha do seu título “Trajetória evolutiva”; porque realmente abrange um termo que, em síntese, define a base de toda a filosofia do Racionalismo Cristão, o qual, como doutrina espiritualista autêntica, demonstra que o verdadeiro sentido da vida não só no planeta Terra, como em todo o Universo, obedece irretorquivelmente a uma Trajetória Evolutiva.
Após este prefácio da 6ª edição, o leitor encontrará o prefácio da 2ª edição, da autoria de Othon Ewaldo, pseudônimo do saudoso e querido Sr. Orlando José da Cruz, que foi amigo íntimo e incondicional da família Cottas e emérito colaborador intelectual do Racionalismo Cristão, prefácio esse, elaborado no seu conhecido estilo fluente, leve e agradável, demonstrando em breves pinceladas a alta relevância da obra de Felino Alves de Jesus.
Em seguida o leitor se deliciará com a síntese biográfica do autor, redigida por sua viúva D. Maria Luiza Cottas de Jesus. Evidentemente, ninguém mais do que ela teria autoridade para tão nobre empreitada, aquela a quem ele tanto amou como esposa, e que, como viúva, soube comportar-se com dignidade, honrando a memória de um marido excepcional. Nesses traços biográficos observamos a história de um menino carente de recursos que se tornou, através do seu próprio esforço, num brioso militar, impondo admiração e respeito, inclusive, aos seus superiores hierárquicos.
Em continuação, o leitor penetrará no início da obra propriamente dito, com o Prólogo e Introdução do autor, depois os capítulos subsequentes e, finalmente, a conclusão.
A partir da 2ª edição observam-se dois Prólogos e duas Introduções. Objetivando um sentido mais prático e assimilável ao entendimento do leitor, decidiu-se estabelecer a fusão de ambos, Prólogos e Introduções, surgindo, então, nesta 6ª edição, um só Prólogo e uma só Introdução.
Como complemento, após a conclusão, temos a transcrição de Homenagens Póstumas, onde se verifica, através de indescritível calor humano e sensibilidade espiritual, o enaltecimento justo de uma figura ímpar que se notabilizou pelo seu caráter sem jaça.
Analisando o conteúdo da obra e a exposição de motivos contida no Prólogo e Introdução, sentimos que a finalidade precípua do autor foi a de tentar despertar a criatura humana para a realidade inexorável da fenomenologia advinda da interligação constante entre Força Inteligente (espírito) e Matéria Organizada (corpo), através dos subsídios de estudo e pesquisa prodigalizados por Racionalismo Cristão.
Essa tentativa ele a fez brilhantemente com o seu magistral desdobramento dos princípios racionalistas cristãos. Começando pela descrição e análise das mais diversas teorias de conceituados pesquisadores, pensadores e filósofos, como Alexis Carrel, Luiz Büchner, e outros, focalizando e dissecando, inclusive, fundamentos científicos de tendências materialistas, ele conclui para o leitor que a única explicação está na verdade filosófica contida na teoria espiritualista exposta à humanidade pela doutrina racionalista cristã.
No incipiente, materializado e atrasado ambiente terráqueo é impossível a existência de seres humanos “absolutamente perfeitos”. Todavia, raras vezes, têm surgido na História da Humanidade os “quase perfeitos”. Podemos afirmar, com segurança, que Felino Alves de Jesus foi um deles.
Obviamente, quem souber assimilar a verdadeira essência desta obra, poderá desfrutar a inefável e dupla felicidade de sentir o incentivo e o despertar do seu espírito para o estudo contínuo das concepções filosóficas do Racionalismo Cristão, e ainda, a satisfação íntima de usufruir o que definiríamos como sendo um “convívio espiritual” com o autor, que em vida física soube se impor aos seus contemporâneos e aos pósteros, pelas atitudes firmes e definidas.
Esta, a mais auspiciosa e incentivadora recomendação que poderíamos expressar ao leitor que se inicia no manuseio das primeiras páginas da sexta edição de Trajetória Evolutiva.
Humberto Rodrigues
Abril de 1980


Prefácio da 2ª edição

Ao volver a última página deste livro, o leitor compreenderá a razão de a sua primeira edição ter-se esgotado tão rapidamente.
Porque o assunto nele tão despretensiosamente tratado, é da mais alta transcendência.
Acostumados a vê-lo exposto em alentados volumes, de linguagem exuberante e exaustivas dissertações, surpreende-nos a maneira franca e sincera como somos conduzidos pelo autor, desde os conhecimentos técnicos às suas convicções espiritualistas.
Irreconciliáveis à primeira vista, conhecimentos e convicções como que se completam e entrosam, porque o autor no-los explica e argumenta, convence e prova, dentro do que ao nosso pobre entendimento é permitido compreender, na limitação atual dos conhecimentos humanos.
Por isso, o livro está eivado de interrogações, ainda não respondidas pelos cientistas, e o próprio autor assim arremata sua interessante explanação sobre Matéria a Energia: “Que concluímos de tudo o que foi exposto neste capítulo? -Nada...”.
Para, logo em seguida, baseado em cientistas de renome mundial, estudar a Matéria Viva, para poder concluir com a sua tese vitoriosa da intervenção e preponderância do princípio - Inteligência (espírito) sobre a matéria inanimada.
E, se na verdade, dúvidas e interrogações sempre existiram sobre o fascinante tema – A Vida fora da matéria – o expô-las de maneira tão clara e simples, ressaltando os entendimentos da ciência com o espiritualismo, não será meritório galardão para o autor?
Já estavam escritas estas linhas, quando, em meio aos papéis pertencentes ao estudioso autor deste livro, foram encontrados os trabalhos aqui inseridos sob os títulos “Prólogo da 2a edição” e “Introdução da 2a edição”.
Este último, substancial digressão pelas várias Filosofias e Doutrinas, das quais ainda existem remanescentes nos dias que correm, mostra que era sua intenção refundir ou revisar quase toda a obra para esta segunda edição.
E, se não lhe foi concedida a ventura de concluir seus trabalhos de pesquisa e esclarecimento, resta-nos o consolo de, por eles, poder-se avaliar do seu ingente esforço nesse sentido.
No final do livro, reunimos numa “HOMENAGEM PÓSTUMA”, diversas publicações doutrem sobre o saudoso autor, esparsas em jornais desta capital.
E' sem valia a oferenda, mas possa ela servir de estímulo e exemplo aos que nascem pobres e têm de, pelo seu próprio esforço, com trabalho e perseverança, conquistar o seu lugar ao sol.
Esses, os nossos desejos.

Othon Ewaldo
Janeiro de 1953.


Síntese biográfica

Como viúva de Felino Alves de Jesus que, apesar de sua partida do mundo físico, com apenas 31 anos de idade, deixou com a pujança do seu caráter excepcional exemplos dignificantes para aqueles que tiveram a felicidade de usufruir de sua convivência, inclusive no meio racionalista, e, ainda, por insistência e sugestão de um amigo do Racionalismo Cristão e da família Cottas, Professor Edgard Ribeiro Bastos, senti-me impelida e incentivada para acrescentar algo mais à esta obra, sob feição de síntese biográfica do seu autor, homem inesquecível pelas atitudes marcantes que sempre soube assumir, objetivando a narração de fatos que não deveriam permanecer apenas circunscritos ao âmbito familiar e de amigos mais íntimos, mas sim pela sua grandeza, serem estendidos ao conhecimento dos leitores e da juventude.
A vida de Felino Alves de Jesus deu motivo para que fosse aprovada a indicação do seu nome como Patrono de um Centro Cívico e de uma Biblioteca. O Centro Cívico Felino Alves de Jesus foi criado em 22 de maio de 1950, na Escola José Linhares e a Biblioteca Felino Alves de Jesus foi criada em 11 de setembro de 1954, na Escola Arthur Azevedo. A lembrança destas indicações junto à Secretaria de Educação do antigo Distrito Federal, depois Estado da Guanabara, e hoje Cidade do Rio de Janeiro, deve-se ao Professor Edgard Ribeiro Bastos que as sugeriu influenciado não somente pela amizade que dedicava ao homenageado, mas, também, pelo que admirava na sua vida escolar e profissional.
Recordando inaugurações e cerimônias realizadas, desejo reverenciar a figura do tão leal e dedicado amigo Orlando José da Cruz (o Othon Ewaldo das crônicas), por minha mãe carinhosamente tratado “o Amigo da Onça”. Era o orador oficial da família em todas as cerimônias e melhor do que ninguém se desincumbia daquela missão, pois aliada à sua cultura e facilidade de expressão, suas palavras exprimiam muito da admiração que sentia pela figura dos Patronos e do carinho e amizade que nutria pela família dos homenageados[1].
Dizia sempre o amigo Orlando que não desmerecendo a figura dos demais Patronos de Escolas, Centros Cívicos e Bibliotecas existentes, ninguém melhor do que Felino para simbolizar um exemplo a ser seguido pelas gerações vindouras.
Era Felino Alves de Jesus filho de Maria Alves de Jesus e Saturnino Antonio de Jesus, pais humildes, mas honrados, e com algumas carências transcorreu a sua infância. Morou em ambiente muito simples e alguns de má vizinhança, a ponto de sua mãe ocupá-lo em atividades na Igreja de Santo Afonso, no bairro do Andaraí (onde chegou a ser sacristão), a fim de afastá-lo do meio ambiente em que residiam, nas proximidades do Morro do Arrelia, um dos famosos locais perigosos daquela época. Envidados esforços, mudou-se a família para Jacarepaguá e aí tudo começou a se modificar. O menino é matriculado na antiga Escola Bahia, em Jacarepaguá (escola pública de ensino gratuito) e de tal modo se destacava, que sua professora, a sempre lembrada D. Olimpia Bitting Borges, passou a tomar interesse por ele, procurando seus pais para que interrompidos não fossem os estudos do aluno brilhante, que concluído o curso primário não teria possibilidades de prosseguir estudando.
Naquele tempo, apenas existia um colégio de nível ginasial, mantido pelo governo e gratuito, o tradicional Colégio Pedro II, com vagas sempre ocupadas por recomendação. Era aprimorado o seu ensino e altamente conceituado o seu Corpo Docente composto de grandes mestres.
– Quem recomendaria um menino desconhecido e carente de recursos financeiros?!
D. Olimpia, ciente das dificuldades existentes, empenha-se com um amigo, diretor de um colégio particular, para conseguir uma matrícula gratuita no curso ginasial. Todavia, não satisfeita com a orientação que o seu ex-aluno vinha recebendo, resolve apelar, através de reportagem no jornal “O Globo”, para que melhor fosse olhado o aluno carente de recursos financeiros e com capacidade intelectual, citando como exemplo o caso do seu aluno querido, impedido de ter acesso às escolas de nível ginasial.
Logo se fizeram sentir os resultados daquele alerta! Foi conseguida matrícula no Colégio Pedro II e Felino recebe aulas dos grandes mestres daquela época.
Cursava ele o 4º ano ginasial, quando sua amiga e ex-professora D. Olimpia o alerta para a tomada de uma decisão quanto à carreira a seguir. Na situação dele, com carência de recursos financeiros, deveria ser escolhida uma carreira militar. Felino escolheu a Marinha. Talvez fosse desnecessário dizer que ele optou pela de mais difícil acesso, quer pelo exame de habilitação, quer pelo critério de seleção na admissão à matrícula em sua escola preparatória de oficiais – a famosa Escola Naval (Villegagnon).
É incentivado por D. Olimpia. Apesar de ainda estar no 4º ano ginasial, arrisca, sem nenhum preparo em curso especializado, o exame de habilitação à Escola Naval, por causa do limite de idade que seria ultrapassado, caso ele esperasse concluir o curso ginasial (na época de 5 anos).
Agradável surpresa: é aprovado em 11º lugar! E, depois?!
Surgem os sérios obstáculos do critério de admissão, rigorosíssimo na seleção dos candidatos, porque para a Escola Naval, naquela época, era selecionada uma espécie de elite da mocidade que desejava uma carreira militar.
Analisados os antecedentes do aluno classificado em 11º lugar, a Diretoria da Escola Naval rejeita a admissão por ser filho de um praça da Polícia Militar do antigo Distrito Federal. Novamente, D. Olimpia se movimenta. Procura seu amigo Almirante Protógenes Guimarães, na época interventor do Estado do Rio de Janeiro, expõe o problema do seu pupilo e ameaça com uma reportagem sobre o critério de discriminação social na Escola Naval. O Almirante Protógenes Guimarães interessa-se pelo assunto e envida esforços junto à direção da Escola Naval e junto ao Ministério da Marinha, alertando para o censurável critério que tanto desmerecia a famosa Marinha Brasileira e o sério problema criado com a exclusão de um aluno classificado dentro do número de vagas e num dos primeiros lugares, após rigoroso exame de habilitação.
Satisfatoriamente, é resolvido o problema, e a partir daquela época começa a se modificar o critério de admissão dos alunos aprovados na Escola Naval.
Novo obstáculo: aquisição do enxoval, bastante custoso, dado o número de fardas e complementos, roupa de cama, calçados etc.
Diante da situação dos pais de Felino, D. Olimpia lembra um ofício endereçado ao Comando da Policia Militar do antigo Distrito Federal, relatando a notícia alvissareira: um filho de praça daquela corporação matriculado na Escola Naval! O ofício é enviado pelo próprio Ministério da Marinha. Recebido o ofício, é imediatamente transcrito na Ordem do Dia da Corporação e por sugestão do Comandante Aragão o enxoval do futuro Oficial da Marinha ia ser fornecido pela Policia Militar. Mas, tal foi o regozijo e tão estimado era o praça Saturnino Antonio de Jesus, que cada praça fez questão de doar um dia de seu soldo para ajudar na aquisição do enxoval!
Em 23 de abril de 1934, Felino ingressa na Escola Naval e inicia sua carreira militar. Destaca-se nos estudos, disciplina, trato social e atitudes patrióticas. Em 30 de dezembro de 1939 sai Guarda-Marinha e classifica-se num dos primeiros lugares. Faz a viagem de instrução no Navio-Escola Almirante Saldanha e, após, recebe o galão de 2º Tenente da Marinha.
Decorridos 40 anos, em 1979, numa festividade comemorativa, a figura do colega Felino é lembrada com carinho e saudade. Seus companheiros de Escola Naval solicitaram a presença da viúva e filhas às cerimônias comemorativas dos 40 anos de Oficialato. Hoje são Almirantes, e os da ativa ocupam cargos de evidência e responsabilidade.
Felino queria ser aviador. Todavia, teria que esperar o posto de 1º Tenente para ingressar na Aviação Naval.
É criado o Ministério da Aeronáutica, em janeiro de 1941. Felino pede transferência para a Força Aérea Brasileira (FAB). É matriculado na Escola de Aeronáutica dos Afonsos em 10 de maio de 1941, tendo como companheiros os Aspirantes de Villegagnon (Escola Naval) e os Cadetes de Realengo (Escola de Aviação Militar). É considerado Oficial-aluno. Terminado o Curso de Pilotagem, em 30 de setembro de 1942, tira o Curso de Pára-quedista, na Escola do Aeroclube de S. Paulo, onde surgiu o pára-quedismo no Brasil. Ao término do Curso, em 3 de março de 1943, recebe Menção Honrosa e classifica-se em 1º lugar. Passou a ser o Primeiro Pára-quedista da FAB e chegou a executar 31 saltos, alguns do tipo retardado.
O Brasil entra na 2ª Guerra Mundial.
Surge o 1º Grupo de Caça e é aberto o voluntariado. Felino inscreve-se como voluntário para Controlador de Radar. Ocupa uma das 4 vagas existentes e é enviado, em 30 de março de 1944, para uma Base de Treinamento da Força Aérea Americana, no Canal do Panamá. Antes de partir, despede-se do Comando da Escola de Aeronáutica dos Afonsos, e seu Comandante, Brigadeiro Fontenelle, em ofício diz: “Elogio o Tenente Felino pela correta disciplina militar, dedicação e espírito de sacrifício”.
Em agosto de 1944, em companhia de três colegas ruma para a Itália, desembarcando em Nápoles. Permanece agregado à Força Aérea Americana, enquanto aguarda a chegada do 1º Grupo de Caça. Em 7 de outubro de 1944, na Base Aérea próximo a Tarquínia (Itália) recebe o 1º Grupo de Caça e fica incumbido da ligação desse Grupo de Caça com a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Diziam seus colegas que ele era tudo: desde mensageiro, até oficial indicado para tratar de assuntos ligados com o Estado-Maior das forças em combate. Por ser de grande iniciativa, merecedor da confiança do Comando do Grupo, só recorria ao Comandante Nero Moura quando se tratava de problema de extrema gravidade. Apesar das funções em terra, não deixou de ser aviador. Realizou onze missões de transporte, pilotando o B-25 do Grupo.
Em 2 de maio de 1945, dia em que terminaram as hostilidades na Itália, ele se desliga do 1º Grupo de Caça recebendo do Comandante Nero Moura o seguinte elogio: “Por ter de regressar ao Brasil, louvo o 1º Tenente Aviador Felino Alves de Jesus pelos bons serviços prestados a este comando com tanta espontaneidade e dedicação. Afastado do voo por imposição da função que lhe coube, serviu ao Grupo com o mesmo espírito de sacrifício e patriotismo, trabalhando para a Unidade, em guerra, com interesse e boa vontade. Inicialmente treinado como controlador de voo, e neste teatro de operações não tendo oportunidade para empregar os conhecimentos adquiridos nos cursos e estágios que realizou no Panamá, Estados Unidos e Itália, destacou-se em outras funções que lhe foram designadas: coordenador da mala do correio, ligação com a FEB e chefia da Seção de Armamento do lº Grupo de Caça. Trabalhador incansável, organizador metódico e oficial disciplinado, o Tenente Felino, pelas suas qualidades e conhecimentos obtidos em operações de guerra, será sem dúvida uma fonte permanente de consultas futuras no âmbito da Forca Aérea Brasileira”.
No dia 11 de maio de 1945, Felino volta à Pátria.
Estava havendo no Brasil como que um movimento para o retorno do país à democracia. Vivia-se a fase da ditadura de Vargas. Liderava um movimento, em prol de um regime democrata, o inconfundível Brigadeiro Eduardo Gomes. Felino, recém-chegado dos campos de batalha, procura o Brigadeiro e apresenta-se: “Brigadeiro, vim de lutar por um mundo melhor, quero ao seu lado lutar por um Brasil melhor”.
A partir desse encontro, começa a participar ativamente da campanha pela redemocratização do país, sem temer conseqüências. Estava no serviço ativo da Força Aérea Brasileira. Em serviço, era o militar disciplinado. Fora do serviço era o lutador incansável, idealista, colaborador dedicado e leal, grande incentivador da Campanha liderada pelo Brigadeiro Eduardo Gomes que tinha por lema: “O preço da Liberdade é a eterna Vigilância”.
Era indicado para viagens aéreas com a responsabilidade de conduzir autoridades civis, militares e eclesiásticas. Apesar de seus superiores hierárquicos conhecerem suas convicções e ideais espiritualistas, era freqüentemente indicado para conduzir padres e bispos a Congressos, e numa dessas viagens teve a responsabilidade de conduzir o Cardeal D. Jaime Câmara que havia solicitado à Diretoria de Rotas Aéreas um piloto competente para conduzi-lo à sagração de Bispos, no Norte do país. Naquela época, a aviação brasileira como que engatinhava; suas rotas recém-criadas, falta de radiocomunicações em alguns campos de pouso; não havia os recursos e a segurança de hoje. Era uma aventura sobrevoar o rio Tocantins, atravessar o Amazonas, alcançar Fernando Noronha, no Oceano Atlântico, e aterrar com aparelhos de maior porte em pequenos campos de pouso. Daí a indicação dos pilotos da FAB para missões de major responsabilidade. Em todos os lugares onde pousava, Felino fazia amigos, recebia presentes (pássaros, corcinhas, micos, tartarugas, jabutis) e até uma coleção de arco e flechas ganhou do cacique de uma tribo, quando pela primeira vez o cacique viu pousar um avião do Correio Aéreo Nacional, em Xavantina, próximo à tribo. Os padres e missionários protestantes eram seus admiradores, pela boa vontade com que o piloto Felino, às vezes até infringindo o regulamento, mas tentando salvar vidas, conduzia enfermos para as localidades aonde pudessem ser prestados socorros imediatos. Quantas vidas ajudou a salvar e crianças a nascer! . . . Mas tal era a sua noção de disciplina, que chegado ao final de viagem, em seus relatórios sempre citava “as indisciplinas" cometidas.
Resolveu cursar Engenharia. Desejava tirar o Curso de Engenheiro em Radiocomunicações. Concorre ao exame de seleção à antiga Escola Técnica do Exército, hoje Instituto Militar de Engenharia (IME) e é aprovado em 1º lugar! Inicia o curso em março de 1945 e chega até a metade do 2º ano, quando faleceu. A turma a que pertenceu concluiu o Curso no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e é cognominada Turma 1951, 1a  turma formada por aquele estabelecimento de ensino. Apesar do pouco tempo de convivência, a figura do colega Felino foi tão marcante que a rapaziada de então, até hoje, recorda-o pelo seu coleguismo, capacidade intelectual, sua liderança. Anualmente reúnem-se e relembram, apesar de decorridos 30 anos do falecimento do colega, passagens e acontecimentos relacionados com eles. Aos que comparecem às reuniões da Turma 1951 há como que a impressão de que Felino desapareceu recentemente, tão viva ainda está a lembrança de quem foi para eles um autêntico líder! Nas homenagens póstumas prestadas por ocasião da Formatura de Engenheiros do ITA de 1951, foi lembrado, citado, como que o símbolo de união das Forças Armadas – iniciara sua carreira militar na Marinha, prosseguira na Aeronáutica e quando de seu falecimento estava agregado à Escola Técnica do Exército. “Para eles foi o líder a ser seguido” (palavras do orador da Turma 1951, Engenheiro Antonio Carlos Junqueira de Moraes).
Quando aluno do Colégio Pedro II, Felino auxiliava os camelôs da antiga rua Larga (hoje rua Marechal Floriano) e com isso adquiria alguns trocados para as despesas com passagens de bonde e trem. Na Escola Naval, era o aluno-mestre, a quem os colegas recorriam para elucidar dúvidas. Com enorme satisfação, sempre transmitia seus conhecimentos aos carentes de melhores esclarecimentos. De nada fazia mistério ou segredo. O que sabia, transmitia a quem a ele recorria. No período de férias, arranjava alunos particulares a fim de poder ajudar nas despesas de casa e iniciar sua biblioteca.
Existe uma passagem interessante: agravando-se o seu estado de saúde, foi-lhe recomendada uma transfusão de sangue, naquela época feita de doador para receptor. Terminada a transfusão, enquanto o doador repousava, inicia-se uma conversa entre eles. O doador comenta que ele fazia lembrar um colega de escola primária, em Jacarepaguá, muito estudioso, que passava o recreio lendo ou ensinando aos colegas, o tipo do bom companheiro, que tinha um nome tão engraçado, esquisito e que nunca se esqueceu do nome dele: Felino!
Veja-se a coincidência: decorridos mais de 20 anos, em 1949, um doador de sangue, pertencente à Policia Especial (Polícia de elite criada à época da ditadura de Vargas) ajudando a salvar a vida do colega de escola primária!
Concluído o Curso da Escola Naval, quando já possuía uma remuneração, resolveu, como que em agradecimento a tudo que havia obtido, ajudar “alguém que quisesse ser alguém”. Custeou os estudos de um afilhado de seus pais, filho de mãe viúva enfrentando dificuldades. Matriculou-o num dos melhores colégios do Rio de Janeiro, e até as despesas com material escolar pagava. Mesmo quando ausente do país, durante a guerra, nada faltou ao afilhado de seus pais. Encaminhou o rapaz, terminado o ginásio, para a Escola de Aeronáutica dos Afonsos, não tendo ali concluído o curso, por motivo de saúde. Depois, já em espírito, Felino deve ter tido a satisfação de ver seu pupilo formado em Engenharia Civil, na antiga Escola Politécnica, a melhor da época, do Rio de Janeiro.
Felino era afável, comunicativo, discreto, despido de vaidades, convivia com humildes, como com grandes personalidades, sabia estar em ambientes simples, como em ambientes de requinte, apenas se transformava quando envergava sua farda, e em serviço era rigoroso na disciplina e no cumprimento do dever.
Com estas divagações tive também a intenção de mostrar que vence na vida quem faz por isso. Apesar das dificuldades e obstáculos “o menino sem recursos financeiros” estudou. Pelo seu esforço e interesse, recebeu ajuda, teve uma carreira e destacou-se sempre. Nunca alimentou sentimentos de inveja, recalques ou despeito. Foi sempre amigo de ajudar e nunca aninhou em seu espírito sentimentos de revolta pelas adversidades que enfrentou. Dizia ele, recordando o passado, que tudo parecia como que um sonho e era para ele como que a valorização do que havia alcançado.
Felino nasceu em 9 de maio de 1918. Realizou seu último vôo, comandando um avião do 2º Grupo de Transporte, em serviço na rota de Fernando Noronha, em 11 de junho de 1949. Faleceu em 12 de julho de 1949. Apenas 31 anos de vida física. Deixou exemplos a serem seguidos e que enchem de orgulho aqueles que lhe pertenceram.
Desculpem a falta de modéstia de uma viúva orgulhosa do marido que teve.
Maria Luiza Cottas de Jesus


Prólogo

O ambiente confuso em que se encontra mergulhada a humanidade, no qual as ambições e paixões descomedidas, os vícios, se entrechocam violentamente, há de produzir, embora paradoxalmente, o despertar inteligente da criatura, quanto à sua própria razão de existir, à sua composição astral e física, quanto enfim, ao seu contínuo caminhar evolutivo, tendente a elevá-la, em último estágio, à Inteligência Máxima, à Inteligência Universal.
Os obstáculos e dificuldades que se contrapõem à marcha livre e desimpedida da criatura humana produzem-lhe tais lutas, tantos sofrimentos, tamanha quantidade de desilusões, que as conseqüências imediatas são de molde, já, a fazê-la duvidar da veracidade e da eficácia dos falsos dogmas e preconceitos religiosos, assim como de certas afirmativas absurdas e materialistas da Ciência.
E esta fuga do raciocínio humano ao domínio político e sectário das religiões, será função direta das lutas e sofrimentos por que passarão os seres na ânsia instintiva de afirmarem sua existência.
Pelo sofrimento acordará o homem e se libertará de sua tremenda tendência adoratória aos falsos ídolos religiosos, de sua inexaurível capacidade de imploração das graças divinas; chegará à conclusão de que de nada vale implorar, de nada vale adorar; aprenderá que é, ele próprio, o verdadeiro construtor de sua felicidade espiritual, agindo, que esteja, perfeitamente de acordo com as leis naturais e imutáveis que regem as ligações, as relações mútuas existentes entre os dois únicos Princípios reais do Universo: o Princípio Força e o Princípio Matéria.
Por isso reafirmamos, convictamente, que, embora paradoxo, o tremendo ambiente confuso que asfixia a humanidade será o instrumento seguro para a sua liberdade mental, espiritual, porque a forte densidade de entrechoques de paixões nele existentes vai resultar-lhe em lutas cada vez mais rudes.
E desde que o homem se liberte do domínio sectário, religioso, compreenderá sua própria composição astral e física, saberá utilizar-se dos dois princípios existentes no Universo – Forca e Matéria – e aprenderá, sobretudo a utilizar o Pensamento para adquirir os elementos que lhe permitirão caminhar seguramente pela estrada evolutiva, cuja estação final é de compreensão demasiado transcendente, ainda, para o curto campo de lucidez intelectual que possuímos.
Estamos, ainda, nas primeiras estações, nos primeiros estágios da viagem evolutiva e ininterrupta, cujo ponto terminal será a reunião em uma massa única final de Inteligência de todas as partículas de Inteligências esparsas.
Esta noção de intensidade do campo de lucidez intelectual é muito fácil de compreender.
Evidentemente não se pode conversar com uma criança do “jardim da infância” a respeito, mesmo, das primeiras noções de álgebra elementar, e, no entanto, esse assunto é considerado, geralmente, fácil, entre os alunos do curso ginasial. Paralelamente, o ginasiano não compreenderá as transcendências matemáticas próprias dos técnicos, dos engenheiros.
– Deverá a criança do “jardim da infância” chorar porque não consegue compreender a álgebra elementar? É claro que não: ela deverá continuar a estudar, segundo um método racional e próprio para sua idade, a fim de que, anos após, possa compreender o que inicialmente lhe surgia como insolúvel a misterioso: a álgebra elementar.
– E deverá, por outro lado, desesperar-se o ginasiano, considerar-se um inútil intelectual, por não ser capaz de assimilar a matemática própria dos engenheiros? Seria, também, absurdo, e isto realmente não acontece na prática. O ginasiano limita-se a estudar os assuntos constantes dos programas previamente preparados pelos professores, que, práticos e experimentados, dosam os conhecimentos a ministrar, de modo a torná-lo apto a aprender, futuramente, os mais elevados e difíceis problemas técnicos.
Cada um deve, somente, de acordo com as suas possibilidades mentais, tentar compreender o que realmente estiver dentro da zona de ação do seu campo de lucidez intelectual.
O homem, em geral, é vaidoso, e se julga, já, possuidor de uma considerável bagagem intelectual. Entretanto, atentemos ao seguinte: a velocidade da luz é de 300.000 quilômetros por segundo, isto é, a luz, ante a diminuta precisão dos sentidos físicos, se nos apresenta como de propagação instantânea; por outro lado, os raios cósmicos que alcançam o planeta Terra provêm de pontos tão distantes que, viajando com a velocidade da luz, gastam anos para até nós chegarem. Por aí podemos aquilatar da pequenez, da humildade do planeta Terra.
– Ora, sendo tão humilde o nosso planeta, por que não considerarmos no mesmo plano a Inteligência nele contida?
Assim, pois, seguros de não conseguirmos compreender, materialmente, aquilo que só nosso futuro progresso espiritual nos permitirá apreender, tratemos de pôr em prática os ensinamentos que dilatarão o nosso campo de lucidez espiritual, saibamos obedecer às relações que unem os dois únicos Princípios existentes no Universo – o Princípio-Força e o Princípio-Matéria – estabeleçamos, finalmente, um equilíbrio harmônico entre o plano espiritual e o plano material.
Para isso libertemo-nos, antes de tudo, do domínio das seitas e religiões, que apenas têm tornado o homem um fraco, um medroso, um escravo.
A finalidade deste trabalho é tentar atrair a atenção do leitor para o conhecimento de si próprio e de seu papel no Universo.
Nos dois capítulos iniciais é feito um estudo rápido sobre a matéria e a energia, tal como no-las apresentam cientistas e filósofos.
As noções científicas utilizadas estão expostas em caráter bastante elementar de modo a poderem ser apreendidas facilmente.
Uma vez estudadas, matéria e energia, como elas se nos apresentam apoiadas nos cálculos físicos e químicos, solicita, insistentemente , o nosso raciocínio, a existência de um outro princípio, que não o princípio matéria e energia, para, em conjunto, ambos transformarem a complicada heterogeneidade de funções de nosso corpo na perfeita homogeneidade fisiológica com que elas maravilhosamente surgem ante as minuciosas pesquisas dos cientistas.
Afirmam, entretanto, em geral, os fisiologistas, que as manifestações de vida, e mesmo de inteligência, nada mais são que propriedades da matéria, embora concordem que a matéria componente do corpo humano é exatamente a mesma matéria inanimada conhecida.
Mas a verdade é que devem eles próprios, os fisiologistas, sentir-se hesitantes e confusos ao afirmarem serem os movimentos executados pelo homem, o equilíbrio e o funcionamento de seu complexo corpo, as vibrações da matéria cerebral nada mais que propriedades da matéria.
– Então, as maravilhosas concepções humanas, as Artes, as Ciências em geral, serão apenas emanações, propriedades da matéria? Desaparecerá, portanto, a personalidade humana, com a morte do corpo, uma vez que a matéria desagregada deste corpo volte a outros estados, tomando novas formas?
Evidentemente há um outro princípio, o Princípio-Inteligência, que animando e excitando a matéria inanimada, nos apresenta a solução para problemas considerados, anteriormente, insolúveis e misteriosos.
O capítulo 3 apresenta, condensadamente, a doutrina Racionalista Cristã.
Os capítulos 5, 6 e 7 estudam a ação vibratória nos fenômenos físicos e químicos, noções ligeiras sobre sintonia, o homem como um aparelho receptor-transmissor de fluidos espirituais, a ação do pensamento, o médium, como ele age, a obsessão etc.
Também nestes capítulos as noções científicas estão apresentadas elementarmente.
Finalmente, o trabalho é concluído com considerações gerais sobre o que foi exposto.
As citações extraídas de obras de outros autores estão colocadas entre aspas com as respectivas indicações de suas origens.
Se o que o leitor vai ler despertar sua curiosidade, poderá encontrar nas obras básicas Racionalismo Cristão e A vida fora da matéria conhecimentos mais amplos, que lhe servirão como um guia seguro na sua trajetória pelo planeta Terra.

Felino Alves de Jesus
Rio de Janeiro, 1947


Introdução

A origem do homem, sua razão de existir, suas relações com o Universo, são assuntos que têm preocupado a mente de não poucos estudiosos e investigadores.
Sábios de todos os ramos da Ciência têm exposto suas teorias, algumas vezes razoáveis, outras vezes absurdas, sobre a matéria inanimada, a matéria viva, o pensamento, a morte, a destruição ou a imortalidade do indivíduo, o Universo em geral.
Entretanto, fisiologistas, materialistas, espiritualistas, astrônomos etc., não chegam a um acordo sobre este tão magno assunto – a Ciência da Vida.
Dogmas e preconceitos religiosos, sobretudo, mantêm a mente humana embrutecida e acorrentada de tal maneira que, acalentada com a doce esperança de um paraíso eterno, parece ter ela perdido a capacidade de distinguir o plausível do absurdo, a verdade da mentira, a ciência do misticismo.
Temos de reconhecer que, atualmente, as circunstâncias em que se encontra o mundo não são mais de molde a permitir uma indefinida escravidão do raciocínio humano a estes antigos dogmas e preconceitos.
É, entretanto, necessário que aqueles, esclarecidos, que tenham liberto suas mentes do império do misticismo e do terror ao desconhecido, sejam audaciosos suficientemente para declará-lo publicamente, a fim de animarem os tímidos e os covardes a assumirem uma atitude de repúdio aos falsos princípios explanados pelas seitas e religiões.
Sobretudo, estas últimas, e o baixo espiritismo exercem profundo domínio, tremenda opressão sobre o raciocínio da criatura, tornando-a medrosa, supersticiosa e imploradora constante das falsas graças divinas.
A influência é tal que certa seita impede decididamente que seu rebanho tome conhecimento de qualquer luz esclarecedora sobre o papel do homem neste ínfimo grão de poeira que é a Terra dentro do espaço universal e infinito.
Revelações não contestadas feitas publicamente nos descrevem os processos indignos e mesmo imorais utilizados por certas e determinadas criaturas, cuja ação criminosa e essencialmente política, são prova evidente de um plano seguro de embrutecimento a perversão da humanidade para um melhor domínio e escravidão.
Inegavelmente os conhecimentos científicos humanos se estão alargando de modo notável.
Paralelamente com o desenvolvimento da ciência industrial, utilitária, muitos investigadores já se têm dedicado ao estudo do papel do Homem dentro do majestoso equilíbrio universal.
O mundo invisível é um tema que indubitavelmente agita, neste século de profunda inquietude, a mente sequiosa de conhecimentos do curioso habitante do planeta Terra.
E, à proporção que os conhecimentos se vão desdobrando, à proporção que o invisível vai sendo vislumbrado com maior amplitude, as concepções espirituais se vão modificando consideravelmente, permitindo ao raciocínio humano ter uma ideia suficientemente compreensiva do quadro geral evolutivo universal.
Teorias ousadas explicam a natureza da matéria. O átomo deixou de ser indivisível e passou a ser estudado como um verdadeiro sistema planetário, contendo uma extraordinária quantidade de energia,
O éter não é mais considerado como uma simples hipótese. Sua existência é solicitada insistentemente para justificar determinados fenômenos. – Como explicar a propagação da luz ou do calor, ou as atrações e repulsões elétricas e magnéticas sem o suporte éter para as vibrações correspondentes a estes fenômenos?
Gustavo Le Bon adianta mesmo que é, provavelmente, da condensação do éter efetuada na origem dos tempos por um mecanismo ignorado, que se derivam os átomos, considerados por vários sábios como núcleos de condensação do éter, que têm a forma de pequenos torvelinhos animados de uma enorme velocidade de rotação. Indubitavelmente, diz ele, a grande velocidade de rotação das partículas de éter, transformadas em torvelinhos, dão à matéria a rigidez e o peso.
Há uma luta contínua entre as teorias apresentadas por cientistas, filósofos ou simples investigadores, a respeito de força e matéria, ou, melhor, relativas à existência do Homem e às suas ligações com o Universo em geral.
A quantidade e a heterogeneidade de funções existentes no nosso corpo é notavelmente grande. E, entretanto, todas estas funções, heterogêneas e complicadas, engrenam-se surpreendentemente num magnífico equilíbrio fisiológico.
Este extraordinário equilíbrio existente no corpo humano existe igualmente em todos os outros corpos de todos os reinos da natureza.
Querem os materialistas eliminar a personalidade humana, transformando suas maravilhosas manifestações inteligentes em exclusiva emanação da matéria.
“Por que é que o sangue, pergunta Raul Pictet em seu Estudo crítico do materialismo e do espiritualismo, deposita aqui o músculo, ali o osso, mais adiante o humor vítreo, a unha, a cartilagem, os cabelos, a sinóvia, o conjunto dos tecidos de que o corpo de todos os animais é constituído?”
Esta pergunta e outras de caráter fisiológico são explicadas por alguns como a resultante da energia chamada vital, que dirige o crescimento do ser no período chamado de assimilação, e que aos poucos vai diminuindo de ação, permitindo, inicialmente, o equilíbrio da assimilação e da desassimilação, e, em seguida, o predomínio da desassimilação. Qualquer concepção de espírito nestes fenômenos  é afastada por estes fisiologistas, atribuindo eles as manifestações de inteligência, o pensamento e a vontade, exclusivamente às funções particulares dos aparelhos orgânicos ou nervosos. Para eles a alma é a resultante das funções cerebrais e quem pensa é a massa cerebral em seus movimentos moleculares.
Outras teorias consideram o homem diferente dos outros animais, possuindo um corpo, como estes últimos, porém, também um espírito, eterno e imutável de onde emanam os atos mentais – inteligência, pensamento, vontade, amor, inveja, egoísmo etc.
Baseados na existência do espírito imortal, muitos imaginam imediatamente um ser transcendente que lhes dirigirá esta existência eterna: Deus. E se apegam implorativa e adorativamente a esta entidade, perdendo toda a sua personalidade. Entretanto, de nada vale implorar se o ser não se coloca de acordo com as leis universais e imutáveis; o que vale é justamente ter o ser conhecimento destas leis e saber aplicá-las devidamente.
Diz Stuart Mill que “a idéia de Deus e principalmente de uma religião é uma coisa inútil, porque o homem se acha no mundo abandonado, como todos os outros seres orgânicos, às violências das leis da natureza, onde não se encontra nenhum atributo de justiça e bondade para se dizer que o mundo fora criado por um ser dotado destes atributos”.
As escolas positivistas e naturalistas contemporâneas encerram o pensamento e o destino do homem no círculo das realidades fenomenais e sustentam que os fenômenos psíquicos não passam de uma função cerebral, segundo E. Caro, que diz que “vivemos sob o império matemático de forças fatais e que a idéia que formamos da vida se reduz a uma série de fenômenos produzidos em um momento preciso, donde amanhã outros fenômenos nos hão de retirar, verdadeiras aparições acidentais na superfície do tempo e espaço infinitos. O mundo, pois, não é mais este todo harmonioso em que cada ser – o mais humilde e o mais sublime – tem a sua natureza determinada, seu destino especial, em um conjunto de fins previstos e coordenados pelo pensamento criador. Se a harmonia se produz aqui ou ali, não foi com uma intenção, mas como um resultado.
A moderna concepção exclui a finalidade que presidia a todo o Universo e regulava cada minúcia, o pensamento supremo que a explicava, e a bondade perfeita que fazia amá-la. A necessidade reina em lugar da finalidade, uma necessidade mecânica, segundo uns, dinâmica, segundo outros, mas em todo o caso uma necessidade sem consciência e sem amor.
Não há senão uma lei e uma força, uma lei que rege as manifestações de uma força única. Esta força, idêntica a si mesma, debaixo de suas metamorfoses aparentes, exclui qualquer idéia de começo e de fim; ela não pode ter começado nem cessar de existir; é tudo o que é ou pelo menos tudo o que nos é indicado sob essa noção de existência. Conceber que ela tenha podido começar ou que possa acabar, seria conceber o nada, colocá-la antes ou depois, isto é, conceber uma contradição. As forças físicas, vitais, sociais, são manifestações diversas dessa força, elas representam, por assim dizer, os diversos graus de intensidade. A natureza não é mais de que o círculo imenso em que se agitam eternamente essas diversas manifestações da força, transformando-se umas em outras. Urna multidão de sistemas se formam e se decompõem, segundo ritmos determinados. Nisto está todo o segredo do nascimento e da morte. Movimentos que se integralizam e se desintegralizam, eis a história uniforme, debaixo de aparências variadas, dos grandes corpos astronômicos, dos organismos vivos e dos organismos sociais. A história de um corpo vivo é, em ponto reduzido, a do mundo inteiro. A evolução, o equilíbrio, a dissolução são três fases pelas quais passa toda existência individual ou coletiva. A astronomia, a geologia, a fisiologia, a história das sociedades humanas, não representam realmente aos olhos do observador senão combinações dos mesmos fenômenos elementares variados ao infinito. A vida Universal não passa de uma sucessão de seres e de formas que exprimem essas combinações de ordem determinada.
A vida individual não é mais do que um instante nessas variedades infinitas de movimento, não passando a humanidade de uma coleção desses instantes. A história inteira da vida coletiva não é mais do que episódios imperceptíveis, perdidos na obra imensa e eterna da natureza, acidentes sem fim e sem alcance, quantidades infinitesimais que o pensador pode desprezar na produção universal e infinita. O incomensurável nos afoga e nos esmaga por todos os lados. De que valeriam aqui os protestos de uma mesquinha personalidade que não quisesse resolver-se a desaparecer e que lançasse no vácuo o grito de sua impotência revoltado? Dever-se-ia por isto povoar a imaginação humana de falsas esperanças, com as quais as velhas religiões e as velhas filosofias a embriagavam e exaltavam?
Há um meio digno de nos consolar, e que revela a verdadeira imortalidade representada por nossas obras, nossos trabalhos, nossos pensamentos e pela raça que procede de nós.
É ainda preciso saber que essa imortalidade é toda relativa e provisória. Não é mais do que um prolongamento abstrato de nossa existência em um tempo indefinido, mas certamente limitado, ainda que o limite escape aos nossos olhos e mesmo ao nosso pensamento. A humanidade morrerá, como cada sociedade a seu turno há de morrer. A Terra mesma, que os homens habitam, semelhante a um navio que conduz os seus passageiros, morrerá, não nas forças elementares que a constituem, mas em sua forma e organismos atuais. O Sol, que é a fonte da vida nesta parte do mundo, se extinguirá. A morte se estenderá sobre a imensidade sideral, constituindo esta uma espécie de necrópole gigantesca em que flutuarão confusamente os cadáveres dos mundos e dos sóis extintos. A própria revolução cósmica terá um fim, pois que ela é um movimento, mas esse fim não atingirá senão as manifestações efêmeras: só a força é que não se extinguirá e irá talvez produzir novos universos iguais ou diferentes de tudo o que existe atualmente.”
“As questões que se agitam no mundo do pensamento e envolvem toda a vida psíquica do homem, diz o Visconde de Sabóia em sua obra A vida psíquica do homem, não afetam, como bem disse Max Müller, os interesses da ciência, mas vão diretamente ao coração, e se devem tornar para todo o homem, aos olhos de quem a verdade, quer científica, quer religiosa, é sagrada, questões de vida e morte na plena acepção da palavra, e deixar que a alma constantemente atormentada pelas tremendas lutas e dificuldades da vida, sorva em doutrinas nefastas o veneno sutil que acaba por destruir as crenças e todos os frutos da razão, abalando os impulsos generosos do coração, propondo o desprezo de toda a obrigação e deveres morais, para atender de preferência aos instintos da animalidade, e não deixar ver no mundo senão uma lei fatal que abre o campo ao interesse ignóbil, à exploração e satisfação de todas as paixões, é concorrer para um mal irreparável e faltar à consciência de nossa razão de ser e do dever social.”

*  *  *

Eis aí a origem deste trabalho, modesto e sincero, em que, aliás, não exibimos a pretensão de haver formulado qualquer doutrina especial da concepção do mundo e da vida, mas no qual nos propomos a demonstrar e sustentar que as escolas – materialista, positivista, transformista, evolucionista, determinista ou fatalista – não dão desses grandes problemas senão uma solução paradoxal e as mais das vezes falsíssima, apesar de dizerem que têm o apoio da ciência, cujo nome invocam a cada passo, quando são certamente muito menos científicas e elevadas em suas conseqüências ou em relação aos fenômenos psíquicos, à origem e à natureza do homem, ao destino e aos deveres deste no mundo do que nos mostra a doutrina espiritualista, a partir de Platão, Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, até Descartes, Kant, Leibniz, Pascal, Malebranche, M. de Biran, e um sem número de escritores e filósofos modernos, cujas obras forneceram-nos os elementos fundamentais para este trabalho e para refutar as doutrinas que vimos expostas nas obras dos mais notáveis e admirados chefes da escola materialista, a começar por Demócrito, pelos enciclopedistas e por Spinoza, até Lamarck, Darwin, Haeckel, Herbert Spencer, Stuart Mill, Alex Bain, Mandsley, Wundt, Luyes, Ribot, Letourneau, Bordeau, Fouillée, Le Dantec, Guyau, Le Bon, Büchner, Sergi, Mosso, Lombroso e dezenas de outros escritores e biologistas, sem nos esquecermos de Schopenhauer, Hartmann e Nietzsche, como conspícuos representantes da grande escola.
Respeitando o gênio e saber imenso de todos estes filósofos, biologistas e grandes pensadores não deixamos por isto de reconhecer que se eles, dotados de um espírito superior, foram e são incapazes de se desviar uma só linha da estrada do dever moral, não quiseram ver a influência que as suas asserções e doutrinas podiam exercer sobre o ânimo de tantos desequilibrados por uma má educação, sobre os céticos, frívolos, sem cultura intelectual, além da que lhes é fornecida pela leitura de romancelhos e revistas pornográficas, dando expansão à ferocidade de seus instintos, a esse egoísmo que não conhece o amor da pátria, da sociedade e da família e o sacrifício, o heroísmo e a virtude, e reduzem tudo à aquisição de meios para gozar, e gozar ao infinito, porque as idéias materialistas, que lhes são incutidas por todos os meios, dão-lhes a segurança de que não há Deus, não há alma, não há liberdade, não há vontade nem vida de além túmulo, nem castigo, nem recompensa em outro mundo, e tudo isto por uma forma que seduz e encanta, mostrando que não há restrição à liberdade moral, e que só existem leis fatais e mecânicas a que o homem não pode escapar.

*  *  *

São várias as doutrinas e teorias que, desde a Antiguidade, procuram explicar a gênese do mundo e, conseqüentemente, de todos os seres e coisas nele existentes, entre os quais o Homem.
Na Grécia e em Roma, de acordo com a documentação que chegou até nossos dias, parece ter surgido a primeira teoria organizada, o Epicurismo, combatendo a crença da criação do Homem diretamente por Deus, crença essa plenamente em vigor na época.
Nessa teoria organizada, Epicuro afirmava resultar o mundo e todos os seres do encontro puramente fortuito e casual dos germes da vida, representados pelos átomos em contínuo movimento. Era, pois, assim, anulada a idéia de Deus e da alma imortal.
Foram muitos os adeptos da doutrina epicurista em grande parte porque ela, afirmando ser o homem um contínuo produto do acaso, pregava o gozo e a satisfação de todos os apetites sensuais, assim como a renúncia a qualquer idéia de deuses, espírito ou outra vida.
Entretanto, houve filósofos e pensadores que à luz dos ensinamentos de Zenon, se insurgiram contra a aceitação integral da teoria epicurista, e constituíram a seita dos estóicos.
Os estóicos tal qual como os epicuristas, negaram a idéia de um Deus especialmente criador assim como a de uma alma imortal. Não aceitaram, porém, que os seres ou coisas fossem produtos do acaso ou do encontro fortuito de átomos, e sim que tudo se encontrava predeterminado e preestabelecido com a maior perfeição por uma força contida na natureza, agindo segundo leis imutáveis. O mundo era, de acordo com os estóicos, em sua essência primordial, uma espécie de fogo que, perdendo a tensão primitiva, deu lugar à formação da água de que uma parte se condensou a solidificou constituindo a Terra, e a outra se transformou em vapores aeriformes. Em seguida, surgiram as plantas, os animais e o homem, procedendo os animais das plantas, e o homem dos animais.
Enquanto que o Epicurismo anulava definitivamente a idéia de Deus e da alma imortal, afirmando resultar o mundo e todos os seres do encontro puramente fortuito e casual dos germes da vida, representados pelos átomos em continuo movimento, outra doutrina, o Positivismo, encarava o problema sob novo ponto de vista.
Este sistema filosófico, de uma amplitude demasiado larga e complexa, foi criado por Augusto Comte e prega que somente se deve admitir como real e verdadeiro o que pode ser observado diretamente, experimentado, medido e pesado. Portanto, os fatos devem ser observados e analisados cuidadosamente para, pela comparação e pelo estudo das relações, simples ou complexas que os ligam, serem deduzidas as leis e causas próximas de que dependem.
Não se deve confundir o Positivismo com as ciências positivas. Estas últimas, entre as quais estão incluídas a Física e a Química, por exemplo, são baseadas no conhecimento das leis determinantes dos fenômenos, assim como das causas que lhes dão origem ou do porquê de suas manifestações.
Não há dúvida, entretanto, de que o Positivismo adotou o princípio experimental.
Afirma-nos, porém, Claude Bernard, o mais notável representante da escola experimental, que nas ciências físicas, químicas e biológicas, não há fenômeno que se manifeste sem ser determinado por uma causa imediata e por ela explicado, ficando tudo nas ciências positivas reduzido a fenômenos sujeitos a estudo e conhecimento das condições materiais de suas manifestações, à determinação das leis dessas manifestações, o que, no consenso unânime, forma a base, a regra e o princípio fundamental de toda a ciência experimental ou positiva; que não podemos saber porque são necessários dois volumes de hidrogênio e um de oxigênio para a formação da água; que não conhecemos mais do que as relações dessas coisas e que os fenômenos não são a manifestação dessa essência oculta e sim o resultado da relação das coisas entre si.
Embora Claude Bernard afirme que as condições da vida podem ser estabelecidas pelas ciências físicas e químicas, esclarece também que estas ciências não explicam, e nem o conseguiriam, o começo da máquina viva ou a sua criação, e que, se o físico e o químico estudam os corpos e os fenômenos isoladamente e deixam fora de seus estudos as causas finais, o fisiologista é levado pelos seus estudos a admitir uma finalidade harmônica e preestabelecida nos corpos organizados, em virtude dessa unidade central que torna todas as ações parciais solidárias e geradoras umas das outras.
A escola experimental não procura afastar definitivamente as coisas que não compreende, e, pelo contrário, defende o princípio de que a verdadeira ciência deve preocupar-se com tudo.
Porém, o Positivismo apenas se detém no exame do que pode ser levado ao domínio dos instrumentos de precisão, da balança, do cálculo.
“Em rigor (Tristeza contemporânea - Fierens - Gevaert) poder-se-ia desculpar a Comte de haver repelido as questões de origem última, e de não ter querido conhecer senão as causas físicas, a fim de estabelecer sobre bases seguras o seu sistema científico; mas para que privar teimosamente os homens de qualquer prazer especulativo? Ele proibiu mesmo que se ocupassem do estudo da Astronomia sideral, condenando até o estudo do sistema solar quando se estendesse aos planetas invisíveis a olho nu.”
“Entretanto, replica com razão Stuart Mill, o hábito de meditar sobre tão vastos objetos e a tão enormes distâncias não deixa de ter uma unidade estética que inflama e exalta a imaginação, faculdade, cujo valor intrínseco e a reação sobre o entendimento Augusto Comte não poderia deixar de apreciar, sendo uma vergonha que Comte quisesse que a psicologia que repousa sobre a observação dos fenômenos íntimos inapreensíveis, fosse incluída na frenologia.”
“Em todo o caso (A vida psíquica do homem – Visconde de Sabóia), não podendo ele negar o pensamento, o sentimento e a vontade, reduz tudo a uma secreção ou função do cérebro que inclui no domínio da fisiologia, e em relação à crença de um criador de todas as maravilhas da natureza e de uma alma ou de um espírito humano, ele responde que disso não cogita nem quer saber, por ser do domínio da metafísica, que é uma ciência inútil, vã e estranha aos fatos experimentais.”
Stuart Mill, adepto do positivismo, vendo também que era por demais absoluto o seu dogmatismo, procurou sustentar que o modo positivo de pensar não levava necessariamente à negação do sobrenatural, que apenas podia ser incluído na questão da origem das coisas, pelo que o filósofo positivista era livre de formular a respeito a opinião que lhe parecesse mais verossímil.
Ao seu encontro saiu Lithé como intérprete rigoroso da ortodoxia comtista, para lhe responder que esta não dava liberdade a adepto algum para tratar do que se pode referir às causas primeiras, por serem coisas desconhecidas do filosofar positivo, que as eliminava, sem procurar afirmá-las ou negá-las, e ninguém podia arbitrariamente repudiar a ausência de afirmação para se ligar à ausência de negação. Eram duas coisas indivisíveis e Lithé acrescentou que era também um erro formar da psicologia, como queria Stuart Mill, uma reunião de noções desligadas da biologia, julgando comprometida a filosofia positivista, se fosse demonstrado que a psicologia, como ciência especial, se tornasse indispensável à constituição dessa filosofia.
Mas, como muito bem diz Caro, não é possível guardar neutralidade entre a negação e a afirmação, e o resultado entre os positivistas se traduz geralmente pela negação ou então pela dúvida, e tornar dependentes dos fenômenos vitais as manifestações intelectuais e morais para fundir a psicologia na biologia e afirmar só por indução que a substância nervosa pensa, como se já houvesse quem visse um cérebro pensando. Incluir, como faz Augusto Comte, na grande ciência dos corpos organizados – as ciências filosóficas – colocar o estudo positivo das faculdades intelectuais na fisiologia e dar o nome de física social à teoria da ordem e progresso no mundo moral, é cair no puro materialismo de que ele é uma forma equívoca e bastarda e antecipadamente resolver pelo niilismo intelectual todas as questões concernentes à alma, ao pensamento e à liberdade.
Em resumo: o positivismo adotou alguns dos princípios das ciências positivas, e com eles formou uma doutrina filosófica, que, ao ultrapassar o estudo dos fenômenos materiais e das leis que presidem as suas manifestações, começou em sua aplicação na ordem física e moral, pela afirmação de que uma substância material, como o cérebro ou a massa nervosa, dá produtos imateriais, como o pensamento, a memória, a consciência, a volição etc., pela negação da alma e de sua imortalidade, pela supressão de Deus e de sua justiça, pela abolição da recompensa dos bons e o castigo dos maus, e terminou em política, pela defesa da ditadura governamental, a que deu o nome de científica, e pela glorificação de chefes de Estado, como Luís XI, Cromwell, Francia etc., cujos atos formam páginas negras na história dos povos.
Se a única missão da ciência consistisse, como queria Comte, em coordenar os fatos ou fenômenos que caem debaixo da observação, e podem ser pesados, medidos e experimentados o que reduz tudo ao sensismo, resultaria daí que um positivista, se ficasse adstrito a esse programa, não atingiria jamais, segundo Naville, o mínimo elemento de verdadeira ciência, e não teria nenhuma idéia das coisas que não oferecem semelhança com objetos que afetam os sentidos.
Mas, onde as incongruências e contradições se ostentam mais assombrosas na doutrina positivista não é tanto no método adotado para lhe dar os moldes das ciências experimentais, como nos princípios de que ulteriormente Comte lançou mão para fundar uma religião e que ele deu o nome de positivista ou de religião da Humanidade.
Comte, desprezando ou afastando qualquer idéia que se relacionasse com a teologia, criou uma religião de adoração, não a Deus como as outras tantas existentes, porém à humanidade. Esta doutrina, sem dúvida alguma original, Comte a codificou em um catecismo em que os sacramentos eram em número de nove, e foram denominados: apresentação, iniciação, admissão, destinação, casamento, madureza, aposentadoria, transformação e incorporação. As preces deviam ser feitas três vezes por dia.
O positivismo não apresenta qualquer explicação sobre a gênese dos seres orgânicos e especialmente a respeito da vida na substância animal.
Falaremos agora, rapidamente, sobre as teorias evolucionista a monística sob o ponto de vista geral do transformismo ou darwinismo.

*  *  *

Embora vários filósofos e escritores tenham, talvez muito tempo antes de Darwin, tentado demonstrar a doutrina de provirem as espécies superiores de seres orgânicos de espécies inferiores, não há dúvida de que foi ele quem apresentou, realmente, uma solução que calou no espírito de muitos sábios a respeito desta matéria.
Em seus livros procurou, com notável originalidade, demonstrar que os seres orgânicos, sob a ação de várias leis, foram sujeitos, lenta e paulatinamente, desde a sua fase primordial, e talvez durante milhares e milhares de séculos, a modificações sucessivas, transformando-se de umas espécies em outras.
O próprio homem passou por todas essas transformações, segundo o que expõe Darwin no livro Descendência do Homem e a Seleção da Espécie.
“Foi, entretanto, diz o Visconde de Sabóia, única e exclusivamente pelos fatos resultantes do cruzamento de diferentes espécies animais e do que obtivera com o enxerto e reprodução de diversas espécies vegetais e do estudo minucioso da vida em muitas espécies de seres, que Darwin, depois de alcançar mediante uma direção paciente e admirável inteligência grandes modificações em diversas espécies animais e vegetais, que eram transmitidas por herança aos produtos seguintes, sempre em contínuo progresso, e dando geralmente uma variedade mais perfeita, julgou que podia estabelecer como certo ou ao menos como muito provável o fato que as espécies vivas – vegetais e animais – descendiam de espécies fósseis, representadas através de gerações e de épocas geológicas sucessivas por uma diminuta série de organismos originários, e talvez por um só, bem rudimentário e imperfeito que, sem dúvida, servira de intermediário entre o reino vegetal e o animal.”
“Ele diz que esse ou esses organismos primitivos, tão simples como a vesícula germinativa – que é o ponto de desenvolvimento de muitos seres – foram-se sucedendo em miríades de séculos uns aos outros, transformando-se e dando origem a novas espécies vivas, até chegarem na escala zoológica ao homem, pelo princípio, segundo Darwin, de que: natura non facit saltum. As espécies, segundo o célebre naturalista, que vão aparecendo por meio de lentas e sucessivas modificações e transformações de espécies precedentes progridem geralmente, mas não universalmente, nem forçosamente. Algumas até mesmo desaparecem e interrompem a cadeia que as prendia às espécies anteriores e às posteriores; outras, em virtude de condições especiais, não desaparecem logo, mas degeneram e ocasionam por fim a extinção do tipo.”
“E assim, continua o Visconde de Sabóia, partindo do germe amorfo, protótipo de toda a organização, do qual resultaram, nessa sucessão considerável de séculos – de que a imaginação só pode formar uma idéia abstrata – os seres orgânicos que cobriram a crosta terrestre, depois de seu resfriamento, Darwin chega à cadeia zoológica na classe dos vertebrados e faz surgir o homem de um tronco que deu origem ao homem-macaco ou pitecoide e por outro lado aos antropoides ou macacos catarrinianos sem cauda, como o orangotango, o gorila, o chimpanzé.
O homem atual é, pois, o resultado de vinte e uma espécies de seres que, de transformações em transformações, vieram constituir o homem-macaco, de que procedeu o gênero humano, muito vizinho ou talvez parente muito próximo, segundo Darwin, Haeckel e outros, dos macacos sem rabo, e assim como estes procedem dos catarrinianos com cauda – o homem-macaco ou o nosso primeiro antepassado devia ser dotado de rabo servido por músculos apropriados, ter o corpo coberto de pelos, orelhas pontiagudas e móveis e pés com artelhos ou dedos que lhe permitiam trepar nas árvores e ali viver habitualmente, dispondo como arma defensiva de grandes caninos.”
Em sua obra Antropologia e história da criação natural, Haeckel, aceitando e defendendo a doutrina de Darwin, estabeleceu a teoria do transformismo monístico ou da unidade da obra da natureza. Referindo-se à gênese do homem chegou à conclusão de que o estado unicelular, pelo qual este começa a vida individual, permite-lhe afirmar serem os mais antigos antepassados da humanidade e do reino animal, procedentes de simples células.
– Entretanto, como surgiram essas células no começo do mundo orgânico?
“Eis-nos, pois, chegados, diz Haeckel, ao protoplasma – origem das moneras.
A questão da origem da vida está toda ligada à da geração espontânea. Nos limites em que a circunscrevemos, a geração espontânea é uma hipótese necessária, sem a qual não se poderia conceber o começo da vida sobre a Terra; ela se reduz, então, a saber como as moneras se formaram à custa dos compostos carbônicos inorgânicos, e como os corpos vivos apareceram no princípio sobre o nosso planeta até então puramente mineral. Eles deviam ter-se formado quimicamente à custa de compostos inorgânicos. Assim devia ter aparecido essa substância complexa, contendo ao mesmo tempo azoto e carbono e a que damos o nome de protoplasma; ela se acha no mar em enorme profundidade, e a cada uma de suas partículas amorfas e vivas, damos o nome de monera.
As moneras primitivas nasceram no mar por geração espontânea, pelo mesmo modo que os cristais salinos se formam nas águas-mãe. É uma hipótese exigida pela necessidade de casualidade inerente à razão humana. Com efeito, toda a história inorgânica da Terra é regida por leis mecânicas, e o mesmo se dá com a história orgânica. A teoria da geração espontânea não pode ser experimentalmente refutada. Em verdade, cada experiência negativa demonstra somente que nas condições sempre muito artificiais em que essas experiências se realizam, nenhum organismo poderá surgir de substâncias inorgânicas. Mas também é muito difícil provar a geração espontânea por experiências. Para quem não admite conosco a geração espontânea das moneras para explicar a origem da vida, não há outra alternativa senão o milagre.”
A teoria evolucionista de Spencer admite a hipótese de que o mundo se constituiu por uma matéria homogênea dotada de movimento, movimento esse realizado no sentido da menor resistência. Toda vez que o referido movimento da matéria homogênea, de acordo com Spencer, encontrou qualquer resistência, diminuindo de intensidade, a matéria passou de um estado mais difuso a um estado mais concreto, formando agregados múltiplos e heterogêneos ainda confusos. Em virtude desses agregados múltiplos, sobre os quais atuou a lei de segregação de acordo com as afinidades químicas, se agruparam e formaram seres definidos e distintos. É, pois, uma explicação da causa das variedades de raça e de espécie.
A doutrina transformista, se, por um lado, conta com grande número de adeptos, por outro lado, paralelamente, é combatida por uma série de estudiosos notáveis que apresentam várias objeções às suas afirmativas.

*  *  *

Falaremos, agora, rapidamente sobre a doutrina materialista propriamente dita.
O materialismo tenta demonstrar que a existência do mundo e de todas as suas manifestações, é uma conseqüência direta da matéria, isto é, das propriedades e forças a esta inerentes.
Em todas as épocas o materialismo teve seus adeptos, ora apresentado sob um aspecto, ora sob outro.
Um dos mais célebres pregadores do materialismo foi Luiz Büchner. Com a apresentação de seu livro Força e matéria, Büchner tornou‑se rapidamente célebre na Europa, mas em compensação sofreu tais ataques, foi tão combatido que as autoridades acadêmicas lhe cassaram o direito de exercer o professorado daí por diante.
A obra Força e matéria de Büchner foi traduzida em muitos idiomas, com edições  numerosas em inglês, francês, italiano, português, espanhol, húngaro, polaco, sueco, holandês, grego, russo, dinamarquês, armênio e rumáico.
“Não há força sem matéria”, diz Büchner, “não há matéria sem força. Como coisas em si, não são nem possíveis, nem mesmo concebíveis. Consideradas separadamente, são abstrações vazias servindo‑ apenas para pôr em evidência os dois aspectos dum só e único ser, cuja essência própria me é ainda desconhecida. A força e a matéria são, pois, no fundo, uma só e a mesma coisa, encarada sob pontos de vista diferentes.”
“Todos os pretensos imponderáveis, como se chamava antigamente as forças consideradas como matéria que se não podia pesar, o calor, a luz, a eletricidade, o magnetismo, não são outra coisa senão modificações nas relações recíprocas ou nos estados de atividade das mais pequenas partículas; modificações que passam duma substância a outra por uma espécie de transmissão do movimento. Do mesmo modo, as forças não podem ser nem comunicadas nem criadas, como o diz muito justamente Mulder; podem ser apenas despertadas pela ação da matéria sobre a matéria ou reconduzidas do estado latente ao estado livre. O magnetismo não se comunica, mas provoca-se e sua aparição mudando o estado de atividade íntima do seu substrato. O calor, esta forca primordial da natureza, que se encontra por toda parte e sempre nos processos naturais, que pode transformar-se não importa em que força e pode ser tirado de cada uma delas, não é como dantes se imaginava, uma substância imponderável passando dum corpo a outro; a um movimento molecular ou atômico, extremamente rápido, vibratório ou giratório das mais pequenas moléculas dum corpo, em virtude do qual essas moléculas se afastam mais ou menos umas das outras, enquanto que se aproximam sob a influencia do seu contrario, isto e, do frio.”
“Não é fora da matéria [2], fora dos corpos, mas sim neles próprios que se encontra a força ou propriedade; a ideia de que a afinidade poderia ter uma existência distinta dos corpos a que é inerente ou a que comunica faculdades de harmonia com as suas condições próprias, é tão completamente incompreensível que seria afrontar o senso comum demorarmo-nos mais tempo sobre o assunto.”
Referindo-se à forma da matéria, Büchner afirma que ela é o resultado necessário de ações e reações materiais conforme o demonstra o desenvolvimento gradual do mundo orgânico; que com o tempo, pelo concurso duma série por assim dizer infinita de anos, essas formas orgânicas puderam chegar a esse grau de perfeição, com as inumeráveis variedades que hoje nos apresentam; que, dessa forma, todas as diferenças imagináveis aparecem como o resultado de transições e duma transformação incessante da forma e dos modos da existência, em relação com a diferença das influências interiores ou exteriores no meio das quais os seres viveram ou foram forçados a viver; que foi somente passando por metamorfoses sem número que os animais e os vegetais, saídos de tão humildes e tão imperfeitos princípios, puderam chegar a essa riqueza exuberante de formas que os caracteriza hoje.
“Essa teoria, continua Büchner, encontra ainda uma prova mais evidente neste fato em foco pelas ciências biológicas modernas, a saber: que o mundo orgânico por completo, desde os seres mais inferiores aos mais elevados, desde os mais simples até os mais complicados, reduz‑se, em última análise a um elemento morfológico extremamente simples e aos seus derivados, isto é, a célula, e que esse elemento composto dum invólucro, dum conteúdo e dum núcleo, deriva por si próprio de uma combinação ainda muito mais simples e primordial, o protoplasma ou matéria plásmica. Este protoplasma, base ou substância da vida, cujas notáveis propriedades vitais se manifestam como o resultado das propriedades químicas e físicas do carbono que ele encerra e das suas combinações, apresenta‑se unicamente sob a forma de pequenas massas albuminoides meio coaguladas, homogêneas, susceptíveis de nutrição e de proliferação, e nas quais todas as funções em vez de aparecerem como propriedades de certos órgãos, como se vê nos animais superiores, derivam imediatamente da matéria orgânica amorfa. Essas pequenas massas encontram‑se no limite exato entre os corpos organizados e as substâncias inorgânicas, e assim se vê como, pelo fato de influências e de circunstâncias de que mais adiante se falara, as formas orgânicas desenvolvem-se pouco a pouco de combinações mais ou menos amorfas da matéria.”
Segundo Büchner, o cérebro é a sede e o órgão dos pensamentos, estando o seu volume, a sua forma, o seu desenvolvimento, a sua estrutura, a sua conformação ou a de suas diversas partes em uma relação estreita com a extensão e a forma das faculdades psíquicas ou intelectuais de que é a origem. Ele procura demonstrar, pela anatomia comparada, que o volume e as outras particularidades anatômicas do cérebro se desenvolvem duma forma determinada, gradualmente ascensional, através de toda a série animal, até ao mais elevado de todos os seres – o homem. Este, com algumas exceções, possui, tanto sob o ponto de vista absoluto como relativo, o cérebro mais volumoso em todo o reino animal, o que explica suas maiores faculdades intelectuais.
“Se o encéfalo de alguns dos maiores animais existentes [3], tais como a baleia, o elefante, as grandes espécies de delfins, excede o do homem sob o ponto de vista da massa, essa aparente exceção provém unicamente do desenvolvimento mais considerável das partes deste órgão que presidem não a inteligência, mas as funções do sistema nervoso geral, consideradas sob a relação do movimento e da sensibilidade, a que, em razão do número e do diâmetro mais consideráveis dos cordões nervosos que recebem, apresentam necessariamente um maior volume; – pelo contrário, as partes do cérebro que presidem as funções intelectuais não apresentam em nenhum animal um volume tão considerável, uma conformação e uma estrutura tão complicadas como no homem.
Chega-se a um resultado muito diferente, se se considerar o peso relativo do cérebro, isto é, a relação desse peso com o do corpo. Aqui ainda, a parte algumas exceções insignificantes, o homem leva vantagem a todo o resto do reino animal, numa proporção enorme, pois que o cérebro humano varia entre a quinquagésima e a trigésima quinta parte do peso do corpo, enquanto que no delfim o cérebro não representa senão a centésima, no elefante as cinco centésimas, na baleia as três milésimas partes do corpo desses animais. Avaliando essa relação pelo cálculo, verifica-se (segundo Leuret) – sendo representado o peso total por 10.000 que o do cérebro é representado nos peixes por 1,8, nos répteis por 7,8, nos pássaros por 42,2, nos mamíferos por 53,8 e no homem por 277,8.
“Não é somente a quantidade[4], é também a qualidade do tecido nervoso e a intensidade correspondente da força e da atividade recíproca de cada elemento, que determinam o nível das faculdades intelectuais.”
O pensamento, à luz da doutrina materialista, nada mais é que uma segregação funcional do cérebro.
Diz Carl Vogt que há a mesma relação entre o pensamento e o cérebro que entre a bílis e o fígado e que entre a urina e os rins”.
E, segundo o filósofo francês Cabanis, “é preciso considerar o cérebro como um órgão particular destinado especialmente a produzir o pensamento, da mesma maneira que o estômago e os intestinos a operar a digestão, o fígado a filtrar a bílis etc.”.
Entretanto, a doutrina materialista não especifica claramente o que é força e o que é matéria. O próprio Büchner diz que “nós não sabemos hoje, como não sabíamos antes, o que é a matéria em si e a força em si, nem temos necessidade de saber, pois que a sua separação em duas entidades distintas não se pode efetuar senão pelo pensamento e nunca em realidade... São sinais que servem para caracterizar dois aspectos ou duas manifestações de um só e mesmo ser, constituindo a força, segundo Lewes, o aspecto dinâmico da matéria, e a matéria o aspecto estático da força”.
Um dos grandes argumentos dos materialistas é que a matéria é indestrutível, imortal e eterna, como a química o tem demonstrado: em todas as combinações, em todas as composições e decomposições, enquanto que o que foi criado com a matéria morre e desaparece. Concluem, conseqüentemente, que, em virtude do movimento incessante da matéria, em suas contínuas transformações, não teve ela princípio nem terá fim, visto que nada pode vir do nada e nada do que existe pode ser destruído.
De acordo com as conclusões científicas há uma tendência geral das forças para o repouso relativo ou aparente. Assim sendo, a matéria tende para o repouso absoluto em uma época imprevisível. Entretanto, quem transmitiu à matéria inerte o movimento inicial?
O Visconde de Sabóia, em seu livro A vida psíquica do homem, faz um belo estudo destas questões. Aconselho, aos que conseguirem obter esta obra, a sua leitura e exame cuidadosos.
A nossa finalidade, ao expormos em linhas rápidas e gerais, diversas das várias teorias existentes sobre força, matéria, origem e fim dos seres orgânicos etc., não é propriamente combatê-las, refutá-las, mesmo porque isto exigiria um longo e documentado volume.
Temos por único fito, ao passar por alto por estes pontos, mostrar a confusão em que se debatem os estudiosos destas questões, e as profundas divergências entre vários deles.
Na realidade não procuraremos demonstrar qualquer teoria. Limitar-nos-emos a expor aquilo que estamos convictos ser a verdade. Tentaremos explicar ao leitor sua composição astral e física e como utilizar a considerável força de que dispõe: o pensamento.
O pensamento não é, para nós, uma segregação do cérebro da mesma maneira que a urina é uma segregação dos rins, embora muitos estudiosos notáveis e conceituados assim o afirmem.
Diz, por exemplo Charles Richet, em seu livro Humanidade impotente: “Nossa máquina pensante não é mais do que um pequeno amontoado de células microscópicas (micróbios de uma espécie particular) sedentas de oxigênio e absorvendo esse oxigênio do sangue que as irriga. Encerradas em uma sólida caixa craniana, as células são unidas umas às outras apenas por um filamento de conexões de milésimos de milímetro. Frágil, muito frágil construção. É milagroso que esses débeis corpúsculos possam efetuar, bem ou mal, suas múltiplas e delicadas operações durante trinta milhões de minutos – tal é mais ou menos a duração da vida humana – sem rápido desgaste.
– Que? Esse mesquinho aparelho compreenderá o imenso Cosmos do qual não é mais do que um imperceptível fragmento? – Que? Essas pequenas granulações poderiam penetrar um só dos mistérios que vibram em redor deles? Desvendar o imenso trabalho das leis que governam o mundo, esclarecer as enormes e complicadas regulações que se prolongam no tempo e no espaço? ”
Querendo demonstrar depender continuadamente a alma do corpo, escreve Richet: “De fato a alma está em estreita dependência do corpo. A ele esta sujeita dia e noite a despeito de todas as belas frases que se compraz em pronunciar sobre o seu domínio.
Basta ficar meio minuto será respirar para compreender até que ponto essa alma, que é tão orgulhosa, está a mercê do oxigênio. São precisos a essa pobre alma, que tem sede de conhecimentos infinitos, vinte litros de ar por minuto. Somente a um tal preço pode lançar-se no espaço e conceber grandes coisas. Toda a nossa capacidade moral depende da quantidade de oxigênio que circula nos nossos pulmões. Evidência fragorosa, triste e banal ao mesmo tempo.
O servilismo às condições físico-químicos da vida é inexorável. Pertence ao coração como a respiração”. Se o coração cessa de bater, bate mal, muito depressa ou muito lentamente, desaparecem: pensamento, vontade, inteligência, tudo. Mesmo quando os pulmões respiram um bom ar carregado de oxigênio, mesmo quando o coração bate regularmente e descarrega um sangue normal no cérebro e nos tecidos, o pensamento está, ainda, sujeito às condições fisiológicas mais humilhantes.
Que nossa digestão seja laboriosa porque tenhamos comido uma avantajada fatia de empadão ou algumas batatas mal cozidas, então nossa vontade se torna subitamente vacilante, nosso caráter rabugento. Acabam-se as idéias, acabam-se os sorrisos. Todas as coisas se revestem de um aspecto sombrio. Nossa atenção evolou-se e não nos resta no espírito mais do que uma agitação infecunda. O sono apodera-se de nós, as pálpebras fecham-se, a vista turva-se, as idéias tornam-se confusas.
Que um mesquinho micróbio verta no sangue alguns centésimos de miligrama do seu veneno e subitamente, com a febre, toda a energia intelectual desaparece.
Sobre um navio que joga, por pouco que seja, o enjôo paralisa toda a ideologia.
Uma nevralgia dentária, provocada pela imperceptível lesão do esmalte, perturba grandemente a pobre alma e ela não se pode acalmar senão quando a nevralgia consente em ir embora.”
Da mesma maneira que Charles Richet, outros estudiosos de prestígio negam, convictamente alguns, com má-fé outros e, ainda outros ironicamente, a existência do espírito, simplesmente porque suas manifestações externas se modificam quando o funcionamento de qualquer órgão é abalado momentaneamente, rompendo o equilíbrio normal fisiológico.
Entretanto, se o corpo humano é o instrumento de que se serve o espírito para dar existência material às suas manifestações, claro está que qualquer alteração no funcionamento deste corpo deturpará, conseqüentemente, suas relações harmônicas com o espírito. Um pintor não poderá obter telas perfeitas se trabalha com pincel defeituoso; uma máquina defeituosa não poderá produzir materiais perfeitos mesmo que o operário que a dirige seja competente e cuidadoso.
E, no entanto, a inteligência é relegada completamente para o plano das segregações materiais.
São ainda de Richet as afirmativas de que “a inventiva, a facilidade de palavra, a facilidade de estilo, a aptidão para fazer multiplicações ou versos, para resolver problemas matemáticos, para compor músicas, a forma da escrita, são tão involuntárias quanto a memória. A vontade não tem a mínima ação sobre a inteligência. E assim como nada podemos modificar na disposição dos órgãos de nosso corpo, nada podemos modificar nas nossas capacidades intelectuais. Assim, por uma terrível complicação de incapacidade, não só a alma nada pode contra o corpo, mas torna também as atitudes e as aptidões que o corpo lhe quiser dar.
Todo esse servilismo da alma se resume em uma pequena frase que, como um dobre fúnebre, soa a cada passo que fazemos no tempo, sem remissão e sem repouso: a alma envelhece ao mesmo tempo que o corpo.
E essa velhice se manifesta pela transformação da inteligência. Pouco importa, se é para tal ou qual personagem, aos cinqüenta, sessenta ou oitenta anos que a senilidade se torna grave. Pouco importa! Ela cresce, progride, triunfa. O ancião não se pode mais iniciar nas coisas novas; repete as mesmas histórias; perde todo o interesse nos acontecimentos que o envolvem; sua sensibilidade se atrofia para as coisas morais como para as cores e para os sons. Tem o espírito de sua idade e embora advertido pelos exemplos que teve quando jovem, sob os olhos, nada pode alterar nessa fatalidade inexorável que o arrasta no seu fluxo. Curva-se a cada ano, a cada dia, a cada minuto. Assiste, sem querer compreender, a essa decadência crescente. Nada corrige, nada melhora, pois a própria vontade se enfraquece, como a memória, como a vista, como os ouvidos. Então sobrevive a si mesmo. Por felicidade, quase sempre está bastante degradado para não se dar conta de sua degradação.”
E com a disseminação de teorias de tal ordem, vai o espírito humano se embrutecendo, se perturbando, se obsedando, perdendo a noção do caminho exato a seguir para promover sua evolução contínua aos planos astrais superiores.
Após esta introdução, em que foram apresentados mui resumidamente algumas das idéias e teorias em vigor, passaremos ao assunto real desta obra despretensiosa, cuja única finalidade é tentar arrancar o homem do fanatismo religioso e científico em que vive, de sua tendência excessivamente adoratória aos falsos ídolos sectários, de seu misticismo, de seu terror, enfim, ao desconhecido.
Liberto o homem de tudo isto, compreenderá claramente que só ele próprio é o verdadeiro construtor de sua felicidade terrena e de seu progresso espiritual, e que de nada vale implorar adorativamente auxílio aos fictícios deuses.
Aprenderá, sobretudo, a viver em ressonância com as leis naturais e imutáveis que regem o Universo.
Não é, em absoluto, de nosso escopo, neste trabalho, atacar a quem quer que seja.
Respeitamos a opinião alheia embora desejemos que ela seja baseada no raciocínio e na compreensão clara das coisas.
Cada um, de acordo com seu livre-arbítrio e raciocínio, que siga pela estrada que julgue certa e condutora à Verdade.
Desejamos apenas indicar ao leitor um caminho seguro para chegar, de fato, ao conhecimento de si próprio.
Este trabalho é um incentivo, um convite, ao estudo do Racionalismo Cristão.

Felino Alves de Jesus


TRAJETÓRIA EVOLUTIVA


O Universo, todo ele, resume-se, basicamente, em Força e Matéria.
O movimento evolutivo de tudo o que existe no Universo, inclusive daquilo que, à apreciação do Homem, parece ser ínfimo e desprezível, é contínuo e ininterrupto, função definida do parâmetro Tempo.
No início da trajetória evolutiva, a matéria é densa, pesada, dos seus mais primitivos estados, enquanto que, paralelamente, a Força (Inteligência) a animá-la é mínima. À proporção que as manifestações inteligentes vão aumentando, a densidade material vai diminuindo, isto é, a Matéria de que se serve a Força torna-se mais leve, mais diáfana.
No ponto P, por exemplo, que se supõe o estado evolutivo atual de um determinado ser ou coisa, o valor gráfico da Força animadora é dado pelo vetor OF, enquanto que o estado da Matéria de que se serve esta partícula da Força (Inteligência Universal) nos é indicado pelo vetor OM.
Observe-se, ainda, pelo exame do gráfico simbólico que, durante o movimento evolutivo contínuo, o valor da Força animadora cresce sempre, tendendo para o infinito, isto é, tendendo a confundir-se com a Inteligência Universal (Absoluta), e que, paralelamente, a Matéria se torna sempre mais leve, mais diáfana, tendendo a anular-se definitivamente, o que se dará no momento transcendente em que a Força animadora alcançar a Inteligência Universal (Absoluta) e com ela confundir-se in totum.
Este momento supremo é de compreensão ainda impossível para o limitado campo de lucidez intelectual dos habitantes do planeta Terra.

1. Matéria e energia

Inúmeras têm sido as pesquisas de estudiosos para saberem o que é realmente a matéria, como é constituída, sua formação, seu fim. Conseqüentemente, numerosas são as teorias que surgem.
Suponhamos que tomamos uma certa quantidade de uma determinada matéria: um pouco d'água em uma vasilha, por exemplo. Suponhamos que entornemos metade da água contida na vasilha, permanecendo nela a outra metade; admitamos que, em seguida, tornemos a derramar metade da água restante. Se pudéssemos repetir, pelos meios mecânicos de medida, continuamente, esta operação, chegaria um momento em que não mais poderíamos fazer uma nova divisão na água restante, pois teríamos chegado à partícula mínima que caracteriza a água, isto é, teríamos chegado à molécula de água.
Entretanto, se estudarmos quimicamente esta molécula, chegaremos à conclusão de que ela é formada por outras pequenas partículas: ela pode ser decomposta, por intermédio de uma corrente elétrica, em duas partículas de hidrogênio e uma partícula de oxigênio.
Uma substância que não possa ser decomposta em outras substâncias é denominada elemento. O hidrogênio e o oxigênio são elementos, pois não podem ser subdivididos em outras substâncias.
A menor partícula de um elemento é denominada átomo.
Portanto, vimos que a molécula da água é constituída de dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio.
O número de corpos simples, isto é, de elementos conhecidos, é de noventa e dois. Os átomos do mesmo elemento são semelhantes; entretanto, os átomos de elementos diversos diferem entre si. O átomo do hidrogênio, por exemplo, difere do átomo do oxigênio.
Os átomos dos diferentes corpos simples, ligados entre si de modos diversos, formam as moléculas dos corpos compostos.
Portanto, fazendo combinações com os corpos simples conhecidos, o homem pode obter um número enorme de corpos compostos.
Durante muito tempo se pensou que o átomo fosse a menor partícula de matéria conhecida. Entretanto, veremos que as investigações mais recentes nos mostram que mesmo os átomos são constituídos de partículas menores.
Os cientistas concordam unanimemente com a descontinuidade da matéria, embora filósofos afirmem a sua continuidade.
Quando falamos em continuidade ou descontinuidade da matéria, queremos saber se a matéria, que a nossos olhos se apresenta como um todo, realmente o é, ou se se trata de partículas reunidas, muito próximas, com maior ou menor força de atração entre elas.
Conseqüentemente, se a matéria é descontínua, suas pequenas partículas componentes devem estar envolvidas pelo vazio, isto é, pelo éter.
Já falamos antes a respeito da descontinuidade da matéria até os átomos, isto é, a matéria é formada de moléculas que, por sua vez, são constituídas de átomos.
Vejamos, porém, a descontinuidade dentro do átomo.
Depois de uma série enorme de experiências chegou-se à conclusão de que os átomos são constituídos de duas partes: uma central, denominada núcleo, e outra exterior. O núcleo é formado de prótons e nêutrons, em conjunto; a parte exterior é formada apenas de elétrons.
Chama-se elétron a menor quantidade de eletricidade negativa que se pode obter livre. São os elétrons as partículas elétricas que formam os raios catódicos das válvulas Crookes e as partículas beta do radium e outros elementos radioativos.
Chama-se próton a menor quantidade de eletricidade positiva que se pode obter livre. Tem a mesma carga elétrica do núcleo do hidrogênio, razão porque é também conhecido com o nome de núcleo de hidrogênio ou de partícula H.
Chama‑se nêutron uma partícula que não contém carga elétrica e pode ser obtida pela fusão nuclear de alguns elementos.
A figura 1 nos mostra esquematicamente um átomo com o núcleo formado de quatro prótons e quatro nêutrons.

Os elétrons giram com movimentos rapidíssimos em torno do núcleo.
Os átomos em estado normal são eletricamente neutros, isto é, possuem tantos elétrons quanto prótons.
O núcleo tem sempre carga positiva, pois possui mais prótons que elétrons. Por outro lado, a parte externa tem sempre carga negativa por só possuir elétrons.
Se, por qualquer meio, conseguirmos introduzir em um átomo, em estado normal, alguns elétrons, ele ficará com carga elétrica negativa, pois haverá excesso de elétrons em relação ao número de prótons. Inversamente, se conseguirmos retirar de um átomo, em estado normal, alguns elétrons, ele ficará com carga elétrica positiva, pois haverá falta de elétrons em relação ao número de prótons, ou, em outras palavras, haverá excesso de prótons em relação ao número de elétrons.
Todo átomo que não esteja em estado neutro, isto é, que possua uma carga positiva ou negativa, tem a tendência de voltar ao equilíbrio, se possuir meio para isso, adquirindo os elétrons necessários ou expelindo os em excesso.
Agora que já falamos sobre cargas elétricas, positiva e negativa, podemos mostrar, esquematicamente, como se produz a corrente elétrica.
Suponhamos que coloquemos em posição horizontal um tubo, cujo diâmetro interno coincida com o diâmetro de uma bola de bilhar, permitindo o deslocamento desta pelo seu interior.
Admitamos que enchamos este tubo, de uma extremidade a outra, com bolas de bilhar (Fig. 2).

Se ambas as extremidades, A e B, estiverem abertas, e se empurrarmos mais uma bola de bilhar pela extremidade A, imediatamente sairá uma bola pela extremidade B, assim como haverá o deslocamento de uma bola em qualquer ponto do tubo. Em dois pontos quaisquer, M e N, por exemplo, haverá o deslocamento de uma bola.
Se, em um segundo, empurrarmos cinco bolas pela extremidade A, igualmente passarão, em um segundo, cinco bolas pelos pontos M e N e sairão cinco bolas pela extremidade B. Em outras palavras, a velocidade de deslocamento das bolas será a mesma em todo o comprimento do tubo.
Suponhamos agora que coloquemos alguns átomos em série (Fig. 3).
Se introduzirmos um elétron no átomo da extremidade A, um elétron deste será empurrado para o átomo M; o átomo M mandará um elétron para o átomo N, e assim por diante, de modo que sairá um elétron do átomo da extremidade B.
Este deslocamento de um elétron ao longo da série de átomos produz o que se chama corrente elétrica.
Se, em um segundo, introduzirmos cinco elétrons no átomo da extremidade A, igualmente em todos os pontos da série de átomos passarão, em um segundo, cinco elétrons e sairão cinco elétrons na extremidade B. Portanto, a intensidade da corrente elétrica é a mesma em todos os pontos do caminho por ela percorrido.
Admitamos que, no tubo da Figura 2, coloquemos um obstáculo na extremidade B, de tal modo que as bolas de bilhar não possam sair, e que, na extremidade A, ajustemos um tubo vertical cheio de bolas de bilhar, cuja tendência natural será de penetrarem pela extremidade A pela ação da gravidade (Fig. 4).

Façamos o mesmo raciocínio para o caso da série de átomos da Figura 3. Suponhamos que coloquemos na extremidade B um obstáculo (isolante) que não permita a passagem dos elétrons, e que, na extremidade A, ajustemos uma massa de elétrons com a tendência de penetrarem na série de átomos (Fig. 5).

Os elétrons da massa acumulada na extremidade A não poderão se deslocar em virtude de ter o isolante I barrado a passagem da corrente elétrica.
Como a extremidade A tem excesso de elétrons em relação à extremidade B, dizemos que a extremidade A é negativa e que a extremidade B é positiva.
Se substituirmos a série de átomos por um fio de uma determinada matéria, os fenômenos se passarão identicamente; apenas os elétrons terão maior quantidade de átomos por onde se deslocarem.
Admitamos, agora, que coloquemos em contato com uma série de uma mesma matéria, uma certa massa M de elétrons (Fig. 6)

Apesar da resistência oferecida pelo átomo A à penetração dos elétrons da massa M, esta tem força suficiente para vencê-la e fazer o deslocamento dos elétrons ao longo da série de átomos. Entretanto, pode acontecer que esta massa não seja suficiente para vencer a reação oferecida pelos átomos de uma outra matéria, e que seja necessária uma outra massa maior M1, a fim de que a corrente possa ser produzida (Fig. 7).
Portanto, concluímos que, para que possa circular corrente por um material, é necessário que a diferença de potencial entre as extremidades, isto é, o excesso de elétrons de uma extremidade em relação à outra, seja de valor tal que vença a resistência oferecida pelos átomos ao longo do qual deve ser estabelecida a corrente.
As diversas substâncias existentes oferecem diferentes resistências à passagem da corrente, de acordo com a constituição atômica de cada uma. Os metais, geralmente, oferecem pequena resistência à passagem da corrente, e são, por isso, denominados bons condutores. O melhor condutor conhecido é a prata. Há substâncias que oferecem tal resistência à passagem da corrente, isto é, deixam passar uma quantidade de corrente tão desprezível, que são denominadas isolantes. O vidro e a borracha, por exemplo, são substâncias isolantes.
Em princípio, podemos afirmar, porém, que todas as substâncias permitem a passagem de alguma corrente, desde que a diferença de potencial seja suficientemente alta para isto.
Uma coisa nos chama imediatamente a atenção. Se colocarmos em série átomos de substâncias diferentes e forçarmos a passagem de elétrons por uma extremidade, acontecerá o mesmo fenômeno explicado: os elétrons de um átomo passarão para o átomo vizinho simultaneamente com a entrada de elétrons no átomo da extremidade. Portanto, concluímos imediatamente que o elétron de uma determinada matéria é semelhante ao elétron de qualquer outra matéria, o mesmo acontecendo com o próton. E, então, podemos dizer que todas as substâncias têm a mesma origem - prótons e elétrons - variando as propriedades de cada matéria com sua estrutura molecular e atômica.
A Figura 8 nos mostra a estrutura eletrônica dos átomos de hidrogênio, hélio, oxigênio e magnésio, cujos números atômicos são, respectivamente, 1, 2, 8 e 12.
Praticamente se observa diferença de efeitos com a emissão de elétrons de átomos semelhantes.

A emissão de elétrons, obtida pelos raios catódicos, pelo calor ou pela luz, por exemplo, é feita com relativa facilidade e sem que sejam produzidas mudanças químicas nos átomos em que se efetue a emissão. Daí se conclui que os elétrons, nestas emissões, saem da parte externa do átomo e não do núcleo.
Entretanto, observa-se, também, uma outra espécie de emissão de elétrons, completamente espontânea, sem que possa ser regulada por meios artificiais. É o caso das emissões dos corpos radioativos. Nessas emissões há sempre uma modificação química nos átomos, pois, os elétrons, uma vez emitidos, já não voltam mais aos átomos. Daí se conclui que estes elétrons pertencem ao núcleo do átomo.
Cada próton pesa cerca de 1.840 vezes mais que o elétron, de modo que o peso atômico é fornecido quase que exclusivamente pelo núcleo, onde ficam localizados todos os prótons.
Os cientistas comparam os átomos a diminutos sistemas planetários em que o núcleo é o centro de atração e os elétrons giratórios fazem o papel dos planetas.
Ultimamente se admite que as partículas elementares dos átomos não são apenas as duas estudadas: prótons e elétrons. Admite-se que são quatro: nêutrons, de massa 1 e carga elétrica 0; pósitons, de massa 0,0015 e carga elétrica + 1 ; négatons, de massa 0,0015 e carga elétrica -1; e mésotons, também denominados elétrons pesados, cuja massa é 200 em relação ao elétron. [5]
Entretanto, não nos estenderemos a respeito.
Constantemente fala-se em éter. – Entretanto, o que é o éter? – Existe o éter? – E se existe, quais são suas propriedades?
A razão principal, supomos, que levou à crença da existência do éter, foi a impossibilidade da ação à distância sem alguma coisa portadora desta ação. Se o som produzido pelas vibrações de determinado objeto é transmitido pelo ar, semelhantemente alguma coisa deve ser o suporte, por exemplo, para a propagação da luz, ou para as atrações e repulsões elétricas e magnéticas.
Diz Gustavo Le Bon [6] que “sem o éter não haveria o peso, a luz, a eletricidade, o calor; o universo estaria silencioso e morto, ou se revelaria sob uma forma que não podemos pressentir. Diz que, embora a natureza íntima do éter chegue apenas a ser suspeitada, sua existência se impôs desde muito tempo, parecendo a alguns ser mais certa sua existência que a da própria matéria; e que sua existência se impôs quando foi preciso explicar a propagação das forças e a ação à distância.”
Admitida a existência do éter, diz-se, então, que todos os astros estão mergulhados neste mar fluídico, etéreo, cujo início e cujo fim, isto é, cujas posições limites, nosso campo de lucidez intelectual ainda não pode conceber e que se chama espaço.
Provavelmente todos viram, no mar ou em rios, o que se chama redemoinho. A água, girando velozmente, produz forças de atração e de tensão.
Admite-se que o éter possua igualmente, seus torvelinhos, seus redemoinhos, com forças de atração ou de repulsão. E a estas forças de atração ou de repulsão dá-se o nome de eletricidade. Aos redemoinhos em si, que produzem a eletricidade, dão-se os nomes de prótons e elétrons. A tensão que os prótons e elétrons produzem é denominada magnetismo.
“Provavelmente, diz ainda Gustavo Le Bon [7], da condensação do éter efetuada na origem dos tempos por um mecanismo ignorado, se derivam os átomos, considerados, por vários sábios, e especialmente por Lamor, como núcleos de condensação do éter, que têm a forma de pequenos torvelinhos animados de uma enorme velocidade de rotação. A molécula material, escreve este último físico, está inteiramente constituída por éter, nada mais. Indubitavelmente, a grande velocidade de rotação das partículas de éter, transformadas em torvelinhos, dão à matéria a rigidez e o peso.”
Portanto, fisicamente falando, tudo o que vemos, sejam os astros, seja a cadeira em que sentamos, seja a água que bebemos, nada mais representa que a reunião de um número extraordinário de prótons e elétrons.
Por esta teoria nós nada mais seríamos que a condensação do éter, isto é, condensação de torvelinhos do éter.
O número de estrelas que se movem no espaço é enorme. Cada uma delas é um sol luminoso, e formam, com seus planetas envoltórios, inumeráveis sistemas solares.
A distância entre os sóis é tão extraordinariamente grande, que se mede pelo caminho que a luz, com sua velocidade de 300.000 quilômetros por segundo, percorre em anos ou milênios.
A velocidade média de deslocamento dos sóis no espaço é de cerca de 100 quilômetros por segundo, formando espirais.
O nosso planeta, a Terra, gira em torno de nosso Sol a uma distância de 150.000.000 de quilômetros. Por aí podemos ver quão desprezível é a quantidade de matéria de nosso planeta em relação ao Universo.
Da mesma forma que dizemos que a Terra é desprezível em relação ao Universo, podemos dizer que o elétron é desprezível em relação à Terra. Basta dizer que, para conseguirmos um comprimento de um milímetro, colocando elétrons lado a lado, seriam necessários 10.000.000.000.000.000.000.000.000 de elétrons.
Em um átomo, a distância entre os elétrons da parte externa e o núcleo atômico não chega a um bilionésimo de milímetro; a velocidade destes elétrons é de 1.000 a 150.000 quilômetros por segundo, e em um segundo eles dão milhões ou bilhões de voltas em torno do núcleo.
Portanto, um átomo contém em si uma quantidade fantástica de energia. Se a indústria pudesse utilizar esta energia, teria à sua disposição uma fonte gigantesca e inesgotável de força. Entretanto, tudo indica que não está longe a época de ser possível a aplicação industrial da energia atômica. A bomba atômica já foi um passo para isso.
Diz Fritz Kahn [8] que “com a energia existente em um átomo de cobre de uma moeda, seria possível, a um navio de 50.000 toneladas, dar várias vezes a volta da Terra; que, com uma colher de chá de carvão em pó – desde que ele não fosse queimado mas desintegrado em seus átomos –, poder-se-ia aquecer por 24 horas, em pleno inverno, todas as casas de Nova Iorque”.
Muitos físicos adotam a teoria do átomo inextensível, isto é, como sendo condensação do éter, em movimentos violentamente fortes. À primeira vista parece ser absurdo; a matéria é formada de partículas que realmente não existem. Neste caso a matéria não existiria: seria apenas uma ilusão.
– Entretanto, será o éter uma matéria em outro estado, que não o sólido, o líquido ou gasoso?
“A verdade, diz Paul Gibier [9], é que os físicos estão hoje de acordo, considerando os corpos mais densos como representando apenas em aparência uma superfície contínua, como por exemplo, uma esfera oca de prata, cheia de água e soldada hermeticamente. Colocando sobre uma bigorna esta bola e batendo-se-lhe com um martelo, a água escapa-se por todos os poros do metal a cada golpe do martelo e vem aflorar a sua superfície, segundo experiências dos acadêmicos de Florença.”
“O volume das moléculas, continua ele, pode ser, quando muito, avaliado por milionésimos de milímetros, e mesmo levando em conta o espaço relativamente considerável que as separa, é ainda por trilhões, quintilhões, sextilhões, que devemos contá-las em um milímetro cúbico.”
“Elas estão em um estado contínuo de agitação, de projeção, de choques violentos, de atrações, de repulsões enérgicas, das quais é, sem dúvida, um pálido reflexo o movimento browniano das partículas microscópicas. Fazemos uma idéia do seu tremendo turbilhão, quando vemos que no hidrogênio, em pressão e temperatura ordinárias, as moléculas deste gás estão animadas de velocidade mais ou menos de
2.000 metros por segundo (Joule) e que cada uma sofre de suas vizinhas cerca de 17 bilhões de choques no mesmo espaço de tempo.”
A Ciência já conseguiu obter vastos conhecimentos sobre os movimentos dos corpos celestiais. E se admite que as leis dos movimentos moleculares são perfeitamente semelhantes às que regem os dos corpos-celestiais.
Afirmam estudiosos famosos que a quantidade de energia existente no sistema solar com possibilidade de transformação não chega a mais de 454a parte da energia que possuía no estado de nebulosa. Esta quantidade de energia transformável ainda é enorme, considerada por nossos sentidos, mas ela também ir-se-á degradando. Haverá uma época, incomensuravelmente distante ainda, sem a menor dúvida, em que não haverá mais energia transformável no universo. A energia em si persistirá, porém, sob a forma de movimentos atômicos.
– Como poderia acontecer isto?
Os movimentos dos corpos celestiais ir-se-iam amortecendo, os planetas não mais circulariam em torno dos sóis extintos; as massas ir-se-iam aglomerando cada vez mais, ficando, finalmente, reunidas em uma única; esta massa única giraria ainda muito tempo sobre si mesma até ficar completamente imóvel em relação ao espaço ambiente.
“Tal é o destino do Mundo, diz Paul Gibier [10], como todo o ser que vive, passou pelo estado embrionário, teve sua infância, adolescência e maturidade; a decrepitude da velhice já começou.”
Tais são, pelo menos, as conclusões da Ciência moderna com o conhecimento dos dois elementos “que estão colocados nos dois ângulos inferiores do triângulo”, quero dizer, a matéria e a força ou energia.
Fato curioso: os bramas e os pandits (sábios filósofos do Oriente), possuem há milhares de anos uma cosmogonia idêntica; em sua linguagem simbólica denominam eles este “desmoronamento final” das esferas, esta parada do Universo no ponto morto, “a noite de Brahma”, a noite durante cujos inúmeros séculos, depois de haver reabsorvido tudo em si, os deuses juntamente com as coisas, “o Antigo dos dias” repousa contemplando-se em seu Parabrahm Eterno.
– Que fica sendo o homem no meio dos destroços de astros, volatilizando-se ao choque uns dos outros? – Que fica sendo a Consciência do ser e que sorte vai ser a sua?
A Ciência ainda não se ocupa disso, mas forçosamente vai ser levada ao estudo destas coisas, porque as manifestações de consciência no além-da-vida começam a chamar-nos a atenção, a reclamar o nosso exame.”

*   *   *

– Que concluímos de tudo o que foi exposto neste capítulo?
Nada.
As teorias são revolucionárias, mas o nosso raciocínio, o alcance de nosso campo de compreensão, não está ainda em condições de apreender totalmente estas sutilezas.
– Na prevista parada da massa material do Universo, reunida em uma massa única, o que a envolverá? - Não encontramos resposta.
– Existe realmente a matéria? – Ou é uma propriedade da energia movimentando o éter? – Existe o éter? – E, existindo, não é, ele próprio, matéria num outro estado não conhecido ou analisado?
– Como foi produzida inicialmente a energia do Universo?
– Não será, talvez, a energia, um efeito da matéria excitada por algo que não é matéria nem energia?
Fizemos então surgir a necessidade de um princípio excitador da matéria.
Se a matéria é a condensação da energia, algo produziu a energia. Se a energia é proveniente da matéria, algo agiu sobre esta última.
De qualquer forma o nosso raciocínio solicita a existência de um princípio animador.
– Eu disse raciocínio?
– Será entretanto razoável admitir-se que o raciocínio emane da matéria ou da energia?
– Não será, talvez, mais aceitável considerarem-se como emanação do Princípio animador as manifestações de raciocínio ou de inteligência?
Evidentemente deve haver um princípio, o Princípio-lnteligência, que, animando e excitando a matéria inanimada, nos apresenta a solução para problemas considerados, anteriormente, insolúveis e misteriosos.

2. Matéria viva

As pesquisas sobre a matéria inerte alcançaram, não há a menor dúvida, um notável progresso.
A Física, a Química, a Astronomia permitiram ao homem a concepção de hipóteses realmente extraordinárias. Estas hipóteses levadas ao cálculo, nos apresentam, por vezes, resultados surpreendentes e mesmo inimagináveis anteriormente.
Entretanto, neste contínuo avançar e progredir das ciências, a Biologia, reconhecidamente, não manteve o mesmo ritmo de esclarecimento de seus intrincados e complicados fenômenos.
Na Biologia as coisas se estudam mais hipoteticamente que mesmo à luz dos cálculos matemáticos.
Não podemos negar, é verdade, o esforço de um número não pequeno de cientistas que tentam, a todo o custo, desvendar os segredos que envolvem os fenômenos da matéria viva.
Mas a realidade é que, não obstante todo esse esforço, a ciência dos seres vivos ainda estaciona no estágio puramente descritivo.
O corpo humano é cortado, dividido e estudado em todas as suas minúcias, mas é um estudo exclusivamente constitucional, que não chega a permitir a apresentação rigorosa dos cálculos algébricos.
A ciência ainda não sabe definir o que seja a vida e todas as teorias apresentadas sobre a origem da vida sobre a Terra, não chegam a convencer e são rejeitadas.
A matéria viva de todos os seres é formada por uma substância plástica denominada plasma.
Não se obtém o plasma por meio de nenhuma combinação química ou mistura de combinações.
O plasma em si é uma verdadeira máquina em ponto pequeno. A substância viva plasma apresenta-se em um corpúsculo microscópico denominado célula. Portanto, a célula é a unidade elementar da vida.
Em média o comprimento das células é de 0,02 mm.
O modo clássico de explicar a constituição de uma célula é compará-la com um ovo, embora este seja cerca de um milhão de vezes maior que uma célula. Dentro do ovo a gema amarela flutua no meio da albumina líquida. Dentro da célula seu núcleo flutua no meio do plasma.
O plasma assemelha-se à espuma de sabão, em que os alvéolos estão cheios de líquidos, açúcares, soluções de albuminas e sais diversos. A substância das paredes desses alvéolos embora sólida, de albumina viscosa, amido e gorduras espessas, não é impermeável, pois deixa passar certos grupos de moléculas não muito grandes através de poros moleculares extremamente pequenos.
A alimentação, para poder penetrar pelos poros moleculares, deve ser bastante dividida em suas porções moleculares. Em média o corpo humano compõe-se de 30 trilhões de células.
Admite-se e demonstra-se experimentalmente que a célula funciona como um aparelho emissor-receptor de ondas éter.
As células reunidas formam os tecidos e os órgãos.
Só ultimamente os anatomistas conseguiram analisar as propriedades das células, embora já conhecessem anteriormente os caracteres gerais dos tecidos e dos órgãos.
Como já o dissemos, cada célula é um verdadeiro organismo muito complicado.
Atualmente já se consegue projetar em uma tela, filmes de células com tal aumento que seu tamanho fica superior ao de um homem. Assim sendo, os órgãos das células se tornam visíveis e podem ser analisados.
Escreveu Alexis Carrel [11], referindo-se à célula : No meio do seu corpo vê-se flutuar uma espécie de balão ovóide, de paredes elásticas, que parece cheio duma gelatina completamente transparente. Este núcleo contém dois nucléolos que mudam lentamente de forma. Ã volta dele há uma grande agitação que se produz sobretudo ao nível dum amontoado de vesículas, correspondentes àquilo a que os anatomistas dão o nome de aparelho de Golgi ou de Renaut. Grânulos, quase indistintos, movem-se sempre em grande número nesta ocasião, correndo também até aos membros móveis e transitórios da célula. Mas os órgãos mais notáveis são uns longos filamentos, as mitocôndrias, que se assemelham a serpentes, ou, em certas células, a pequenas bactérias. Vesículas, grânulos e filamentos agitam-se violenta e continuamente no líquido intercelular.
A complexidade aparente das células vivas já é muito grande. A sua complexidade real é muito maior. O núcleo que, com exceção dos nucléolos, parece completamente vazio, contém, não obstante, substâncias de maravilhosa natureza. A simplicidade atribuída pelos químicos às núcleo-proteínas que o constituem é ilusória. De fato, o núcleo contém os genes, esses seres de que tudo ignoramos, exceto que são as tendências hereditárias das células, e dos homens que delas derivam. Os genes são indivisíveis. Mas sabemos que habitam nos cromossomos, esses corpos alongados que aparecem no núcleo claro da célula, quando esta se vai dividir. Nesse momento os cromossomos desenham confusamente as figuras clássicas da divisão indireta. Depois os dois grupos afastam-se um do outro. Vê-se, então, nos filmes, o corpo celular abanar violentamente, agitar em todos os sentidos o seu conteúdo e dividir-se em duas partes, as células-filhas que se separam deixando atrás de si filamentos elásticos que acabam por desaparecer. É assim que individualizam dois novos elementos do organismo. Tal como os animais, as células pertencem a várias raças, que são determinadas por caracteres estruturais e funcionais. Células que sejam provenientes de regiões espaciais diferentes, por exemplo da glândula tireóide, do baço ou da pele, mostram naturalmente tipos diferentes. Mas, coisa inexplicável, se, em momentos sucessivos, se reconhecem células duma mesma região espacial, verifica-se que também elas,constituem raças diferentes. O organismo é tão heterogêneo no tempo como no espaço. Os tipos celulares dividem-se grosseiramente em duas classes. As células fixas, que se unem para formar os órgãos, e as células móveis, que viajam por todo o corpo. As células fixas compreendem a raça das células conjuntivas, e a das epiteliais, células nobres que formam o cérebro, a pele, as glândulas endócrinas. As células conjuntivas constituem o esqueleto dos órgãos. Existem em toda parte. Em volta delas acumulam-se substâncias variadas, cartilagens, ossos, tecido fibroso, fibras elásticas que dão ao esqueleto, aos músculos, aos vasos sangüíneos e aos órgãos a solidez e a elasticidade necessárias; metamorfoseiam-se também em elementos contráteis. São os músculos do coração, vasos do aparelho digestivo e também os do aparelho locomotor. Embora nos pareçam imóveis e usem o seu velho nome de células fixas, são, no entanto, dotadas de movimento, assim como a cinematografia nô-lo mostrou. Mas os seus movimentos são lentos. Deslizam no seu meio como óleo estendendo-se na água, e arrastam consigo o núcleo que flutua na massa líquida do seu corpo. As células móveis compreendem os diferentes tipos de leucócitos do sangue e dos tecidos; o seu movimento é rápido. Os leucócitos de vários núcleos assemelham-se a amebas. Os linfócitos arrastam-se mais lentamente, como pequenos vermes. Os maiores, os monócitos, são verdadeiros polvos que, além dos seus braços múltiplos, são rodeados por uma membrana ondulante; com as pregas desta membrana envolvem as células e os micróbios, de que em seguida se nutrem com voracidade.
Quando se cultivam em frascos estes diferentes tipos celulares, os seus caracteres tornam-se tão aparentes como os das diferentes raças de micróbios. Cada tipo possui propriedades que lhe são inerentes, e que conservam mesmo quando está separado do corpo durante anos. As raças celulares caracterizam-se pelo seu modo de locomoção, pela maneira de se associarem umas às outras, pelo aspecto de suas colônias, e pela proporção do seu crescimento, pelas substâncias que segregam e pelos alimentos que exigem, tanto como pela sua forma. Cada sociedade celular, isto é, cada órgão, deve as suas leis próprias a essas propriedades elementares. As células não seriam capazes de constituir o organismo caso apenas possuíssem os caracteres conhecidos pelos anatomistas. Graças às suas propriedades habituais, e à enorme quantidade de propriedades virtuais, susceptíveis de se manifestarem em resposta a modificações físico-químicas do meio, as células fazem face às novas situações que se apresentam no decorrer da vida normal das doenças. As células associam-se em massa densa cuja disposição é regulada pelas necessidades estruturais e funcionais do conjunto.
O corpo humano é uma unidade compacta e móvel, cuja harmonia é garantida pelo sangue e pelos nervos de que estão providos todos os grupos celulares. A existência dos tecidos não pode conceber-se sem a de um meio líquido. A forma dos órgãos é determinada pelas relações necessárias das células com seus vasos nutritivos. Essa forma depende ainda da presença das vias de eliminação das secreções glandulares. Toda a disposição interior do corpo depende das necessidades nutritivas dos elementos anatômicos. O plano arquitetônico de cada órgão é inspirado pela necessidade que as células têm de estar imersas num meio sempre rico em matérias alimentares e nunca obstruído pelos resíduos da nutrição.
Sendo a harmonia do corpo humano garantida pelo sangue, vejamos o que é esta substância. Nada mais que um tecido análogo aos outros em que, entretanto, as células ficam suspensas num líquido viscoso, o plasma, em vez de estarem fixadas por uma estrutura. O tecido sangüíneo contém cerca de trinta mil bilhões de glóbulos vermelhos e cinqüenta bilhões de glóbulos brancos.
Todas as partes do corpo, por menores que sejam, são penetradas por este tecido móvel, o sangue, que é o meio condutor de alimento para todas as células do corpo. O sangue, ao entregar o alimento às células, e conseqüentemente aos tecidos, recebe de volta os resíduos da vida dos tecidos.
Os glóbulos vermelhos são pequenos sacos contendo hemoglobina que, ao passarem pelos pulmões, recebem oxigênio e o distribuem por todas as células dos diversos órgãos, recebendo em troca ácido carbônico e outros resíduos. Os glóbulos vermelhos não são como os glóbulos brancos, células vivas. Estes últimos glóbulos ora flutuam no plasma dos vasos, ora se dirigem, pelos interstícios dos capilares, à superfície das células das mucosas do intestino e de todos os órgãos.
Os glóbulos brancos dão, pois, ao sangue a característica de tecido móvel, sendo susceptível de se dirigir a qualquer ponto em que sua presença for solicitada. Se uma região do organismo é invadida por micróbios, imediata e rapidamente os glóbulos brancos acumulam em torno dos micróbios grandes quantidades de leucócitos que combatem e infecção.
São os glóbulos brancos, ainda, que, indo às feridas da pele e dos órgãos, produzem a sua cicatrização.
Para nutrir-se, para modificar-se, as células do corpo humano estão continuamente recebendo matéria do meio exterior. Durante a passagem da matéria exterior através das células, estas retiram a energia de que necessitam. Portanto, a existência de nosso corpo físico se esteia completamente na matéria do mundo inanimado.
Entretanto, as leis são infalíveis: mais cedo ou mais tarde nosso corpo devolve ao mundo inanimado toda a matéria absorvida.
Falando sobre o enfraquecimento do corpo, diz ainda Alexis Carrel, no seu interessante livro - O Homem, Esse Desconhecido: “Sabe-se que uma alimentação rica ou pobre demais, o alcoolismo, a sífilis, as uniões consangüíneas, assim como a prosperidade e o ócio, diminuem a qualidade dos tecidos e dos órgãos. A ignorância e a pobreza têm os mesmos efeitos que a riqueza. Os homens civilizados degeneram nos climas tropicais, e desenvolvem-se sobretudo nos climas temperados ou frios. Têm necessidade dum modo de vida que imponha, a cada um, um esforço constante, uma disciplina fisiológica e moral, e algumas privações. Tais condições de existência dão-lhes a possibilidade de resistir tanto à fadiga como às preocupações. Preservam-nos de muitas doenças, principalmente nervosas, e impelem-nos irresistivelmente para a conquista do mundo exterior.
A doença é uma desordem funcional e estrutural. A variedade dos seus aspectos é tão grande como a das nossas atividades orgânicas. Há doenças do estômago, do coração, do sistema nervoso etc. Mas no corpo doente mantém-se a mesma unidade que no normal: todo ele está doente, porque não há doença que fique estritamente confinada num único órgão. Pela velha concepção anatômica do ser vivo, os médicos foram levados a fazer de cada doença uma especialidade. Só aqueles que conhecem o homem nas suas partes e no seu todo, sob o seu tríplice aspecto, anatômico, fisiológico e mental, podem compreendê-lo quando está doente.”
Todos os órgãos possuem nervos sensitivos. Por intermédio destes nervos, comandados pelo sistema nervoso central, os nossos órgãos entram em contato com o mundo exterior. Portanto, nós sentimos as coisas exteriores de acordo com a constituição e o grau de sensibilidade de nossos órgãos dos sentidos.
“Se, por exemplo, a retina registrasse os raios infravermelhos de grande extensão de onda [12], a natureza apresentar-se-ia aos nossos olhos com um aspecto completamente diverso. Devido às modificações da temperatura, a cor da água, das rochas e das árvores variaria com as estações. Os dias claros de julho, em que as menores particularidades da paisagem se distinguem, seriam obscurecidos por um nevoeiro avermelhado. Os raios caloríficos, tornados visíveis, esconderiam todos os objetos. Durante os frios do inverno, a atmosfera tornar-se-ia clara e precisos os contornos das coisas. Mas o aspecto dos homens seria bem diferente. O seu perfil apareceria indeciso. Uma nuvem vermelha, saindo das narinas e da boca esconderia o rosto. Após um exercício violento, o volume do corpo aumentaria, porque o calor libertado formaria à sua volta uma larga aura. Do mesmo modo, o mundo exterior modificar-se-ia, embora de outra maneira, se a retina se tornasse sensível aos raios ultravioletas, a pele aos raios luminosos, ou, simplesmente, se a sensibilidade de cada um dos nossos órgãos dos sentidos aumentasse de modo notório.
Ignoramos as coisas que não exercem ação sobre as terminações nervosas da superfície de nosso corpo. É por isso que os raios cósmicos não são apreendidos por nós embora nos atravessem de lado a lado. Parece que tudo o que atinge o cérebro tem de passar pelos sentidos, isto é, impressionar a camada nervosa que nos rodeia. Apenas o agente desconhecido das comunicações telepáticas faz talvez exceção a esta regra. Dir-se-ia que, nos fenômenos de vidência, o sujeito apreende diretamente a realidade exterior sem utilizar as vias nervosas habituais. Mas tais fenômenos são raros. Os sentidos são a porta pela qual o mundo físico penetra em nós.”
Evidentemente o corpo humano surge diante de nossos sentidos como uma tremenda complexidade. As células que se encontram mais afastadas uma das outras trocam, entre si, suas secreções. No entanto, apesar da complicada heterogeneidade do corpo humano, ele age, fisiologicamente, com uma homogeneidade extraordinária.
– O que, pois, administra esta complicada heterogeneidade de funções, transformando-as numa perfeita homogeneidade fisiológica?
Deixemos, ainda, a pergunta sem resposta.
Em geral, os fisiologistas afirmam que as manifestações de vida, e mesmo de inteligência, nada mais são que propriedades da matéria, embora concordem que a matéria componente do corpo humano é exatamente a mesma matéria inanimada conhecida. Eles, portanto, admitem que a matéria, formando os corpos inanimados ou os corpos vivos, funciona diferentemente.
– Será, porém, razoável e racional que os movimentos executados pelo homem, que o equilíbrio e o funcionamento de seu complexo corpo, que as vibrações da matéria cerebral, sejam simples propriedades da matéria, quando as propriedades desta mesma matéria nos corpos inanimados, estão tão exaustivamente estudadas pela Física e pela Química?
Se as manifestações da vida nada mais fossem que propriedades da matéria, a personalidade humana desapareceria com a morte do corpo, pois a matéria, uma vez desagregada do corpo, voltaria a outros estados, tomando novas formas.
– E, por que, no momento da morte, deixa a matéria de possuir as propriedades da vida, se ela, em si, continua sendo a mesma matéria?
Há, portanto, um outro princípio que não a matéria ou a energia, que abandona o corpo humano, cessando, conseqüentemente, as manifestações de vida.
Entretanto, dizem os materialistas, se há um Princípio-Inteligente que dá vida e movimento à matéria inerte, por que a inteligência é afetada, se afetados são alguns órgãos do corpo humano?
Com esta teoria os materialistas crêem ter provado definitivamente que a inteligência é uma propriedade da matéria, pois basta lesar a matéria organizada para afetar a inteligência.
Podemos, porém, responder a este argumento dizendo que, se um homem dirige uma máquina, e se algum órgão desta última sofre alguma lesão, conseqüentemente ele não mais pode obter a mesma produção da máquina, e não se pode afirmar, também, que o homem é uma propriedade da máquina.
O grande fisiologista Claude Bernard é de opinião que a matéria, mesmo viva, é inerte, isto é, desprovida de toda a espontaneidade, porém que pode manifestar suas propriedades especiais de vida sob a influência de uma excitação, porque a matéria é irritável.
As religiões dizem que o homem possui uma alma, e que esta, ao abandonar o corpo, vai para um determinado lugar do espaço receber os prêmios ou castigos, de acordo com seus bons ou maus atos na Terra.
Cada religião apresenta um Deus à sua moda e feitio.
São atribuídas a Buda, as seguintes palavras, ditas, em seu leito de morte, a seus discípulos[13]: “Todas estas opiniões teológicas não passam de quimeras; todas essas narrativas da natureza dos deuses, de seus atos, de suas vidas, apenas alegorias, emblemas mitológicos, sob os quais se escondem idéias engenhosas de moral e o conhecimento das operações da natureza, no jogo dos elementos e na marcha dos astros.
A verdade é que tudo se reduz ao nada; que tudo é ilusão, aparência, sonho, que a metempsicose moral não é mais que o sentido físico da metempsicose física, deste movimento sucessivo, pelo qual os elementos de um mesmo corpo, que não perecem, passam, quando ele se dissolve, para outros meios e formam outras combinações. A alma não é mais que o princípio vital, resultante das propriedades da matéria e do jogo de elementos existentes no corpo, onde elas criam um movimento espontâneo. Supor que este produto do jogo dos órgãos nascido com eles, adormecido com eles, subsiste quando os órgãos não mais existem, é um romance talvez agradável, mas realmente quimérico, fruto de imaginação iludida. O próprio Deus não é senão o princípio motor, a força oculta espalhada nos seres, a soma de suas leis e propriedades, o princípio animador, em uma palavra, a alma do universo, a qual, em razão da infinita variedade de suas relações e operações, considerada ora como simples e ora como múltipla, agora como ativa e logo como passiva, apresentou sempre ao espírito humano um enigma insolúvel. Tudo quanto ele pode compreender de mais claro nisto, é que a matéria não perece nunca; que ela possui essencial mente propriedades pelas quais o mundo é regido como um ser vivo e organizado; que o conhecimento dessas leis em relação ao homem, é o que constitui a sabedoria; que a virtude e o mérito residem na observância delas, e o mal, o pecado, o vício, em sua ignorância e infração; que a felicidade e infelicidade resultam delas, pela mesma necessidade que faz as coisas pesadas descerem, e as coisas leves subirem, e por uma fatalidade de causas e de efeitos cuja cadeia vai do último átomo até aos astros os mais elevados.”

*   *   *

De tudo o que foi exposto neste capítulo o leitor pode depreender que cientistas e filósofos não chegaram ainda a um acordo ou a uma conclusão sobre a matéria viva.
Materialistas e espiritualistas defendem veementemente a validade de suas teorias sem se convencerem mutuamente.
– E por que isto?
Por que os homens geralmente só se entendem sobre aquilo cuja existência os sentidos podem constatar, discutir e analisar.
– Como poderá, então, haver este entendimento, se não podemos ter provas reais da existência do Princípio-Inteligente?
Mas estas provas existem. O conhecimento do homem já é um fato definitivo.
O alcance intelectual do homem está apto a apreender os magníficos princípios explanados pelo Racionalismo Cristão, doutrina que, fundada em 1910, se vem batendo para libertar a humanidade de turco o que seja dogma, mistério, preconceito, acorrentamento do raciocínio.
Estuda, leitor, com isenção de ânimo, o Racionalismo Cristão, analisa friamente suas afirmativas, sem religiosidade, sem fanatismo, simplesmente como um pesquisador desejoso de descobrir as leis e os princípios básicos da ciência máxima, da “Ciência da Vida”.

3. Racionalismo Cristão


Racionalismo Cristão é a doutrina que, fundada por Luiz de Mattos, difunde a afirmativa básica de que no Universo tudo se resume simplesmente nos princípios Força e Matéria.
Baseado nestes dois princípios, o Racionalismo Cristão explica o que antes era mistério nas doutrinas ocultistas e espiritualistas.
O Racionalismo Cristão explana e esclarece os princípios que Jesus, infelizmente, não teve tempo de consolidar, porque foi prematuramente arrancado à vida.
O Racionalismo Cristão explica que Jesus não realizou milagres; que apenas se utilizou das leis naturais e imutáveis que regem o universo.
Não convinha aos sacerdotes das religiões da época, não convinha aos dominadores do povo, que Jesus continuasse com suas explanações revolucionárias de que o homem em si é um deus, porque contém em si uma partícula de Deus, que é Força Universal, o Foco da Inteligência Universal.
Igualmente não convém hoje às religiões o esclarecimento da massa humana, porque ela, esclarecida, repudiará suas maldades, sua hipocrisia, sua tendência de embrutecimento do raciocínio humano, para melhor dominá‑lo.
Afirmando serem Força e Matéria os únicos princípios componentes do Universo, o Racionalismo Cristão ensina o ser humano a aplicar a lei psíquica de atração a estes dois princípios.
Explica como, pela ação do pensamento, se atraem as Forças Superiores e se repelem as inferiores.
Soluciona uma multidão de fenômenos não compreendidos, e, por isso mesmo, considerados como inadmissíveis pela ciência e como sobrenaturais ou milagres por toda a gente.
Dá ao homem o conhecimento das categorias de ordem espiritual, e como elas se manifestam e operam, quer para o bem, quer para o mal, para beneficiar ou danificar o ser humano.
Demonstra que são as forças inferiores as causadoras de muitos males psíquicos e fisiológicos de que sofre a humanidade.
Nos capítulos anteriores fizemos algumas considerações sobre teorias existentes, no meio científico, a respeito da matéria, da energia etc.
Entretanto, a nossa finalidade não é complicar a linguagem, não é subir às transcendências científicas.
Temos interesse de descer nossa linguagem, nossa explanação, ao máximo de simplicidade. Desejamos que aqueles que não tiveram a oportunidade de alcançar um certo grau de cultura, apreendam o que expomos, e alcancem, com seus raciocínios, a importância desta Doutrina, apresentada com clareza e sem exageros e pernosticismos científicos.
Basicamente são dois os princípios existentes no Universo: Força e Matéria.
Quando dizemos Força não nos queremos referir à força tal como é estudada na Física, representando um produto de uma massa por uma aceleração.
Força, para nós, é a Inteligência Universal, é o princípio animador da Matéria.
Não nos deteremos, também, mais, sobre o estudo da Matéria. Bastam as divagações que, a respeito, já fizemos nos capítulos anteriores.
O que é importante frisar é a ação contínua da Força sobre a Matéria, em todos os fenômenos.
O Universo inteiro – este Universo que não podemos compreender em toda a sua plenitude e sim apenas em uma mínima fração, pois o alcance de nosso raciocínio é, ainda, demasiado limitado – a Força o mantém regido sob leis naturais e imutáveis. A imutabilidade destas leis pode ser verificada, facilmente, em qualquer dos ramos das Ciências. Os movimentos dos astros podem ser previstos, exatamente, com centenas de anos de antecedência.
Dentro dessas leis naturais e imutáveis deve ser colocado o homem.
Ele tem por dever estudar e compreender a verdade sobre si próprio, sobre sua composição astral e física.
Sabendo que Força e Matéria são os únicos princípios fundamentais do Universo; que a Força é o agente ativo, inteligente, transformador; que a Matéria é o elemento passivo, inerte, plasmável; que ambos, na sua forma original, indivisível, fundamental, imponderável, penetram em todos os corpos, estendendo-se pelo espaço infinito Universal, o homem deve indagar como agem esses princípios na sua própria constituição.
Da mesma maneira que é mantido o equilíbrio perfeito nos inúmeros sistemas solares do espaço, igualmente é mantido o equilíbrio dos movimentos executados pelas diversas partículas que constituem o átomo.
Portanto, mesmo no átomo, a Força demonstra a sua existência, sua ação.
Começando sua evolução na estruturação do átomo, a Força passa, depois, a outras ordens de aplicação construtiva, animando moléculas, células, tecidos.
Agregando, desagregando, transformando os corpos, a evolução da partícula de Força se vai efetuando, ela vai adquirindo maior grau de inteligência. E, à proporção que esta evolução se torna sensível, a partícula de Força vai animando corpos que apresentam maior grau de atributos inteligentes.
Assim, depois de ter entrado na composição de corpos do reino mineral, do reino vegetal e do reino animal, a partícula de Força fica em condições de constituir microrganismos de ínfima espécie. Destes microrganismos de ínfima espécie, vai passando, evolutivamente, através de outras espécies e de outros organismos de maior desenvolvimento.
Enquanto que nos átomos e moléculas a Força Inteligente se limita a movimentos vibratórios internos, já nos microrganismos apresenta, também, a ação do movimento exterior, de locomoção. E quando estes organismos se tornam mais desenvolvidos, aparecem as primeiras manifestações de Inteligência.
À proporção que vai passando de um corpo para outro mais evoluído, a partícula de Força vai adquirindo maiores e mais evidentes qualidades de Inteligência. Neste evoluir contínuo ela alcança um estágio em que já pode animar os corpos humanos dos mais embrutecidos estados.
Ao alcançar este grau de evolução a partícula de Força recebe o nome de espírito, e, como espírito, encarna inumeráveis vezes, isto é, anima corpos humanos sucessivamente, adquirindo sempre mais inteligência, mais luz, mais experiência, mais conhecimentos, mais clara concepção da vida e maior capacidade de raciocínio.
Na sua trajetória evolutiva de corpo em corpo, de encarnação em encarnação, o espírito vai passando pelos diversos estados, pelas contínuas lutas, pelos vários ambientes necessários ao seu progresso, até o momento em que a evolução alcançada permita que ele continue a viagem, rumo à perfeição total, em outros mundos mais adiantados que o planeta Terra.
A mente humana não se conforma com a concepção do infinito, e só a aceita como um apoio teórico que lhe facilita os cálculos matemáticos.
O raciocínio do homem, utilizando todos os seus conhecimentos adquiridos, não está apto, ainda, a transpor um curto limite que é, no entanto, já por ele, considerado transcendente.
Em outras palavras: o campo de lucidez intelectual humano é ainda muito curto, e ele deve limitar-se a pôr em prática a fração da Verdade já contida dentro desse seu restrito campo lúcido de compreensão, para, adquirindo novos conhecimentos, avançando pela estrada evolutiva, poder apoderar-se de mais uma fração da Verdade, e, nesse movimento sucessivo e dependente mutuamente de avançar para adquirir Verdade e de adquirir Verdade para avançar, chegar ao término da viagem, alcançar o repouso eterno, apreender e dominar a Verdade absoluta.
Consciente, portanto, o ser humano de sua limitada compreensão, deve concentrar-se, apenas, nos pontos aproveitáveis para a sua evolução, dedicando-se ao estudo e à luta, para dilatando seus atributos espirituais, aumentar a capacidade irradiativa de seu raciocínio.
O planeta em que vivemos, onde tanta luta, tanta inveja, tanta ambição se entrechocam violentamente, nada mais é que uma partícula de pó em relação ao Espaço Infinito.
É tão vasto o espaço, que a medida utilizada para avaliar as distâncias astronômicas é a extensão que os raios luminosos percorrem por segundo, isto é, cerca de 300.000 km.
Para chegar à atmosfera da Terra, as ondas dos raios cósmicos viajam uma distância que a luz, com sua velocidade de 300.000 km por segundo, percorreria em dezenas de milhares de anos.
Evidentemente, sendo tão humilde o planeta Terra diante da magnificência infinita do Universo, é justo que, igualmente, seus habitantes sejam humildes e modestos no saber, na inteligência, na evolução.
Se dissermos ao leitor que a Inteligência Universal é Luz Astral contínua que chega a todos os pontos, tudo animando, tudo vivificando, a qualquer momento, seja dia ou seja noite, talvez um sorriso cético e desdenhoso lhe aflore aos lábios.
Entretanto, os sentidos físicos são muito limitados, e os seres geralmente só crêem no que estes sentidos podem constatar.
Se, por exemplo, os raios caloríficos se tornassem visíveis, esconderiam todos os objetos; se pudéssemos constatar visualmente a existência dos raios infravermelhos a natureza se apresentaria aos nossos olhos com aspecto notavelmente diverso.
E, no entanto, os raios caloríficos ou infravermelhos são fenômenos puramente físicos. Portanto, como maior razão, não é absurdo declarar-se que a Luz Astral, que é um fenômeno espiritual, seja invisível aos olhos físicos.
Os espíritos, de acordo com sua evolução, são divididos em classes. Os que fazem sua evolução neste planeta pertencem às primeiras dezessete classes de uma série de trinta e três. Os espíritos das classes restantes da série continuam a evoluir em meios adequados e mais adiantados que o do planeta Terra.
Acima da classe décima-sétima só eventualmente algum espírito encarna, não por exigência de sua própria evolução, mas para auxiliar a humanidade a levantar-se, espiritualmente, numa espontânea manifestação de abnegação e desprendimento. Milhões de outros destes, embora não encarnados, se dedicam, especialmente por intermédio das Casas Racionalistas Cristãs, a auxiliar o progresso dos seus semelhantes menos desenvolvidos e encarnados no planeta.
Os espíritos, distribuídos pela série de trinta e três classes, de acordo com o grau de evolução de cada um, processam o seu desenvolvimento espiritual partindo da seguinte ordem de mundos:
a)     mundos materializados - espíritos da 1a à 5a classe;
b)     mundos opacos – espíritos da 6a à 11a classe;
c)     mundos brancos – espíritos da 12a à 17a  classe;
d)     mundos diáfanos – espíritos da 18a à 25a  classe;
e)     mundos de luz – espíritos da 26a à 33a  classe.
Depois da trigésima-terceira classe a evolução do espírito prossegue por uma nova fase cada vez mais acentuada, para a perfeição absoluta.
Dissemos que os espíritos pertencentes às primeiras dezessete classes da série de trinta e três acima especificadas fazem sua evolução, quando encarnados, no planeta Terra.
Isto quer dizer o seguinte: existem os mundos de estágio e os mundos escolas. Os espíritos, quando desencarnados, permanecem nos mundos de estágio a que pertencem, de acordo com suas classes. Os mundos escolas são aqueles em que os espíritos, como no planeta Terra, fazem sua evolução no estado de encarnados.
Normalmente só encarnam no planeta Terra os espíritos pertencentes aos mundos materializados, opacos e brancos.
A evolução dos espíritos até chegar à décima-oitava classe exige um número enorme de reencarnações que se efetuam em períodos diversos de espírito para espírito, mas que se elevam a milhares e milhares de anos. Se uma encarnação é mal aproveitada, há necessidade de repeti-la, tendo o espírito de passar pelas mesmas fases até conseguir dominar a fraqueza que o tenha feito perder a referida encarnação.
O espírito, no mundo que lhe é próprio, tem conhecimento do que se passa nos mundos das classes inferiores à sua, mas desconhece o que ocorre nas superiores.
Neste seu mundo, antes de encarnar, ele faz a previsão aproximada de sua trajetória pelo mundo-escola. Ele sabe, de antemão, as lutas e os dissabores que terá de enfrentar, como encarnado, mas desejando fazer sua evolução aos mundos superiores, decide-se a enfrentar todos os embates.
Jesus é um espírito evoluidíssimo que veio à Terra com o desejo de implantar uma Doutrina espiritualista, capaz de auxiliar o progresso das massas embrutecidas pelos vícios de toda espécie.
A Doutrina que Jesus tentou explanar, o Racionalismo Cristão já conseguiu codificá-la e a difunde desde 1910, indiferente aos cegos, aos céticos e aos que não querem compreender a realidade da Vida.
Antes de encarnar, o próprio espírito, de acordo com as lutas que necessite travar, com as dificuldades que precise enfrentar para sua evolução, escolhe, cuidadosamente, a família que mais lhe convém e que maiores oportunidades lhe ofereça para destruir suas más qualidades e desenvolver as boas.
O espírito é Luz, é Inteligência, é imaterial. Entretanto, possui um corpo astral que é material, que é constituído de matéria fluídica, invisível aos olhos humanos. Esta matéria fluídica é retirada do mundo em que estagia o espírito quando não encarnado, isto é, do mundo a que pertence, de acordo com sua classe.
Quanto mais evoluído é um espírito, mais diáfano é o seu corpo astral, porque mais diáfana é a matéria fluídica do mundo a que pertence.
Uma vez tendo o espírito escolhido sua mãe carnal, por ocasião da fecundação, acompanha a gestação até o terceiro mês ligando-se ao feto por cordões fluídicos. O seu corpo astral, formado de matéria fluídica, vai envolvendo, molécula a molécula, o corpo carnal em formação, tomando-lhe a forma exata; esta operação é feita ficando o espírito do lado de fora do corpo da gestante, onde se conserva, irradiando para o feto, até o momento em que este vem à luz.. Nessa ocasião, quando a criança chora, dá-se a posse total do corpo pelo espírito, que se conserva justaposto ao lado esquerdo do mesmo.
A partir desse momento o espírito está encarnado, havendo, portanto, três corpos, a saber:
a)     corpo mental (espírito);
b)     corpo astral ou perispírito (matéria fluídica);
c)     corpo carnal (matéria organizada composta).

Portanto, o ser encarnado possui em si os dois princípios básicos componentes do Universo: Força e Matéria. Conseqüentemente deve saber viver, distintamente, as duas variações da vida, a material e a espiritual.
O corpo mental é o agente vivo e inteligente que governa os outros dois corpos. Enquanto que a matéria, quer do corpo astral, quer do corpo carnal, vai sendo substituída, de acordo com a evolução do espírito, este último cada vez mais dá demonstrações de inteligência, de potencialidade e de Vida.
O corpo astral ou perispírito é o intermediário entre o corpo mental e o corpo carnal. Ele se liga ao corpo mental, partícula por partícula, por intermédio da vibração inteligente, que é contínua e ininterrupta. Quando o corpo carnal adormece, o espírito afasta-se dele, juntamente com o seu corpo astral, do qual não se separa. Entretanto, mesmo afastado, mantém-se ligado ao corpo carnal pelos cordões fluídicos do corpo astral. O espírito pode afastar-se a distâncias incomensuráveis, porque a natureza dos cordões fluídicos permite esse fato, e também porque a relatividade das distâncias conhecidas na vida terrena são completamente diversas na vida espiritual; esses cordões só se despregam do corpo carnal no ato da desencarnação.
O corpo carnal, esse corpo tão estudado pela Ciência Médica, apenas serve para fornecer ao espírito a oportunidade de travar as lutas, realizar os trabalhos, combater os defeitos, desenvolver as boas qualidades a que se dispôs antes de encarnar.
Quando o espírito encarna, isola-se de seu passado, isto é, esquece-se das suas encarnações anteriores e da sua existência quando em estágio em seu mundo próprio, no intervalo entre as várias encarnações. Esse esquecimento temporário do passado só lhe traz vantagens, pois a lembrança dos erros anteriores nunca lhe permitiria cumprir com tranqüilidade seus deveres correspondentes à encarnação atual. Entretanto, ele conserva o resultado das lições aprendidas, a experiência das provas por que passou, as tendências derivadas do uso que fez de seu livre-arbítrio. Isso explica perfeitamente o fenômeno do atavismo, não somente físico como também psíquico, isto é, a retentividade e reprodução de anteriores formas físicas e psíquicas.
Uma vez encarnado, o espírito passa por fases distintas, em cada uma das quais colhe ensinamentos adequados. Essas fases são a infância, a mocidade, a madureza e a velhice. Em cada uma delas o espírito tem predeterminados deveres a cumprir, obrigações a satisfazer, trabalhos a realizar. Ele deve alcançar, normalmente, a última fase, a velhice, pois cada uma delas lhe proporciona experiências e ensinamentos novos. Entretanto, para chegar ao fim da velhice, tem obrigação de andar bastante atento quanto aos cuidados com a sua saúde, a fim de não desencarnar prematuramente.
As condições físicas do planeta, compreendidas pelas mudanças bruscas de temperatura, pela insalubridade de certas regiões, pelos surtos epidêmicos, pelas abundantes vias de contaminações e pelas atuações do astral inferior, são sumamente favoráveis a essa desencarnação prematura, que representa, sempre, um lapso na evolução.
Jesus foi um espírito evoluidíssimo que encarnou com a missão especial de despertar a humanidade para as finalidades da Vida, ensinando-lhe o que atualmente já o Racionalismo Cristão tem elementos para difundir. Entretanto, Jesus foi prematuramente arrancado à vida sem ter podido terminar sua missão. Seus ensinamentos foram, depois, completamente deturpados e explorados com fins políticos, chegando aos nossos dias sob o nome de religiões ou seitas completamente mentirosas e falsas.
O espírito, ao desencarnar, retira-se com seu corpo astral. Os cordões fluídicos, ligados desde o período da gestação ao cérebro e ao coração, desprendem-se, deixando o corpo inerte, sem mais a expressão da vida, resultando apenas em um composto de matéria que, instantes após a retirada do espírito, começa a desintegrar-se. Posteriormente esta matéria desintegrada passará a compor outras formas, e integrar outros organismos.
Uma vez desencarnado o espírito, nenhum auxílio lhe prestarão os encarnados mandando rezar missas, encomendando orações etc. Pelo contrário, essas missas, essas orações, essas evocações, prejudicam o espírito desencarnado, porque o prendem atrativamente à atmosfera da Terra, quando ele necessita justamente abandonar o ambiente terráqueo e seguir para seu mundo próprio, seu mundo de estágio.
O espírito ao encarnar, conforme já o dissemos, vem de seu mundo próprio com seu corpo astral, imponderável aos sentidos físicos, constituído de fluidos da atmosfera desse mundo. Entretanto, no estado de encarnado, se não sabe viver racionalmente as duas vidas – a material e a espiritual – vai embrutecendo seu perispírito, seu corpo astral, vai tornando-o pesado, denso, pela introdução dos fluidos da atmosfera da Terra.
Assim sendo, ao abandonar o corpo físico com o corpo astral demasiado materializado, sente-se perturbado e continua a viver, no estado de espírito, na atmosfera da Terra, como se encarnado ainda estivesse. Portanto, todos os espíritos que se encontram na atmosfera da Terra são perturbados, isto é, não compreendem ainda a sua real situação, não têm consciência de que devem seguir para um outro mundo a que pertencem. Os conhecimentos que eles possuem são exatamente os mesmos adquiridos quando encarnados.
Toda essa camada atmosférica que envolve o planeta Terra, e em que perambulam os espíritos desencarnados perturbados, denomina-se astral inferior. Assim, quando dizemos espíritos do astral inferir, queremos nos referir aos espíritos que, ignorantes de sua própria trajetória evolutiva, estacionam e vagueiam na atmosfera da Terra.
Sendo a mediunidade intuitiva comum a todos os encarnados, os espíritos do astral inferior dela se servem para incutir no mental dos mesmos os mais disparatados propósitos. Resulta que muitos indivíduos apresentam manias de perseguição, alguns o hábito de ver as coisas sempre pelo lado negro, e, ainda outros, a tendência, já por si doentia, de se sentir atacados das mais variadas moléstias.
Podemos, mesmo, afirmar que a maioria dos suicídios, dos casos de loucura, das desavenças, das incompatibilidades, das malquerenças, dos distúrbios, das arruaças, dos conflitos, das agressões, das discussões, das desordens, das intrigas, das convulsões por paixão política, é provocada pela interferência das forças do astral inferior.
Embora existam espíritos bem intencionados no astral inferior, eles nada de útil podem proporcionar à humanidade, pois suas melhores intenções são neutralizadas pela ação direta dos fluidos próprios ao meio, produzindo males que variam de aspecto e de intensidade de acordo com o grau espiritual do desencarnado.
O primeiro dever do espírito, ao desencarnar, é ascender ao mundo próprio, diretamente, sem estagiar na atmosfera da Terra. O espírito que, quando encarnado, soube respeitar as qualidades espirituais inatas, soube dar à vida material apenas o valor que ela tem, soube reconhecer no trabalho uma das razões de viver e soube vibrar em harmonia com a Consciência Universal, esse espírito, ao desencarnar, sente a ação atrativa das Forças Superiores e translada-se imediatamente, para o mundo próprio à sua classe, sem estagiar, por um só instante, no astral inferior.
O espírito, no mundo próprio à sua classe, não pode evoluir, pois todos os espíritos que se encontram numa mesma classe possuem o mesmo grau de evolução, não havendo, conseqüentemente, transmissão de saber de uns para outros. Lá, no seu mundo de estágio, tem conhecimento de tudo quanto se passou com respeito às suas encarnações, pois, desde a sua origem grava, pela ação vibratória do pensamento, em matéria fluídica, todas as ocorrências verificadas na sua existência.
Os espíritos até o décimo-sétimo grau de evolução fazem o seu progresso espiritual reencarnando. Desse grau para cima a evolução se processa no Espaço, o qual tem a denominação de Astral Superior.
Um dos deveres dos espíritos do Astral Superior é o de concorrer para a evolução dos encarnados nos planetas escolas.
Os espíritos do Astral Superior não podem alcançar a Terra sem que nela sejam estabelecidos pólos de atração, suficientemente fortes, para esse expresso fim. Esses pólos são estabelecidos com o concurso de espíritos dos mundos opacos, isto é, espíritos da 6a à 11a classe, que trabalham a serviço das Forças Superiores. Estes espíritos deveriam fazer a sua evolução encarnando no planeta, mas, tendo perdido várias encarnações sem progresso, decidiram processar a sua evolução no Espaço a serviço das Forças Superiores. Por este processo o curso da evolução é muitíssimo mais lento, mas tem a vantagem de não haver risco de perda de tempo, afogando-se, como acontece a milhões de encarnados, em paixões mundanas.
Os espíritos dos mundos opacos dispõem de corpos astrais de matéria fluídica mais ou menos densa com os quais podem se locomover na superfície do planeta. Estes espíritos, rigorosamente disciplinados pelas Forças Superiores, conseguem desenvolver valioso trabalho, com que habilitam aquelas Forças a desempenhar seus elevados misteres, nos trabalhos de alto valor espiritualista.
Nenhum espírito encarna partindo do astral inferior, isto é, da atmosfera da Terra.
O espírito só encarna partindo do seu mundo próprio, após ter examinado os atos de sua última encarnação e de ter feito os planos necessários para avançar sempre e sempre pela estrada evolutiva que o conduzirá à Inteligência Absoluta.
Neste capítulo foi exposta, simples e condensadamente, a Doutrina Racionalista Cristã, consolidação dos princípios explanados por Cristo.
A preocupação nossa foi falar com clareza, fugindo de divagações transcendentes, de modo a que o leitor, num relance, pela leitura de um simples capítulo de um pequeno livro, pudesse vislumbrar a Verdade, pudesse se compreender a si próprio.

4. Força e Matéria

“Muitas tentativas têm sido feitas, no setor das ciências filosóficas, sem resultados satisfatórios, por inúmeros intelectuais, para apreender e explicar à humanidade o que sejam Força e Matéria, na sua concepção genérica.
            Força e Matéria, no entanto, constituem, hoje, um tema de simples análise, desde que desdobrado, sem graves reflexões teóricas, na seqüência dos princípios racionais. Deste modo ficou o tema ajustado aos moldes de uma invulgar simplicidade, acessível ao raciocínio comum. Vale dizer que os princípios racionais são espiritualistas, e que, somente no campo da espiritualidade encontram solução os problemas do Espírito. A definição de Força e Matéria acha-se, pois, dentro da lógica dos fenômenos psíquicos, divulgados pelo Astral Superior.
            Todos os acontecimentos da vida estão indissoluvelmente ligados à ação da Força sobre a Matéria, e, por isso, nenhuma compreensão clara pode ser obtida dos fenômenos que convidam à investigação, sem que, primeiramente, adquira o ser esse conhecimento básico, fundamental, elementar embora, da composição do Universo.
            Daí a importância do assunto e a necessidade de ser ele colocado em posição de elevada evidência no terreno das cogitações da vida terrena, uma vez que, sem pleno conhecimento do que seja a criatura humana como Força e Matéria, de nada valem as divagações filosóficas, no sentido de conduzir o indivíduo pelas normas rígidas de uma conduta exemplar.
            Quanto mais nítida e real for a compreensão do ser no que diz respeito à ação do espírito sobre o corpo físico, ou generalizando mais, da Força sobre a Matéria, mais depressa a clarividência do sentido espiritual lhe revelará as funções vitais da natureza universal.
            Força e Matéria são duas expressões que centralizam em si a ciência que confere o conhecimento de toda a verdade. Os princípios que esta obra reúne apenas encerram a parcela de ensinamentos contidos naquela Verdade, que estão ao alcance da compreensão humana, desde que haja por parte do indivíduo o interesse pelo estudo e pela observação, sem o caráter irredutível de subordinação aos processos empíricos de falsas proposições.
            O ser encarnado tem obrigações intransferíveis a satisfazer, e, por isso, necessita de apurar os seus conhecimentos sobre a vida, para não estar incorrendo, constantemente, no erro, em detrimento próprio e da coletividade.
            – E que é a vida se não a ação permanente da Força sobre a Matéria?”
            A Matéria não possui atributos; estes pertencem à Força e se exteriorizam nas manifestações do espírito e na substanciação dos três reinos da natureza; os atributos que se evidenciam nos seres encarnados constituem, apenas, um reduzido número daqueles que podem revelar espíritos mais esclarecidos que, em decorrência do seu mais alto grau de evolução, não estagiam mais por este planeta inferior.
            “A Força mantém o Universo regido sob leis naturais e imutáveis; são naturais porque decorrem de uma seqüência lógica no processo da evolução, e são imutáveis porque são absolutas, e neste sentido não há lugar para o imprevisto, para o acaso ou para a dúvida; impera, só e sempre, a exatidão, a certeza, a perfeição.
            Dentro deste regime deve o ser humano compreender que está a sua atuação, está a sua responsabilidade e está o seu dever.
            Como partícula da Força que é, não pode contrariar o que determinam as leis naturais, ou alterar o que nelas está estabelecido, sem sofrer as conseqüências dos seus atos, os quais repercutem, diretamente, na marcha da sua evolução, retardando-a.
            Assim, sem este conhecimento inicial do modo pelo qual se desenvolve a partícula da Força, no ritmo da sua evolução, e sem saber dar à Matéria o valor relativo que ela possui, não pode conduzir-se a criatura com o aproveitamento que lhe está determinado, disso resultando ter de submeter-se, em coordenação com aquelas leis, pela sua livre vontade e em duras experiências, a uma multiplicidade de reencarnações, que, de outro modo, seriam grandemente reduzidas.
            Procurar conhecer a verdade sobre si mesmo é um dever que assiste a todo o indivíduo, e os melhores esforços que forem empregados para atingir esse objetivo, não deverão ser poupados, nunca serão demais e nem serão perdidos.
            A Força e a Matéria são os dois únicos princípios fundamentais de que se compõe o Universo. A Força é o agente ativo, inteligente, transformador; a Matéria é o elemento passivo, inerte, plasmável. Ambos, na sua forma original, indivisível, fundamental, imponderável, penetram todos os corpos, estendendo-se pelo espaço Infinito Universal.
            A Força age, dispondo dessa inteligência absoluta, que também a define, e utiliza-se da Matéria, naquele seu estado primário, como condição ou meio para a sua evolução, a qual não pode ser contida, em obediência a leis imutáveis, que escapam à apreciação comum, com os limitados recursos que tocam ao planeta Terra
            No Universo nada há de novo. Nele, nada se perde. Tudo está criado. Há, só transformações da Matéria e evolução da Força. Transforma-se a Matéria em matéria organizada básica, pela ação da Força, e por esta mesma ação formam-se os inumeráveis corpos compostos, em combinações incontáveis das partículas da matéria organizada. Composição e decomposição, agregação e desagregação dos corpos, são os resultados da ação mecânica da vida.
            A ciência química, nas suas constantes investigações, classificou perto de uma centena de elementos básicos da matéria organizada, e deu à partícula fundamental infinitésima desses elementos o nome de átomo. Os átomos são combinados entre si, cientificamente, para formar as moléculas, que são, por sua vez, as partículas infinitésimas dos corpos compostos. Tanto os átomos como as moléculas mantêm-se agregados uns aos outros enquanto a Força exercer sobre eles a sua ação coesiva, e se desagregam quando essa ação deixar de atuar.
            A matéria organizada, representada por um simples átomo que seja, contém um potencial de força de extraordinário poder, e cada um desses núcleos de alta condensação de força mantém-se em perfeito equilíbrio com os demais, na composição do Todo, em completa uniformidade, cada qual dentro da sua classe, sem nenhuma alteração na sua constituição específica, justamente porque o que as leis têm estabelecido não pode sofrer alterações e não há imprevistos para a Sabedoria que é Una, Integral, Total.
            A Força, utilizando-se da Matéria, começa a sua evolução nas subdivisões do átomo, onde se encontram as primeiras partículas de força concentrada. Passa, depois, na composição das moléculas, a uma nova ordem de aplicação construtiva.
            Em todo o constante agregar e desagregar dos corpos a intensidade da força nesses núcleos infinitésimos vai aumentando; as vibrações da vida vão se acentuando, o grau de inteligência vai progredindo, até que, depois de terem, tais núcleos de forca, feito o ciclo, primeiramente pelo reino mineral,, em seguida, pelo vegetal e depois pelo animal, ficam em condições de se constituírem em microrganismos de ínfima espécie.
            Desses microrganismos, partindo da espécie ínfima, faz a partícula de força a sua evolução através de outras espécies e de outros organismos, de maior desenvolvimento no tocante à ação, atingindo sempre formas mais elevadas.
            A Força Inteligente que, na molécula e suas subdivisões, se apresenta, apenas, pela sua expressão vibratória, ou de movimento interno, intranuclear, já nos microrganismos, além daquela vibração, revela a ação de movimento exterior, a locomoção. Em organismos mais desenvolvidos, além dessas primeiras exteriorizações, demonstra o afloramento da inteligência.
            Assim, de mudança em mudança, de um corpo para outro, imediatamente superior, vai evoluindo a partícula da Força, até atingir o grau de espírito, estado em que fica em condições de encarnar em corpo humano, porque a inteligência nesse grau de intensidade está apta para raciocinar e assumir com a responsabilidade de exercer a faculdade do livre-arbítrio.
            Como espírito encarna inumeráveis vezes, adquirindo sempre mais inteligência, mais luz, mais experiência, mais conhecimentos, mais clara concepção da vida e maior capacidade de raciocínio.
            O espírito inicia a sua trajetória, no planeta, em condições próprias ao seu estado de adiantamento, e em cada reencarnação passa a viver em meio que favoreça o seu progresso, até que o ambiente que lhe tenha de servir para continuar a sua evolução, não seja mais o deste mundo.” [14]
            O globo terrestre é uma esfera de matéria organizada, impregnada de forças que atuam diretamente sobre os átomos, constituindo-os, unindo-os e mantendo-os em equilíbrio, na sistemática de uma complexidade de movimentos.
            O átomo está em vibração constante pela ação da força no seu interior; liga-se a outro átomo pela força de coesão, na composição da molécula; as moléculas, por sua vez, estão ligadas entre si, também, pela ação de uma força de coesão; de um pólo a outro da Terra passam linhas de força denunciadas pelas bússolas; a força de gravidade exerce a sua ação sobre cada átomo, atraindo-o para um centro no interior do globo; há forças que atuam nos átomos para conduzir a esfera terrestre em todos os seus movimentos.
            O diagrama que se segue dará uma idéia geral, porém rudimentar, de como Força e Matéria se acham associadas no planeta, para a constituição dos reinos da natureza.
            Vê-se, pois, que, no reino mineral, é a força o atributo fundamental predominante; no reino vegetal, predominam a força e a vida, e, finalmente, no reino animal, além destes últimos dois atributos, predomina, também, a inteligência.
            Não quer isto dizer que não haja vida no reino mineral, nem inteligência no reino vegetal, mas que, apenas, para simplificar a compreensão de um assunto da mais transcendente apuração científica, vale dizer que nesses reinos predominam os atributos fundamentais apontados.

Diagrama demonstrativo da ação da Força (universal) sobre a Matéria (universal), na criação e animação de todos os corpos, destacando-se, em cada caso, os seus atributos fundamentais predominantes, nos três reinos da natureza.


5. Vibrações




[1] Refiro-me às cerimônias realizadas na Biblioteca Luiz de Mattos, na Escola Itália, e Centro Cívico Maria Cottas, na Escola Lavínia Escragnolle Dória.
[2] A. Mayer
[3] Força e Matéria - Luiz Büchner.
[4] Traité de Psychologie - Valentin.
[5] Esta obra foi escrita em 1947. Neste parágrafo respeitou-se o texto do seu autor. Tendo em vista as modificações científicas que se têm operado, deliberou-se transcrever a informação colhida pelo Professor Lázaro Moreira Cezar a respeito do mesmo assunto: "Atualmente, além do próton, do nêutron e do elétron, são conhecidas dezenas de outras partículas elementares como, por exemplo, os fótons, os neutrinos, os antineutrinos, os pósitrons que têm a mesma massa, mas carga oposta à do elétron e os múons cuja massa de repouso é 207 vezes maior que a do elétron."

[6] Teorias Físico-Matemáticas - Ignacio Puig S. J.
[7] Análise das Coisas - Paul Gibier
[8] O Corpo Humano, Fritz Kahn.
[9] Análise das Coisas - Paul Gibier
[10] Análise das Coisas, Paul Gibier.
[11] O Homem, Esse Desconhecido, Aléxis Carrel
[12] O Homem, Esse Desconhecido, Alexis Carrel.
[13] Análise das Coisas, Paul Gibier
[14] Capítulo II, do livro “Racionalismo Cristão”
Os cientistas são unânimes em afirmar a ação vibratória nos fenômenos físicos e químicos.
Suponhamos que, sobre uma superfície líquida em repouso, um lago por exemplo, se deixe cair um objeto de um determinado peso P. O objeto, ao penetrar na água, comprime-a para os lados, produzindo uma elevação em torno do ponto do choque (Fig. 9).

Esta elevação circular se desfaz para fora do ponto do choque, tendendo a ocupar sua primitiva posição horizontal de repouso. Entretanto, a água que está descendo não pára instantaneamente na posição horizontal: ela se afunda um pouco, produzindo outras elevações nas partículas de água da vizinhança externa. Estas últimas elevações, ao se desfazerem, produzem outras, e assim por diante, de modo que, a partir do ponto em que o objeto se chocou com a água, forma-se um movimento ondulatório, isto é, vibratório, em todas as direções (Figs. 10 e 11).

Suponhamos que, a certa distância do ponto de queda do objeto, houvesse um obstáculo à passagem do movimento ondulatório da água (Fig. 12).

Neste obstáculo a água ondulante produziria um choque. Vimos, portanto, que a água serviu de veículo para o transporte de alguma energia do ponto de queda do objeto até o obstáculo. Entretanto, a água não se consumiu: ela serviu apenas de suporte da energia que transitou por intermédio do movimento vibratório.
Suponhamos, agora, que amarremos, em uma argola fixa, a extremidade de uma corda; que a estiquemos pela outra extremidade, e que, utilizando a nossa força muscular, a movimentemos bruscamente. Produzir-se-á um movimento vibratório na corda, conduzindo a energia muscular que foi posta em ação. O movimento vibratório, ao chegar à argola, pára bruscamente, transmitindo a esta última a energia de que é portadora (Fig. 13).
E se a argola não estiver suficientemente fixada, será arrancada fora.

O som é transmitido, igualmente, por movimentos vibratórios do ar.
O som ao ser produzido, choca-se com as camadas de ar vizinhas, produzindo ondulações análogas às que estudamos anteriormente. Estas vibrações, ao se chocarem com nossos ouvidos, nos dão a sensação do som.
Se pusermos um despertador tocando dentro de um recipiente fechado, ouviremos o ruído. Entretanto, se extrairmos o ar de dentro deste recipiente, não mais ouviremos o som, porque não mais haverá o veículo portador da energia.
A Ciência nos afirma que a luz e o calor se transmitem igualmente por meio de movimentos ondulatórios.
Entretanto, a Física prova que a luz e o calor se transmitem no vácuo.
– Qual é então o meio portador das vibrações produzidas pela luz e pelo calor?
Admite-se que este meio seja o éter. Não há realmente prova de que o éter exista. Entretanto, essa sua existência é solicitada para a explicação de vários fenômenos, como, por exemplo, para servir de meio às vibrações luminosas, caloríficas e de rádio.
A distância entre dois pontos análogos de duas ondas sucessivas, por exemplo a distância entre os dois picos superiores, é o que se chama o comprimento da onda (Fig. 14).

­
O caminho percorrido por uma onda é denominado ciclo.
O número de ciclos por segundo denomina-se freqüência. Assim, se dizemos que uma determinada vibração tem a freqüência de mil ciclos, isto quer dizer que, em um segundo, as ondas se completam mil vezes.
A distância de um pico de onda ao plano de equilíbrio, denomina-se amplitude da onda.
Dissemos que os elétrons da parte externa do átomo giram em torno do núcleo. Entretanto, nem sempre os elétrons se encontram sob a mesma trajetória; eles podem girar sobre trajetórias concêntricas, cujo centro é o núcleo (Fig. 15).

Os elétrons tendem a saltar, atraídos por seu centro de força, das trajetórias eletrônicas mais externas para as internas, libertando, portanto, energia, que se manifesta sob a forma de uma modificação da tensão eletromagnética do éter na vizinhança do átomo. Esta modificação de tensão eletromagnética se propaga em forma de ondas, com a velocidade de 300.000 quilômetros por segundo, e é denominada onda do éter ou raio.
Os movimentos das ondas do éter se transmitem sempre com a velocidade de 300.000 quilômetros por segundo; o que varia é a freqüência das ondas, isto é, o comprimento da onda, assim como sua amplitude.
A ação de produzir onda, isto é, movimentos vibratórios, denomina-se irradiação.
De acordo com os comprimentos médios das ondas, são as seguintes as espécies de irradiações do éter que foram descobertas ou produzidas artificialmente:
a)                  Corrente elétrica alternada: 1.000 km.
b)                  Telegrafia sem fio: 1 a 20 km.
c)                  Ondas de radiotelefonia: 0,1 a 1 km.
d)                  Ondas curtas: 10 a 100 m.
e)                  Ondas ultracurtas: 1 a 10 m.
f)                   Ondas milimétricas: 1 mm.
g)                  Raios caloríficos: 0,01 mm,
h)                  Raios luminosos: 0,0006 mm.
i)                   Raios ultravioletas: 0,000.2 mm.
j)                   Raios X: 0,000.001 mm.
k)                  Raios da morte: 0,000.000.1 mm.
l)                   Raios gama: 0,000.000.000.1 mm.
m)                Raios cósmicos: 0,000.000.000.006 mm.
A ciência e a indústria já se utilizam largamente da produção de raios.
Expliquemos rapidamente a mais simples válvula: o diodo (Fig. 16).

Em uma extremidade de uma lâmpada é posto um filamento; na outra extremidade urna placa. Existem, pois, dois elementos: é uma válvula diodo. Suponhamos que consigamos retirar, por meio de uma bomba extratora, todo o ar do interior da válvula; portanto, fica apenas o éter envolvendo o filamento e a placa.
Em seguida, por meio de uma bateria, faz-se passar uma corrente elétrica pelo filamento, que o leva à incandescência. O aquecimento do filamento produz o desprendimento de elétrons. Se ligarmos externamente o filamento e a placa por intermédio de um fio que passe por um medidor M, notaremos uma pequena corrente passando por este medidor. Isto significa que os elétron libertos do filamento formaram raios e alcançaram a placa, produzindo uma corrente elétrica no circuito da placa.
O filamento denomina-se catodo; a corrente de elétrons do interior da válvula forma os raios catódicos.
A medicina, principalmente, utiliza em suas pesquisas os aparelhos de raios X ou raios Roentgen.
O princípio dos raios X é baseado nos raios catódicos: uma corrente elétrica incandesce um fio denominado catodo; os elétrons libertos formam os raios catódicos; o facho de raios catódicos é dirigido contra uma placa; como os elétrons vão animados de alta velocidade produzem, ao se chocarem com a placa, ondulações eletromagnéticas, chamadas raios X ou raios Roentgen (nome de seu descobridor).
A freqüência destas oscilações, destas vibrações, isto é, o número de ondas por segundo é de cerca de 300 milhões de trilhões. Como a velocidade de propagação de todas as ondas produzidas no éter, é de 300.000 quilômetros por segundo, basta dividirmos esta distância percorrida pelas ondas em um segundo, pelo número de ondas por segundo (freqüência) para termos o comprimento médio da onda (0,000.001 mm).
Comprimento de onda (Fig. 17):
g = (300.000 km/s)/F (Kcs) = 0,000.001 mm.

Como vimos, os raios luminosos têm para comprimento médio das ondas 0,000.6 mm.
Portanto, os raios X têm as ondas milhares de vezes mais curtas que as ondas luminosas. Assim sendo, podem atravessar as partes moles do corpo humano, só não conseguindo propagar-se pelas porções densas, tais como os ossos, coração e fígado. Colocando-se o corpo humano entre uma máquina produtora de raios X e uma chapa fotográfica, aparece apenas a imagem das partes do corpo humano que não são atravessadas pelos raios X.
Modernamente já há aparelhos radiológicos que trabalham com tensões superiores a um milhão de volts. Os raios X produzidos são de tão curto comprimento de onda que se assemelham aos raios gama. Estes raios matam à distância os seres vivos.
Está provado e demonstrado experimentalmente que os átomos do elemento radium, por meio de explosões, expulsam partículas de sua massa, emitindo ondas de curto comprimento, cerca de 0,000.000.000.1 mm. Estas ondas formam os raios gama, que chegam a ser 1.000 vezes mais longos que os raios cósmicos e 10.000 vezes mais curtos que as ondas luminosas sensíveis. Os raios gama, embora sejam 1.000 vezes mais longos que os raios cósmicos, são, contudo, extremamente penetrantes e, portanto, perigosos.
Os raios gama matam plantas, animais e mesmo os homens, pois fundem os tecidos humanos.
Os efeitos de uma pequena quantidade de radium podem ser observados a 1.000 metros de distância.
São os raios cósmicos que possuem as ondas mais curtas até hoje conhecidas. A ciência ainda não sabe determinar de que pontos do Universo são irradiados estes raios.
Para chegar à atmosfera da Terra, as ondas dos raios cósmicos viajam uma distância que a luz, com sua velocidade de 300.000 quilômetros por segundo, percorreria em dezenas de milhares de nos.
Sendo a matéria descontínua, como já o dissemos, os raios cósmicos, que são tão inimaginavelmente curtos, conseguem passar pelos intervalos existentes entre as partículas da matéria. Atravessam a matéria como se ela não existisse.
Ultimamente (1946) cientistas brasileiros solicitaram à Força Aérea Brasileira aviões que os levassem à sub-estratosfera para, munidos de aparelhos especiais, fazerem pesquisas sobre os raios cósmicos.
Dos raios descobertos, o homem só percebe os luminosos e os caloríficos.
Hoje o homem pode chegar a uma conclusão: tudo no mundo é composto de movimentos vibratórios.
Escreve Fritz Kahn, em seu livro O corpo humano: “Talvez nesse momento o Sol esteja por cima da casa. Ele que nos envia não só luz e calor, mas também, através das crateras que constituem as manchas solares, enxames de elétrons e raios de comprimento de onda análogos aos dos raios Roentgen, que incidem sobre o nosso teto, atravessam-no e vão agir sobre o nosso sistema nervoso. Mas pode ser também que seja noite. Não haverá então apenas a irradiação das estrelas ou o pálido reflexo da luz solar sobre o espelho da Lua, mas do espaço escuro, que nos parece inteiramente negro, incidem sobre nós, em cada segundo, trilhões de raios cósmicos, vindos de mundos situados a centenas de milhares de anos-luz de nós e que olho algum pode enxergar. Olhe-se agora para o chão: das profundezas da Terra raios gama ascendem para o nosso Sol e talvez mesmo, como pretendem os rabdomantas, os veios de água e metal das profundidades enviem para cima raios com influência sobre a saúde e doença dos homens e animais. Coloquemos, agora, a mão sobre o coração e sintamos-lhe as pulsações: a cada batimento uma corrente elétrica flui de suas fibras e se propaga, com a velocidade da luz, até a ponta dos dedos, pés e cabelos. O homem, com o coração a pulsar dentro do peito, é um gerador que faz uma oscilação por segundo! Passemos agora ao pomar e colhamos uma maçã: os frutos emitem raios, o leite também, enfim tudo quanto vive em torno de nós–  as folhas das árvores, as flores, os vermes do chão, os grãos de poeira no ar – tudo irradia. Tomemos agora do rádio e liguemos sucessivamente para os diversos pontos da escala, de forma a ouvir o concerto gigantesco de todas as emissões do mundo. Quer o rádio esteja ligado ou não, as ondas do éter propagam essas emissões para nossa casa, pelo nosso quarto, nosso crânio e nosso sangue ininterruptamente, dia e noite, nas horas de sono e de vigília: as notícias sobre as bolsas de Londres e Nova Iorque, os preços do trigo do Ohio, sinfonias de Mozart e previsões do tempo, propagandas políticas e as mensagens de navios e aeronaves. Ininterruptamente esse concerto monstro – fogo cruzado de ondas de éter vindas de todas as estações do mundo – penetra o nosso cérebro, dia e noite, mesmo no momento em que estamos a meditar sobre as maravilhas das irradiações deste nosso mundo. Um estalo do aparelho vem perturbar o nosso pensamento: é que no outro lado da rua o dentista pôs a funcionar o seu motor. E por sua vez penetram no nosso quarto as ondas de éter vindas do motor do dentista, do automóvel que passa, do elevador da casa vizinha, dos motores de corrente alternada, tudo isto envia raios através das casas, de nós, de nosso cérebro. Fossem visíveis todas essas ondas do éter e veríamos luzes brotarem subitamente de todos os lados e profundezas, das maiores distâncias à mais próxima vizinhança e teríamos que fechar os olhos ou protegê-los com a mão. Mas de nada nos serviria isso, pois também o interior do nosso corpo irradia, cérebro, sangue, músculos e glândulas, e cada célula é uma microscópica estação de rádio: não só o homem vive num mundo que irradia, como até ele próprio é um ser radiante! É essa talvez a maior descoberta da ciência moderna e dentro de 50 anos talvez estejam antiquados todos os livros até hoje escritos sobre a natureza, só porque os seus autores nada sabiam sobre os raios.”
Com a finalidade de explicar o que seja o circuito sintonizador de um rádio receptor, falemos rapidamente sobre o que seja uma bobina e um condensador.
Se enrolarmos um fio em torno de um tubo, uma espira ao lado da outra, teremos o que se chama uma bobina (Fig. 18).

Uma bobina é representada esquematicamente como o mostra a Fig. 19.

O valor elétrico de uma bobina é denominado indutância, cujo símbolo é L. A unidade para a medida da indutância é o henry (h). A indutância de uma bobina varia de acordo com o número de espiras da bobina, com o comprimento desta última, com o diâmetro do tubo em que os fios estão enrolados e com o material que está dentro do tubo.
Se pusermos duas chapas de metal uma em frente á outra, separadas por um isolante, teremos o que se chama um condensador. A matéria isolante denomina-se dielétrico. O símbolo do condensador a (Fig. 20)


O valor elétrico de um condensador é denominado capacitância, cujo símbolo é C. A unidade para a medida da capacitância é o farad (f). A capacitância de um condensador varia de acordo com a área que fica entre as placas, com o material do dielétrico e com a grossura deste último. Se variarmos um desses três fatores acima, automaticamente variaremos a capacitância do condensador.
O símbolo de um condensador cuja capacitância podemos fazer variar à vontade, isto é, o símbolo de um condensador variável, é (Fig. 21):

Suponhamos que carreguemos uma das placas de um condensador com carga negativa, isto é, suponhamos que coloquemos elétrons em uma das placas.
Em seguida liguemos, por meio de um fio, as duas placas (Fig. 22).

Imediatamente correm elétrons da placa 1 para a placa 2, para ser estabelecido o equilíbrio do condensador, isto é, surge uma corrente elétrica indo da placa 1 para a placa 2. Entretanto, na prática, correm elétrons em excesso, de modo que a placa 2 fica negativa, se bem que com uma carga menor que a anterior, da placa 1. Em seguida os elétrons tornam a correr para a placa 1, e assim sucessivamente, até que o equilíbrio se restabeleça, cessando a passagem de corrente elétrica pelo circuito. Cada vez que os elétrons saem de uma placa, vão à outra e regressam à primitiva, realiza-se um ciclo, isto é, completa-se uma onda. Se isto acontece mil vezes por segundo, por exemplo, dizemos que a freqüência desta corrente é de mil ciclos, ou um quilociclo.
Suponhamos agora que temos um circuito com uma bobina e um condensador carregado (Fig. 23).
A freqüência F de descarga em tal circuito é dada pelo produto da indutância (L) da bobina pela capacitância (C) do condensador.

F=L x C

Esta freqüência denomina-se freqüência natural do circuito.
Para modificar a freqüência natural deste circuito, basta, por exemplo, modificar a capacitância do condensador. Podemos usar, então, um condensador variável para modificarmos, querendo, a freqüência natural do circuito. Um circuito de tal ordem denomina-se circuito sintonizador (Fig. 24).

Se ligarmos este circuito a uma antena aérea, e se mandarmos a um par de fones a corrente elétrica obtida, só serão ouvidos os sinais que tenham sido transmitidos na mesma freqüência natural do circuito sintonizador (Fig. 25):

Se quisermos ouvir, por exemplo, uma estação de rádio que esteja transmitindo com a freqüência de 7.500 kcs (quilociclos, teremos de agir no condensador variável C, até que a freqüência natural do circuito sintonizador seja de 7.500 kcs. Quando isto acontece, dizemos que o nosso rádio receptor está em sintonia com o rádio transmissor: neste caso a estação transmissora é ouvida.
Concluindo: em tudo se manifesta vibração; em torno e através de nós passam, velozmente, vibrações de todas as espécies e naturezas; para poder captar as vibrações que são lançadas no ar por uma estação radioemissora, o receptor deve estar em sintonia com a mesma, isto é, a freqüência natural de seu circuito sintonizador deve ser igual à freqüência com que está transmitindo a estação radioemissora.

6. O homem como um aparelho receptor-transmissor de fluidos espirituais


Estudamos diversas formas de transmissão de energia por meio de vibrações.
Vimos como a energia de radiofrequência era lançada no ar e captada quando encontrava as necessárias condições de sintonia.
O homem, quando pensa, age analogamente a um aparelho rádio transmissor que lança vibrações de radiofreqüência no éter.
O pensamento é uma vibração do espírito.
Dissemos, no capítulo anterior, que vibrações inúmeras, das diversas formas de energia, viajam velozmente pelo espaço, e algumas com tão elevada freqüência, isto é, com tão curto comprimento de onda, que atravessam o nosso corpo sem que as sintamos, sem que as percebamos.
Podemos dizer, a título de comparação, que o homem, quando pensa, emite vibrações de freqüência espiritual, lançando no espaço as modulações do seu estado de espírito.
Inversamente, poderíamos dizer que o modo de pensar do homem age como um condensador variável que determina qual a freqüência natural espiritual em que se encontra. De acordo com esta freqüência natural espiritual, são captados os pensamentos que estejam em sintonia, pensamentos estes que cortam o espaço em todas as direções.
Antes de realizar qualquer ação, o homem a imagina, em pensamento, e transmite aos seus órgãos, aos seus músculos, as ordens, as instruções para a sua efetivação.
Em outras palavras, o pensamento precede toda a ação.
Portanto, ao criar em pensamento a ação que pretende realizar na prática, o homem põe seu espírito em uma freqüência natural espiritual de valor tal que atrai para si os pensamentos afins que cortam o espaço, isto é, os pensamentos que estejam em sintonia com o seu.
Daí a veracidade do adágio popular que diz: “conforme pensares assim serás”  ou “quem mal faz, para si o faz”.
Pensar mal é atrair e captar as correntes deletérias e avassaladoras existentes com tão forte densidade na atmosfera terrestre.
Estas correntes deletérias, pesadas, avassaladoras prejudicam o ser humano não só psiquicamente, porém, também, fisicamente. Se um maquinista não presta a devida e necessária assistência à sua máquina, evidentemente esta última, dentro de pouco tempo, passa a apresentar defeitos no seu funcionamento. Semelhantemente, se o espírito se deixa perturbar, não excita e não anima seu corpo carnal com o indispensável influxo. E como a matéria, por si só é inerte, se não tiver a animá-la o Princípio-Inteligente (o espírito), resulta, conseqüentemente, que o corpo se ressente das perturbações do espírito.
O ser deve, pois, procurar educar sua vontade de modo a poder ter domínio sobre seus pensamentos.
Pensamentos indecisos, medrosos, suplicantes, adoradores, são prenúncios da derrota do espírito, são caminho aberto ao fracasso e às desilusões.
Contrariamente, os pensamentos de audácia, decisão, desprendimento, valor, desprezo pelas envolventes e ambientes irradiações de ódio e inveja reinantes, são a bússola que indica o rumo a seguir para alcançar o sucesso nos empreendimentos e a tranqüilidade de consciência.
A vida é, essencialmente, um conjunto de lutas. Ela não é feita de uma seqüência de sucessos; existem também as derrotas, os revezes. Entretanto, os revezes devem ferir o amor próprio do homem, de modo a incentivá-lo a insistir, a perseverar, até vencer.
Conhecendo sua composição astral e física, tendo noção segura da existência da Inteligência Universal, e sabendo fazer seu pensamento romper a camada pesada e deletéria de fluidos materiais que envolvem a Terra, e elevar-se aos mundos superiores, o homem atrairá para si os fluidos leves e diáfanos destes mundos superiores, purificando, filtrando seu perispírito e tornando-se mais apto a raciocinar e a enfrentar as lutas cotidianas.
O homem deve disciplinar-se espiritualmente, pondo-se em contato, diariamente, com as Forças Superiores, refazendo-se para as lutas a que é obrigado a sustentar na Terra.
Conhecendo sua composição astral e física, deve procurar desligar seu pensamento dos seres e coisas materiais e eleva-lo às Forças Superiores para, recebendo destas os fluidos dos Mundos de Luz, limpar seu perispírito dos fluidos materiais deste planeta, e pôr seu espírito em condições de receber as instituições para o bem, para o trabalho e para a justiça.
Para facilitar a concentração, o homem repete, mentalmente ou em voz alta, palavras que indiquem que ele sabe o que está fazendo.
As palavras em si pouco importam. O que importa é que se compreenda o que elas significam. Não são preces, são apenas um modo de afastar o pensamento das coisas materiais e de enviar irradiações às Forças Superiores.
No Racionalismo Cristão as irradiações são iniciadas com as seguintes palavras:

“Ao Astral Superior!
Grande Foco! Força Criadora!
Nós sabemos que as leis que regem o Universo são naturais e imutáveis, e a elas tudo está sujeito!
Sabemos também que é pelo estudo, o raciocínio e o sofrimento, derivado da luta contra os maus hábitos e as imperfeições, que o espírito se esclarece e alcança maior evolução.
Certos do que nos cabe fazer, e pondo em ação o nosso livre-arbítrio para o bem, irradiamos pensamentos aos espíritos superiores, para que eles nos envolvam na sua luz e fluidos, fortificando-nos para o cumprimento dos nossos deveres”.

Em seguida são repetidas, continuamente, durante uns cinco minutos, as seguintes palavras:

“Grande Foco! Vida do Universo!
Aqui estamos a irradiar pensamentos às Forças Superiores para que a luz se faça em nosso espírito e ele tenha a consciência dos seus erros a fim de repará-los e evitar o mal.”

7. O pensamento


Inúmeras são as obras e os artigos que estudam o pensamento, analisando seus efeitos e procurando desenvolver nos homens a convicção de que, por seu intermédio, estarão em condições de realizar seus sonhos e desejos.
A força do pensamento, Poder da vontade, Vencer pelo pensamento, eis alguns dos títulos dos livros que, diversos bem salutares e encorajadores, incutem nas mentes dos que os lêem novas esperanças de sucesso e felicidade pela energia e confiança com que souberem dirigir seus pensamentos.
Entretanto, se esses livros se dedicam tão exaustivamente à elogiável tarefa de sacudir os indivíduos do letargo em que vivem e de lhes indicar um caminho seguro para o sucesso nas lutas diárias a que as contingências terrenas os obrigam, por outro lado, na maior parte das vezes, não se detêm no estudo do pensamento, ele próprio, da realidade de sua existência palpável, da sua ação irradiativa e dos fenômenos físicos e psíquicos a que está subordinado.
Esse estudo, essa discussão, essa análise das funções que envolvem os fenômenos físicos e psíquicos constituintes do pensamento é assunto para obras volumosas.
Na realidade nós, os humanos seres, não poderemos chegar a um resultado exato e definitivo sobre esta complexidade de fenômenos que se relacionam com o pensamento, pois o seu estudo abandona o terreno físico e avança ousadamente pelo plano astral, região essa que devemos penetrar com precaução e as devidas restrições.
Entretanto a Ciência caminha a um ritmo acelerado, dentro da relatividade das cousas terrenas, e as últimas teorias e hipóteses sobre a natureza da matéria, sobre a sua desagregação, exigem, paralelamente, a atenção dos sábios quanto aos fenômenos do plano astral. Sim, porque, evidentemente, há um elemento inteligente que rege e mantém em equilíbrio, todas essas leis que dirigem não somente o conhecimento da Ciência atual, como também tudo aquilo que essa mesma Ciência desconhece. E se os cientistas se eximirem de vaidade, hão de concluir, ante as maravilhas que têm descoberto ou antevisto, que os conhecimentos de existência real possuídos são realmente desprezíveis confrontados com a complexidade e amplitude daquilo que se não conhece, vislumbra ou antevê.
O penetrar pelo plano astral já nos deu o conhecimento de que no Universo tudo se resume basicamente nos princípios Força e Matéria. Quando dizemos Força não nos referimos à força tal como é estudada na Física, representando um produto de uma massa por uma aceleração. Força, para nós, é a Inteligência Universal, é o princípio animador da Matéria.
Dentro desses princípios naturais e imutáveis, deve o homem estudar-se.
No momento em que a criança nasce e dá o primeiro choro, encontra-se constituída dos três seguintes corpos:

a)     corpo mental (Força);
b)     corpo astral ou perispírito (Matéria fluídica);
c)     corpo carnal (Matéria organizada composta).

Portanto, o ser encarnado possui em si dois princípios básicos componentes do Universo: Força e Matéria. Conseqüentemente deve saber viver, distintamente, as duas variações da Vida, a material e a espiritual.
O corpo mental é o agente vivo e inteligente que governa os outros dois corpos.
O corpo astral ou perispírito é o intermediário entre o corpo mental e o corpo carnal. Ele se liga ao corpo mental, partícula por partícula, por intermédio da vibração inteligente, que é contínua e ininterrupta.
O corpo carnal, esse corpo tão estudado pela Ciência Médica, apenas serve para fornecer ao espírito a oportunidade de travar as lutas, realizar os trabalhos, combater os defeitos, desenvolver as boas qualidades a que se dispôs antes de encarnar.
O Espírito (Força) ao encarnar vem do mundo a que pertence, mundo esse que se encontra deslocando, no espaço infinito, como deslocando-se está o planeta Terra, que é um planeta-escola.
Traz o Espírito, de seu mundo próprio, o seu corpo astral, imponderável aos sentidos físicos, constituídos de fluidos da atmosfera daquele mundo. Entretanto, no estado de encarnado, se não sabe viver racionalmente as duas vidas – a material e a espiritual – vai embrutecendo seu perispírito, seu corpo astral, vai tornando-o pesado, denso, pela introdução de fluidos da atmosfera da Terra.
Normalmente, pois, no corpo astral do homem, existem os fluidos que ele trouxe do seu mundo próprio e os fluidos absorvidos da atmosfera do planeta Terra.
Todos os fenômenos físicos se realizam por intermédio de vibrações, sonoras, caloríficas, luminosas etc.
Igualmente a Força (Espírito) produz suas manifestações por meio de vibrações. O pensamento, pois, que é uma manifestação da Força, dá origem a uma série de vibrações.
Ora, dissemos anteriormente que o corpo astral se liga ao corpo mental (Força) partícula por partícula, por intermédio da vibração inteligente, que é contínua e ininterrupta.
Portanto, conclui-se que as vibrações produzidas pelo pensamento atuam imediatamente na matéria fluídica do corpo intermediário.
Sob o impulso dessas vibrações o corpo astral lança para o exterior, para o espaço, uma porção vibrante de si próprio, vibração essa que toma uma forma determinada, conforme a natureza das referidas vibrações.
Assim sendo, o pensamento adquire uma forma definida e real, isto é, que não tem apenas existência virtual, e que existe como o livro que lemos existe, com a única diferença de que o livro tem uma densidade material capaz de torná-lo sensível aos sentidos físicos normais, enquanto que a imagem do pensamento é constituída de matéria fluídica.
Para fixar idéias, podemos avançar ainda e dizer que o pensamento é susceptível de ser fotografado e que experimentadores já obtiveram tais fotografias.
Resta, ainda dizer que, conforme a qualidade, natureza e precisão das vibrações produtoras das imagens do pensamento, são lançados no espaço ou fluidos do mundo próprio do espírito, ou fluidos da atmosfera da Terra que estavam impregnados no corpo astral, ou, finalmente, uma mescla de todos esses fluidos
A qualidade das vibrações define a cor das imagens do pensamento; a natureza determina sua forma, e a precisão delineia mais ou menos firmemente os contornos.
Há estudos e classificações quanto à cor, à forma e à precisão de contornos fornecidos pelos pensamentos.
Para finalizar este estudo ligeiro, afirmamos que pensamentos indecisos, medrosos, suplicantes, adoradores, são prenúncios da derrota do espírito, são caminho aberto ao fracasso e às desilusões.
Contrariamente, os pensamentos de audácia, desprendimento, valor, desprezo pelas envolventes e ambientes irradiações de ódio e inveja reinantes são a bússola que indica o rumo a seguir para alcançar o sucesso nos empreendimentos e a tranqüilidade de consciência.
(Publicado no jornal A Razão em 8-12-48)

8. A ação dos espíritos


Em geral se admite, pelo menos por se ouvir dizer, que os médiuns são os intermediários entre os espíritos e os encarnados, isto é: que os espíritos se comunicam com os homens utilizando-se de médiuns.
Vulgarmente se pensa que a mediunidade é um privilégio de determinadas pessoas.
Entretanto, a mediunidade é uma condição inata no espírito de cada ser.
Evidentemente são várias as modalidades de apresentação dos fenômenos de mediunidade, de acordo com o estado de evolução de cada espírito.
Em princípio podemos afirmar que todo o ser encarnado dispõe, pelo menos, da mediunidade intuitiva, em um grau correspondente ao seu adiantamento espiritual.
Pensar com elevação e com altruísmo é predispor o espírito para a recepção das vibrações de progresso emanadas das Forças Superiores.
Contrariamente, os pensamentos de fraqueza, inveja, ódio, maldade sintonizam o espírito para as intuições obsessoras dos espíritos do astral inferior.
A mediunidade, quando mal orientada, quando mal utilizada, expõe o ser a sérios perigos.
Muitos loucos são médiuns desenvolvidos que se obsedaram por desconhecerem as suas faculdades mediúnicas.
Geralmente só se dá a um indivíduo a denominação de médium quando ele possui a faculdade da mediunidade de incorporação, isto é, aquela mediunidade em que o espírito desencarnado aparentemente se apossa do corpo do ser encarnado.
A sensibilidade e o sistema nervoso dos possuidores de mediunidade de incorporação chegam a tal ponto que basta a ação atrativa do pensamento para que, imediatamente, sejam atuados pelos espíritos do astral inferior.
Os médiuns ignorantes, que se concentram e se deixam atuar pelos espíritos do astral inferior, isto é, da atmosfera do planeta Terra, terminam por se tornar escravos dessas forças inferiores.

*   *   *

O leitor já ouviu dizer, talvez, que se pode adaptar a um rádio uma vitrola. Neste caso o circuito sintonizador do rádio deixa de captar as ondas de rádio-freqüência transmitidas por estações emissoras, isto é, o equipamento perde a sua característica de captar as transmissões feitas à distância. Em outras palavras, deixa-se, por exemplo, de ouvir a música que uma estação de broadcasting esteja transmitindo. Passa-se, então, a ouvir a música proveniente de um disco.
Como é isto conseguido? De uma maneira muito simples. Por meio de um interruptor separa-se a parte do rádio correspondente à amplificação de áudio-freqüência e liga-se esta parte a um cristal que, por intermédio da agulha da vitrola, está em contato com o disco. As vibrações enviadas pela agulha, ao correr pelo disco, produzem voltagens alternadas no cristal. Estas voltagens alternadas, indo ao amplificador de áudio-freqüência acima referido, produzem, no alto-falante, música gravada no disco.
Portanto, o equipamento deixa de trabalhar como rádio para, cedendo uma parte do seu circuito, o amplificador de áudio-freqüência e o alto-falante, transmitir as músicas gravadas nos discos postos na vitrola.
Um tal equipamento chama-se eletrola.

*   *   *

Para efeito de exposição, podemos fazer analogia entre um médium e uma eletrola.
– Como agem os espíritos sobre os médiuns para externarem seus desejos e opiniões? Utilizam-se de alguns órgãos dos médiuns, da mesma maneira que alguns órgãos do aparelho rádio-receptor são utilizados para tornar audíveis as vibrações contidas no disco posto na vitrola.
Entretanto, na eletrola, é indispensável ser feita uma ligação entre o disco da vitrola e o alto-falante. Há uma chave que, quando voltada para a posição vitrola, produz a ligação acima referida. Sem que ela seja efetivada, não é possível ouvir-se a música do disco.
Da mesma maneira, para que um espírito possa externar fisicamente seus desejos e opiniões, é necessário que o médium se ponha em condições determinadas tais que permitam ao espírito utilizar os órgãos necessários de seu corpo físico.
Dissemos haver, na eletrola, uma chave por intermédio da qual é feita a ligação entre o disco e o alto-falante.
– Qual é a chave que permite ao espírito utilizar-se do médium?
– A vontade do médium.
Sem que este o permita, nenhum espírito pode nele atuar.
Portanto, uma vontade fraca, mal educada, que permita a religação do ser com os espíritos do astral inferior, produzir-lhe-á, fatalmente, a obsessão em algum dos seus diversos graus.
A obsessão encontra-se desenvolvida pela humanidade numa extensão realmente extraordinária.
A obsessão não se apresenta somente nos casos chamados comumente de loucura, de distúrbios mentais. São formas também de obsessão as manias, os pavores, as esquisitices, as fobias, os cacoetes, as excentricidades, os exotismos, as extravagâncias, as paixões, os vícios, os fanatismos, as indolências, as covardias e todos os excessos, como os sexuais, os de comer, os de rir, os de chorar etc.
A obsessão não somente perturba o espírito da criatura, mas lhe produz, também, distúrbios no organismo físico que podem ser maiores ou menores conforme o grau da obsessão e da natureza malévola dos espíritos obsessores que estiverem atuando.
As pessoas mais sujeitas à obsessão são as que possuem desenvolvidas as faculdades rnediúnicas. Por isso mesmo estas pessoas devem ter um viver racional e disciplinado, evitando deixar-se atuar pelos espíritos inferiores.

Conclusão


Meditando friamente, sem deixar seu raciocínio influenciar-se pelos dogmas religiosos ou preconceitos sociais em vigor, o leitor deve ter chegado à conclusão de que o Racionalismo Cristão é o caminho certo e sem tortuosidades que o conduzirá ao conhecimento de si próprio, de sua razão de existir no planeta Terra, da evolução contínua de sua personalidade rumo à Suprema Inteligência, ao Grande Foco.
Embora afirmando a existência do espírito, o Racionalismo Cristão nada tem a ver com o baixo espiritismo, que é tão largamente praticado em todo mundo.
O Racionalismo Cristão pratica o espiritismo cientificamente, com disciplina rigorosa e com a finalidade de limpeza astral da atmosfera terrestre, a fim de que a humanidade, num ambiente mais leve, menos perturbado, possa mais facilmente cumprir os deveres necessários à sua evolução.
Sem a obediência à disciplina indispensável aos trabalhos, o Racionalismo Cristão proíbe intransigentemente a prática do espiritismo, por ser prejudicial e perigosa ao progresso do indivíduo.
O ser que desencarna sem o exato conhecimento de si mesmo como Força e Matéria, paira na atmosfera da Terra, tornando-se um elemento do astral inferior.
Entretanto, o ser esclarecido na sua composição astral e física e que soube pautar sua existência, na vida terrena, dentro de normas sãs de trabalho e honradez, este, ao desencarnar, sabe operar o seu desligamento do ambiente da Terra e alçar-se ao seu mundo próprio.
O Racionalismo Cristão não é uma nova religião e nem combate as religiões existentes.
O Racionalismo Cristão deseja, sobretudo, libertar a criatura dessa tremenda tendência adoratória que lhe cerceia o raciocínio, lançando-a numa confusão tal que contempla, com terror e misticismo o problema que lhe surge como terrível e insolúvel – A vida fora da matéria.





Homenagem póstuma


Asas partidas

Othon Ewaldo

Nascido no então Distrito Federal, em 9 de maio de 1918, Felino Alves de Jesus, era, nessa época, um rapazinho alto e espigado, moreno e circunspecto demais para a sua idade. E, não raro, mesmo nos momentos destinados ao recreio, era visto agarrado aos livros, longe do bulício dos folguedos dos colegas na Escola Pública Bahia, em Jacarepaguá.
Filho de pais providos de poucos recursos, bem sabiam suas professoras do sacrifício que eles faziam para custear os estudos daquele aluno brioso e inteligente, cuja dedicação pelos livros e ótimo procedimento lhes despertava tanta simpatia.
E ao terminar o curso primário, o jovem estudante revelava à sua professora, D. Olímpia Borges, o ideal que acalentava: ser um dia oficial da marinha.
Predispôs-se a educadora a orientá-lo em seus estudos, em tamanha conta tinha não só a inteligência do seu dileto discente, mas também a força de vontade e dedicação aos estudos, tão cedo por ele revelados.
Iniciado o curso secundário no antigo Ginásio 28 de Setembro, em Riachuelo, novos e maiores tributos eram agora impostos aos Pais e Professora, que gostosamente os suportavam ao verificar os progressos que o jovem estudante apresentava.
Transferido para o Colégio Pedro II, onde terminou o ciclo secundário, Felino Alves de Jesus concluía, em 23 de abril de 1934, a primeira etapa exigida pelos cursos a que se propusera seu espírito sequioso de conhecimentos: matriculava-se no Curso Prévio da Escola Naval.
Passados os primeiros tempos, à proporção que o seu espírito se impregnava dos segredos da astronomia e da matemática, inclinava-se também para os aspectos e fenômenos entre este mundo e o invisível.
Datam dessa época suas primeiras indagações sobre as relações entre o espírito e a matéria, dirigidas a conhecida instituição espiritualista desta capital, à qual, posteriormente, se filiou.
Fascinavam-no o estudo e a meditação sobre os assuntos transcendentes, em geral menosprezados pelos de sua idade.
Quantas vezes, em viagens de instrução, quedava-se, à noite, sondando o firmamento que crepitava de luzes, que o faziam entrever os mistérios insondáveis do infinito ignoto! ...
– Que haveria no espaço infinito, lá em cima, que se lhe afigurava tão alto, a ele que tinha os pés num convés de navio que singrava as águas revoltas do oceano, também insondável?
– Viveria, então, a criatura humana entre duas amplitudes – céu e mar – qual mísero grão de areia, impelido por forças desconhecidas, que seu espírito curioso e ávido de conhecimentos pressentia povoarem aquele infinito todo, impregnado de movimento e vibrações?
O tempo avançava e, terminado o curso e recebidas as platinas de oficial de marinha em 30 de dezembro de 1939, continuava o Tenente Felino seus estudos no ambiente naval, quando a aviação brasileira entrou numa fase de grande progresso.
Ao espírito investigador e desejoso de evoluir do Tenente Felino afigurou-se excepcional a oportunidade de poder prosseguir em seus estudos, sob o aspecto que, agora, mais o seduzia.
Transferiu-se, assim, a 10 de maio de 1941, para a Escola de Aeronáutica dos Afonsos, como oficial-aluno, matriculado no curso de piloto-aviador.
Era a segunda etapa de sua vida de estudos que se iniciava.
Agora, sim, poderia voar, subir bem alto, e, perdido entre as nuvens, envolvido pelo silêncio das regiões siderais, meditar sobre a grandeza do que nos cerca, a ele que continuava a sentir-se pequenino grão de areia manobrando embora um pássaro de aço!
Então, mais se agigantava em suas convicções a idéia de que não era somente a matéria – o cérebro apertado em seu capacete de aviador, as mãos nervosas que corriam sobre o painel dos aparelhos – a responsável por tudo, mas sim uma força inteligente que comandava seus gestos, inspirava seus pensamentos, e fazia-o sorrir ao dominar aquele orgulhoso pássaro de guerra, que, obediente, subia e descia entre as nuvens, submisso à sua vontade e fazendo faiscar suas asas de alumínio aos raios do sol matinal.
Mais um curso terminado, em 30 de setembro de 1942 e, promovido a 1o Tenente, era designado, por suas qualidades, como auxiliar de instrução da gloriosa Escola de Aeronáutica, o Tenente Felino Alves de Jesus.
Suas atividades agora se inclinavam para o rádio e mecânica, a eletricidade e astronomia e sua biblioteca, especializada e enriquecida de obras adquiridas no exterior do país, era o ponto predileto das poucas horas de lazer que passava no seio da família.
Oficial disciplinado e disciplinador, de acentuado senso de responsabilidade e qualidades excepcionais de excelente piloto que sempre foi, apontavam-no como o instrutor ideal para os jovens que tinham escolhido para a vida a maneira mais perigosa de vivê-la.
Porque o Tenente Felino não se limitava a ministrar-lhes os segredos da audaciosa arte de voar.
Há muito conhecedor dos princípios racionalistas, perscrutava-lhes a alma, aprimorava-lhes as virtudes, ressaltava-lhes o talento para corrigir-lhes os defeitos, modelar-lhes o caráter e de cada comandado – a flor da juventude aviatória brasileira – fazia um homem consciente de si mesmo, valoroso e nobre no seu espírito de renúncia e na sua coragem.
Porque a vida dos aviadores brasileiros, naquela época, era uma epopéia de heroísmos e sacrifícios.
Nossa vastidão territorial, de escassa densidade de população, principalmente no interior do país, a deficiência de campos de pouso em boas condições e dos serviços de meteorologia, sabido que as informações pelo rádio das condições atmosféricas são fator importante na segurança do vôo, provam, de sobejo, que o extraordinário desenvolvimento da aviação no nosso país é um hino à competência e desprendimento dos nossos valorosos patrícios aviadores.
É como se eles mantivessem como ponto de honra a preservação do precioso legado que nos deixaram os geniais Bartolomeu de Gusmão e Santos Dumont de que  o Brasil é a pátria da aviação !

*   *   *

Em numerosas ocasiões os aviadores brasileiros têm demonstrado suas virtudes de coragem habilidade e espírito de renúncia.
Às vezes, cruzando os céus de nossa Pátria, a caminho dum longínquo campo de pouso – qual clareira aberta no oceano verdejante de nossas florestas, que ondula lá em baixo –, os aparelhos de bordo denunciam a aproximação do inimigo.
Envolve-o ainda o enganoso azul do infinito, mas, o aviador pressente mais do que vê - que ele o espera, inexorável, em sua rota, para o bote traiçoeiro!
Mas, continua a avançar, impávido e destemeroso, em direção à fera, ainda emboscada.
De repente, o horizonte começa a escurecer. Grossas nuvens negras se acumulam rapidamente à sua frente, tocadas pelo furacão que avança ao seu encontro.
E, dentro em breve, o dia claro e luminoso de há pouco desaparece, engolido pela escuridão que precede o ciclone que se aproxima, como se as trevas da noite envolvessem, de repente, a imensidão do infinito!
Um rápido olhar aos aparelhos, um gesto brusco de comando e o pássaro de aço - pequeno e frágil ante o infinito que o cerca - começa a ganhar altura.
Apesar da velocidade com que procura fugir da tempestade que se aproxima cada vez mais, as nuvens prenhes de eletricidade se avolumam por todos os lados e abrangem tão vasta região que parece não haver tempo para escapar à sua fúria.
O solitário navegador dos ares prepara-se para enfrentar a fera ... continua a subir: 3.800, 4.200, 4.700 metros ... já sente a respiração opressa ...
O ciclone açoita o minúsculo pássaro de aço, cujos pulmões possantes resfolegam com estertor..
O semblante sereno do aviador torna-se mais grave ...
De repente, um fio de luz vivíssimo ziguezagueia entre as nuvens negras, qual serpente de fogo!
A fera está solta!
Estruge o trovão, medonho urro do furacão que se desencadeia nas alturas.
O frágil aparelho é, repentinamente, iluminado por mil clarões dos relâmpagos incendiários, como se alguém pretendesse - num flash gigantesco - gravar para sempre aquelas convulsões da natureza em revolta.
O avião sobe vertiginosamente, envolvido pelo ciclone em redemoinho, que uiva e assovia em suas asas metálicas, que parecem desprender-se a todo o instante aos repelões violentos do furacão.
A orgulhosa máquina de aço nada mais é que uma frágil folha seca ao sabor da tempestade! ...
O avião avança, agora, aos repelões, em plena tempestade, envolvido pela massa líquida que sobre ele desaba e estala, com fragor, em sua fuselagem e nas asas longas e trepidantes. Parece avançar lentamente, como gigantesca escavadeira que cava, abre sua passagem dentro da escuridão, que o envolve por todos os lados .-. .
Ao clarão dos relâmpagos instantâneos e das descargas elétricas, o aviador lança rápido olhar ao painel de aparelhos e nota, orgulhoso, como aquela frágil máquina enfrenta o imprevisível cataclismo.
É a luta do homem, orgulhoso e prepotente, contra a natureza, desencadeada em fúria!
O avião sobe e descai, avança e mergulha, açoitado pela forte ventania e temporal, já agora desfeito.
Os segundos assim vividos parecem séculos ... Sobe o avião ainda mais: 5.000 metros, 5.400 metros, acusa o altímetro, e só então sente-sé o furacão rugindo lá em baixo, em direção à Terra
Um quase sorriso de vitória - enigmático e breve - ilumina o rosto moreno do piloto.
E, dentro em pouco, o infinito azul tranqüilo e imenso, envolve-o outra vez, silenciosamente...

*   *   *

Noutra ocasião, prestes a chegar ao seu destino, o nevoeiro cerca-o por todos os lados. O avião avança em plena escuridão ...
O aviador tem os olhos fixos nos aparelhos que, inexoráveis, apontam-no sobrevoando o objetivo ... Está a 2.800 metros de altura e a névoa seca é densa ...
– Como descer, se não enxerga a um metro de distância em sua frente?
É forçoso descrever largas curvas para não se afastar muito do ponto de chegada ...
Mas, sente que a descida é impossível, sem graves riscos. Envolve-o a névoa seca, que penetra tudo ...
– Retroceder ao ponto de partida? A altivez que acompanha nossos aviadores militares desde a escola, repele a insinuação da prudência. Seria confessar-se vencido, quase sem luta e sem tentar, pelo menos, dominar as condições atmosféricas adversas ...
E ele continua a voar, às cegas, sempre descrevendo largas curvas ...
– Procurar atingir o campo mais próximo, onde, talvez, não haja esta maldita névoa a cegá-lo?
– Descer, de qualquer maneira, arriscando-se a ir de encontro a uma montanha ou edifício alto, a cair, enfim, quando sabe e sente que lá em baixo está o aeródromo, com sua larga pista de cimento e a grande cidade orgulhosa e frívola?
De lá aconselham-no a retroceder.
– Mas, como?
Há minutos que o problema se apresentou inquietante e urgente ante o aviador, sereno e quase resignado ao seu destino, enquanto mais um largo círculo é descrito em meio à escuridão reinante, olhos fixos no indicador de gasolina ...
Súbito, adelgaça-se limitado trecho no espaço: é um raio de sol, brilhante e vivo, que rompe a névoa e se projeta, como um beijo de luz, sobre a face da Terra!
No rosto sereno do aviador esboçasse um ríctus - quase um sorriso - enigmático e breve.
O olhar lampeja o pensamento fugaz e comanda o gesto.
A mão nervosa e crispada corre rápida sobre os aparelhos ... Uma alavanca é acionada. O avião descreve um movimento brusco e se lança, desvairado, pela clareira de luz aberta para baixo!
A máquina de alumínio brilha, agora, orgulhosa, envolvida pelo feixe de luz, enquanto desce vertiginosamente ... Precisa aproveitar esse funil luminoso que se abre à sua frente e pode se fechar de um momento para o outro ... E que já está se fechando novamente ...
É forçoso aproveitá-lo ... Até onde?
Em três minutos o avião descera 2.500 metros, e, agora, surgia ante o olhar perscrutador do aviador vitorioso o fundo da Guanabara, com suas águas revoltas e cinzentas e as montanhas que abraçam a cidade envoltas em brumas.
Mais uma vez, o homem triunfara sobre a natureza adversa.

*   *   *

Depois foi a paixão pelo pára-quedismo, outro curso a exigir bravura e desprendimento, que empolgou o Tenente Felino.
Continuava, assim, fiel ao lema que nortearia toda sua existência: renúncia e sacrifício.
Eram as primeiras apresentações em nosso país da audaciosa intervenção de forças atiradas do espaço e cujo oportuno emprego, em determinadas ocasiões, transforma o curso de acontecimentos militares.
O estágio em São Paulo fora breve e, classificado em primeiro lugar, com menção honrosa, em 3 de março de 1943, pela Escola do Aero Clube de São Paulo, foi o Tenente Felino o primeiro pára-quedista da FAB.

*   *   *

Fomos, então, arrastados à guerra. Nossas forças armadas adestravam-se para as contingências do momento e o Tenente Felino partia para os Estados Unidos, a fim de tirar o curso de Controlador de Combate.
De volta, ao se despedir da Escola d-3 Aeronáutica, que ele tanto amou, por ter sido designado para integrar o famoso 1o Grupo de Caça, criado em dezembro de 1943, o Brigadeiro Fontenele a ele se referiu nos seguintes termos: “Elogio o Tenente Felino pela correta disciplina militar, dedicação e espírito de sacrifício”.
Dedicação e espírito de sacrifício, escrevera o experimentado Chefe e se essa tinha sido até agora a norma de viver do Tenente Felino, ela o acompanharia até ao término de sua breve existência, marcado para tão próximo ...
O Tenente Felino tinha-se consorciado em março de 1944 e, logo após, partira para os estágios de treinamento no Mar das Caraíbas e Canal do Panamá, onde o 1o  Grupo de Caça se adestrava, antes de seguir para o teatro das operações de guerra, na Itália.
Decorreram meses de sobressaltos e apreensões, perigos e lutas até que, vitorioso e feliz, o já agora Capitão Felino, a 14 de maio de 1945, regressou à Pátria.
Voltara a rever o azul do firmamento de sua Pátria, que tantas vezes cruzara.
Acabara a guerra. O Capitão Felino traçara o seu programa para o futuro. Desencaixotara seus livros, queridos companheiros de toda a sua vida, e reiniciara seus estudos.
E em março de 1948, matriculava-se na Escola Técnica do Exército, para tirar o Curso de Radiocomunicações, tendo sido classificado em 1o lugar na sua turma.
O seu tempo era agora dividido entre os vôos, na Diretoria de Rotas Aéreas, que tinha a dirigi-la o Brigadeiro Eduardo Gomes, e as aulas na escola.
E a 11 de junho de 1949, comandando um avião do 2o G.T., em serviço na rota de Fernando de Noronha, fez o Capitão Felino seu último vôo.

*   *   *

Voltara dessa viagem febril, o corpo combalido pelo excesso de estudos e canseiras e ainda assim compareceu à escola para fazer uma prova.
Depois, não mais se levantou.
Voando por regiões inóspitas, contraíra a insidiosa infecção que deveria levá-lo ao túmulo, dentro de três semanas, vítima do cumprimento do dever.
Ferido de morte, imobilizado em sua cadeira de sofrimento, o aviador, através da janela aberta, vê o azul do firmamento que seu avião não mais cruzará.
Volta a recordar-se, então, da velha chácara de Jacarepaguá ...
Sente-se, agora, menino ainda, perseguindo as grandes borboletas de asas também azuis, por entre as copadas mangueiras, que sombreavam os caminhos tranqüilos da antiga escola ...
As trepadeiras da varanda desatam suas flores vermelhas à brisa fresca, que passa ...
Lá fora, a vida continua egoísta e tumultuosa, para os que ainda têm esperanças e podem acalentar um sonho ...
– Esta é a minha guerra, diz o aviador, resignado em sua dor, sem uma queixa para o mundo.
E o seu olhar sereno e penetrante, que desvendava os mistérios das trevas e dos perigos, vê a vida pela última vez, na manhã de 12 de julho de 1949.
Mas, o seu derradeiro brilho refletia como que uma flama interior, um clarão de redenção que envolvia tudo, a chama ardente de suas convicções espiritualistas de que a vida terrena nada mais é que a transitoriedade dum minuto que passa em comparação com a eternidade do espírito! ...

O adeus dos colegas da Escola Naval


Exa. Sra. Viúva Felino Alves de Jesus, familiares e meus colegas:
Com muita tristeza nos reunimos neste Campo, para render preito de saudade ao nosso companheiro Felino Alves de Jesus, que a nós se antecipou no caminho da Eternidade. O que para os presentes ainda consiste em Fé, para o Felino já é certeza; ele já sabe o que vem após o grande salto do Além, e, nós, uns com ardorosa Fé, outros com certa dose de dúvida, aguardamos a nossa vez de ver confirmadas as nossas crenças ou incredulidade.
Maria Luiza. O seu esposo era um excelente colega, muito estudioso, e, singularmente inteligente, sempre andava na dianteira da turma nos conhecimentos das disciplinas escolares. Também no desbravamento da Grande Verdade ele se antecipou a quase todos os seus companheiros de estudos.
Qualquer lapso de tempo cabível no entendimento humano, não passa de simples instante, em presença da Eternidade. Dizemos isso, porque o sentimento dessa circunstância, alivia o sofrimento que nos faz a ausência de um ente querido e avaliamos o quanto Felino falta à sua família. A certeza que dentro de um mero instante - nada mais que isso, embora possa demorar um século - estaremos juntos de uma pessoa que nos deixou neste mundo, é o maior consolo que pode existir. Palavras carinhosas de amigos e parentes valem muito, reconfortam, porém a Esperança e a Filosofia de que a despedida não representa um “adeus para sempre” e sim um “até breve” é o melhor lenitivo para essa infinita dor. Não há razão de ser, daquele pensamento cruciante que nos momentos de desnorteio nos vem à mente “nunca mais”.
Este cemitério, como qualquer outro, está repleto de sepulturas sobre as quais em certos dias há muitos anos, tal como neste momento, na do Felino, lágrimas foram derramadas. Entretanto, hoje, pranteados e saudosos, juntos estão, no outro lado da Vida, talvez mesmo recordando aquelas ocasiões de soluços, em que lágrimas angustiadas foram vertidas. Talvez pensem esses corações, que se naqueles tempos tivessem refletido na brevidade do prazo que os separava, certamente menos despedaçados estariam então, e melhor conformados suportariam o resto da luta que lhes faltava na Terra.
Nos dias da Escola Naval, o Felino foi sempre prestativo aos seus colegas; a todos que a ele recorriam, acudia com boa vontade. Tive a bela oportunidade de ser seu companheiro de camarote. Juntos fizemos a viagem de instrução com Guardas-Marinha e inopinadamente ele passou para a Aeronáutica. Nunca antes havia falado nisso. Daí por diante, somente de tempos em tempos nos víamos. A última vez em que o encontrei foi para receber dele outro obséquio. Foi em Ponta Porã, em outubro do ano passado. Levou-me em seu avião até Campo Grande, onde após o café matinal na Base Aérea nos despedimos, seguindo ele viagem para o Rio.
Meus colegas, o Felino era então, tal qual nos tempos de Escola Naval, o mesmo gênio alegre, comunicativo e cativante.
Ao nos despedirmos no Aeroporto de Campo Grande, entre abraços nós dissemos “até a vista”, sem mesmo meditarmos no sentido amplo de nossa frase. Referimo-nos até o nosso próximo encontro, sem preocupação do local que bem poderia ser no Rio, em São Paulo, no norte do Brasil, mas não imaginávamos que seria do lado de lá, no Mundo Perfeito.
Felino, aqui estão hoje os seus colegas da mocidade, que com um punhado de flores e na presença de sua esposa, parentes e amigos, vieram recordar as passagens de nossa juventude em comum, tempo em que nem de leve, supúnhamos quão furioso seria o vendaval da vida, e trazer o nosso “até à vista”, estimado colega.
(Palavras do então Capitão Tenente Paulo Antoniolli, hoje Almirante)

Capitão Aviador Felino Alves de Jesus [1]

J. Garcia de Souza

Faleceu no dia 12 do corrente, vítima de uma infecção adquirida em serviço, o Capitão Aviador Felino Alves de Jesus. Perdeu, assim, a FAB, um distinto e estudioso oficial da nova geração.
Nascido em 9 de maio de 1918, nesta capital; fez o curso primário numa escola pública de Jacarepaguá, e o secundário no Ginásio 28 de Setembro e Colégio Pedro li. Matriculou-se, em 23 de abril de 1934, no Curso Prévio da Escola Naval graduando-se Guarda-Marinha em 30 de dezembro de 1939. Criado o Ministério da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1941, foi com seu colega Mario Soares Castelo Branco, em 10 de maio desse ano, matriculado na Escola de Aeronáutica dos Afonsos, como oficia) aluno, no curso de piloto aviador; terminando o curso em 30 de setembro de 1942, foi promovido a 1o tenente em 4 de dezembro de 1943 e designado por suas qualidades como auxiliar de instrução da Escola de Aeronáutica. Foi o 1o pára-quedista da FAB, tendo sido aprovado com “menção honrosa” em 3 de março de 1943, pela Escola do Aero Clube de São Paulo. Ao se despedir da Escola de Aeronáutica por ter de seguir para a guerra, o Brigadeiro Fontenele, a ele se referiu nos seguintes termos: “Elogio o Tenente Felino, pela correta disciplina militar, dedicação e espírito de sacrifício”. Nos Estados Unidos tirou o curso de “controlador de combate” e nessa função seguiu para o teatro de operações na Itália, integrando o famoso 1o Grupo de Caça; foi oficial de ligação, fez 11 missões de transporte em avião “B-25 C”. Em 14 de maio de 1945, regressou da guerra e foi classificado no 2o G. T. O ano passado foi matriculado na Escola Técnica do Exército para tirar o curso de “Radiocomunicação”, tendo sido classificado em 1o lugar na sua turma. Sua folha de assentamentos consta de 2.940 horas de vôo; 31 saltos de pára-quedas. Possui as medalhas da “Campanha da Itália” e “Cruz de Aviação”. Deixou-nos dois livros: Navegação astronômica e Trajetória evolutiva.
Eis em resumo o que sabemos da vida profissional do saudoso Capitão-Aviador Felino Alves de Jesus, que fez seu último vôo em 11 de junho, comandando um avião do 2o  G.T. em serviço na rota de Fernando de Noronha.

Ad imortalitatem [2]

Afonso de Morais Gomes

Dentre aqueles que transpõem os umbrais da eternidade muitos há que deixam como profundos sulcos os estigmas da mais sentida saudade, porém, no mais das vezes, deixam somente saudade e a lembrança de um ou outro feito notável de sua existência.
Raríssimas vezes assistimos a partida de alguém que, como Felino Alves de Jesus, haja vivido tão intensamente para as elevadas realizações do espírito e da inteligência. Sim, que haja vivido tão intensamente para tais realizações, somente assim se pode expressar quem lhe acompanhou os passos na parte talvez mais árida de sua preparação para a carreira da qual foi chamado para passar certamente a um plano condizente com o seu caráter, com a sua elevação moral e com a abnegação que constituíam traços predominantes de sua personalidade.
Partiu na idade em que muitos começam a revelar o aprimoramento de suas qualidades; partiu, porém, depois de exuberantemente haver provado a sua destemida capacidade para a luta; partiu, não como os heróis das batalhas que deixam o campo juncado de cadáveres, mas sim com a convicção de se haver desobrigado de todos os deveres inerentes ao verdadeiro homem; ao verdadeiro cidadão como ao verdadeiro soldado; ao verdadeiro amigo como ao verdadeiro chefe de família; dos deveres inerentes, enfim aos que vivem, não simplesmente o tempo presente, mas principalmente aos que sabem que uma existência só é realmente útil e exemplar quando se torna uma perfeita preparação para a vida extraterrena!
Lamenta-se a partida do batalhador no mais aceso da luta, do filho que encheu de orgulho os seus genitores, que deixou inconsolável a esposa amantíssima e órfãs as suas adoradas filhinhas; a perda que sofreu a Pátria, precisamente quando lhe seria possível uma recompensa à altura de seu desprendimento e fervoroso devotamento. Mas, quando assim procedemos, esquecemo-nos dos desígnios do Criador. Consideramos principalmente o verdor dos anos, a primavera estuante de entusiasmo subitamente substituída pelo inverno da desolação e do pesar e, então, choramos ... choramos, quando deveríamos entoar hosanas; sim, porque no torvelinho das paixões e do desenfreado egoísmo que avassala o mundo, ainda aparecem os cavalheiros da estatura moral do Capitão Felino Alves de Jesus.
Viveu o Capitão Felino 31 anos, dizemos nós, mas na realidade ele viveu séculos, séculos de crescente aplicação ao trabalho, séculos de renúncia e de sacrifícios, por isso sua partida não foi prematura; foi no tempo próprio, porquanto os planos do Onipotente estão acima da humana compreensão.
Disse alguém que “na vida o homem veste-se de trevas e na morte veste-se de luz”, mas você, Capitão Felino, já em sua trajetória por este planeta, cobriu-se, com as roupagens luminosas que lhe permitiram bem cedo librar-se [3]para as elevadas paragens onde só os bons batalhadores penetram.

O exemplo de uma vida [4]


Realizou-se em 22 de maio próximo passado, na Escola Presidente Linhares, a inauguração do retrato do patrono do Centro de Civismo e Intercâmbio Escolar Capitão-Aviador Felino Alves de Jesus, daquela escola, dirigida pela Professora Léa Labarte Lebre.
Às 15 horas, presentes o Dr. Secundino Ribeiro Júnior, superintendente do 5.O Distrito Educacional, o representante do Diretor do Departamento de Educação Complementar, o ilustre corpo docente da Escola, Professor Edgard Ribeiro Bastos, Sr. Saturnino de Jesus, Sras. Maria Alves de Jesus e Maria Luíza Cottas de .Jesus, os últimos, respectivamente, genitores e viúva do homenageado, numerosos professores, amigos e admiradores do saudoso Capitão-Aviador Felino, o disciplinado corpo discente na escola deu início à cerimônia, cantando o Hino Nacional.
Em seguida discursou a Professora Adelaide Ferreira, ressaltando a feliz escolha do Governo Municipal dando àquele Centro o nome de quem ascendera de aluno pobre de uma escola pública de Jacarepaguá, às estrelas do oficialato, desempenhando-se com brilhantismo de missões de paz e guerra fora de seu país, deixando em sua curta existência exemplos dignificantes de dedicação aos estudos, esforçado labor, impecável conduta e bravura intemerata.
Relembrou as dificuldades vencidas pelo então aluno gratuito do Ginásio 28 de Setembro, no Riachuelo, já então orientado pela Professora Olímpia Borges, os seus cursos na Marinha e Aeronáutica, estágios de treinamento no Mar das Caraíbas e Canal do Panamá e no teatro de operações de guerra, na Itália, integrando o famoso Primeiro Grupo de Caça, da nossa gloriosa FAB.
Perorou, apontando essa vida de estudos e trabalho, renúncia e sacrifício, como exemplo digno de ser seguido pelos seus jovens alunos, almejando que “a luz de seu exemplo seja farol e guia de vossas vidas em flor”.
Depois de vários alunos terem declamado poesias alusivas à vida dos aviadores, foi descerrada a bandeira que cobria o retrato do homenageado, tendo os alunos do Jardim de Infância desfilado, atirando flores ao retrato e entoando a canção “Asas”.
Findo um minuto de silêncio de evocação e saudade à memória do Capitão-Aviador Felino, a Professora Eunice Obino, encarregada da biblioteca da escola, agradeceu em nome dos alunos a doação de livros feita pela Sra. Maria Luíza Cottas de Jesus à mesma biblioteca.
Depois falou, de improviso, o Dr. Secundino Ribeiro Júnior, dizendo que o patrono daquele Centro de Civismo podia servir, de fato, de paradigma aos alunos de escolas públicas, pois fora numa delas que iniciara seus estudos e, ainda mais, orientado por uma professora de escola pública, a Sra. Olímpia Borges, graças à sua inteligência, perseverança e caráter, confirmara em adulto as virtudes do estudante, realizando, integralmente, as promessas e esperanças do menino e adolescente.
Militar brioso, disciplinado e disciplinador, seu amor pelos estudos, levara-o a aperfeiçoar-se nos Estados Unidos e a tirar o curso de radiocomunicação na Escola Técnica do Exército, desta capital, onde era um dos alunos mais distintos, quando a morte o surpreendeu aos 31 anos de idade.
Calorosa salva de palmas abafou as últimas palavras do eloqüente discurso do superintendente do 5o Distrito Educacional.
Um dos amigos do Capitão Felino, em nome de sua família, ofereceu à diretora, D. Léa Labarte Lebre, uma braçada de rosas, numa homenagem às professoras de escolas públicas, que têm naquela educadora lídima representante, na nobre carreira que abraçaram, e agradeceu todas as homenagens prestadas à memória do CapitãoAviador Felino Alves de Jesus.
Em breves, mas significativas palavras, a Sra. D. Léa Labarte Lebre, visivelmente comovida, agradeceu a delicada lembrança e, depois do corpo de alunos ter cantado o Hino Nacional, sob os aplausos dos presentes, encerrou a sessão, que deixou profunda impressão a todos que tiveram a ventura dela compartilhar, pelo cunho de civismo de que se revestiu.

A revisão dos nomes das escolas [5]

Flora Nobre

Há atualmente uma comissão encarregada de rever os nomes dos patronos de nossas escolas primárias. Realmente se fazia sentir tal reparo, porquanto nem sempre atende o patrono ao padrão exigido para que seu nome credencie um estabelecimento de ensino. Não que geralmente lhe faltem as qualidades dignas de serem enaltecidas publicamente; mas é que às vezes seu valor atinge setores estranhos ao meio escolar.
A condição indispensável a uma correta es colha é estar o patrono em situação de ser compreendido e servir como exemplo à infância escolar. Não é o prestígio mais alto nem o mais alto valor que atendem aos requisitos exigidos: um lugar comum, uma vida às vezes singela em sua repercussão pública, mas grandiosa em esforços realizados, apresenta muito maior soma de estímulos para o pequeno estudante.
A revisão dos nomes de patronos das escolas impedirá certamente que, de agora em diante – a Comissão que se ocupa de tais estudos tem caráter permanente – nomes que uma indicação menos avisada possa sugerir, sejam, sem utilidade prática, aproveitados designando nossas escolas primárias.
Já que focalizamos tal assunto, seria interessante lembrar uma vida modesta em sua projeção – não foi assombro nem gênio – mas foi mais talvez que isso. Uma vida eivada de exemplos edificantes é algo de grandioso que muitas vezes vultos de projeção não conseguiram viver.
Qualquer escola, estamos certos, se orgulharia de ter como patrono o Capitão Aviador Felino Alves de Jesus que tão intensamente lutou pelas realizações do espírito e da inteligência.
Distinto e estudioso oficial da FAB, faleceu há pouco vitimado por infecção adquirida em serviço.
Ouçamos o que os jornais dele disseram:
“Nascido em 9 de maio de 1918, nesta capital, fez o curso primário numa Escola Pública de Jacarepaguá e o secundário no Ginásio 28 de Setembro e Colégio Pedro II. Matriculou-se, em 23 de abril de 1934, no Curso Prévio da Escola Naval graduando-se Guarda-Marinha em 30 de dezembro de 1939. Criado o Ministério da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1941, foi com seu coleia Mário Soares Castelo Branco, em 10 de maio desse mesmo ano matriculado na Escola de Aeronáutica dos Afonsos, como oficial-aluno, no curso de piloto aviador; terminando o curso em 30 de setembro de 1942, foi promovido a 1o tenente em 4 de dezembro de 1943 e designado por suas qualidades como auxiliar de instrução da Escola de Aeronáutica. Foi o primeiro páraquedista da FAB, tendo sido aprovado com “menção honrosa” em 3 de março de 1943, pela Escola do Aero Clube de São Paulo. Ao se despedir da Escola de Aeronáutica por ter de seguir para a guerra, o Brigadeiro Fontenele, a ele se dirigiu nos seguintes termos: “Elogio o Tenente Felino pela correta disciplina militar, dedicação e espírito de sacrifício”. Nos Estados Unidos tirou o curso de “controlador de combate” e nessa função seguiu para o teatro de operações na Itália integrando o famoso 1o Grupo de Caça; foi oficial de ligação e fez 11 missões de transporte em avião B-25 C. Em 14 de maio de 1945, regressou da guerra e foi classificado no 2o GT. Matriculou-se posteriormente na Escola Técnica do Exército para tirar o curso de Radiocomunicação, tendo sido classificado em 1o lugar na sua turma. Sua folha de assentamentos consta de 2.940 horas de vôo; 31 saltos de páraquedas. Possui as medalhas da “Campanha da Itália” e “Cruz de Aviação”. Deixou dois livros: Navegação astronômica e Trajetória evolutiva. Fez seu último vôo em 11 de junho de 1949, comandando um avião do 2o GT, em serviço, na rota de Fernando de Noronha”.
Bela vida! Simples, humana, eivada de lutas, inglórias algumas, brilhantes outras. Um verdadeiro homem que pode mostrar a nossos pequeninos escolares como trilhar a velha e sempre nova estrada do cumprimento do dever!
Aqui fica a sugestão, numa época em que se procura renovar os pontos de vista de apreciação dos valores humanos: já não são as trajetórias brilhantes nem as mais extraordinárias capacidades humanas as únicas dignas de se render honra ao mérito.
As verdadeiras vidas, humanas e simples, mas sabiamente vividas são as que devem servir de padrão e designar com seu exemplo edificante e tão facilmente imitável, nossas escolas públicas primárias.



[1] Transcrito da seção “Aviação”, do Correio da Manhã, de 20 de julho de 1949.
[2] Transcrito do Correio Leopoldinense, de 21 de agosto de 1949
[3] Librar-se: no sentido de elevar-se (Dicionário Aurélio Viana)
[4] Transcrito de A Razão, do Rio de Janeiro, de 1o de julho de 1950.
[5] Transcrito da seção “Educação e Ensino”, do Jornal do Brasil, de 8 de agosto de 1952.