O homem que sabe servir-se da pena, que pode publicar o que escreve e que não diz a seus compatriotas o que entende ser a verdade, deixa de cumprir um dever, comete o crime de covardia, é mau cidadão. Por Júlio Ribeiro.

Ciência Espírita - Por Dr. Antônio Pinheiro Guedes

Ciência Espírita - Por Dr. Antônio Pinheiro Guedes


Livro editado pela Filosofia Espiritualista Racionalista Cristã
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Sobre o autor e o livro
(8a edição, 1992)

É provável que muitos não saibam quem foi Dr. Pinheiro Guedes, cuja projeção no movimento espiritualista vem ainda do tempo do Império.
Pinheiro Guedes, médico na Corte, oficial do Exército, foi Senador da República, justamente quando se instalou a Assembleia Constituinte de 1890, que elaborou a primeira Constituição Republicana do Brasil. Era Pinheiro Guedes, nessa ocasião, representante de Mato Grosso, ao lado de Joaquim Murtinho. Da independência de seu caráter e sinceridade de suas convicções, é prova o fato de haver Pinheiro Guedes, com Ângelo Torterolli e outros espiritualistas da época, encabeçado uma comissão que foi à presença de Pedro II oferecer uma coleção de obras espíritas ao magnânimo Imperador do Brasil.
Ciência Espírita prova de início, que a Medicina se originou do espiritismo e demonstra a perfeita entrosagem entre o corpo, que o médico trata, e o espírito, que preside a formação desse corpo, desde a sua fase inicial. Daí a extraordinária vantagem do médico que, possuidor da ciência humana, é também conhecedor da ciência espírita. Nesta ordem de ideias, o Dr. Pinheiro Guedes é de uma clareza admirável, e se torna irresistivelmente fascinante quando explica, sob a luz da ciência espírita, os fenômenos comumente designados como histerismo, loucura e outros.
Ciência Espírita analisa e expõe à origem, a natureza e a evolução da alma, a criação das matérias, o papel de átomos e células, a formação dos seres, a força psíquica, etc., uma série de temas interessantes, proporcionando novos e utilíssimos conhecimentos a todos, numa linguagem clara, simples e persuasiva, dirigida mais ao raciocínio do leitor do que às suas próprias crenças e sentimentos religiosos Assim, vazado em linguagem acessível a qualquer curioso das relações entre a Medicina — ciência materialista por excelência — e o espiritualismo, Ciência Espírita é valiosa contribuição científica do estudo do Espiritismo.
Mais do que a clareza com que expõe suas ideias espiritualistas, impressiona o leitor destas páginas do médico brasileiro Pinheiro Guedes sua visão, talvez disséssemos melhor, sua intuição, ao tratar de assunto tão transcendente, em face duma ciência materialista como a Medicina.
À medida que o leitor se vai assenhoreando dos fascinantes conhecimentos sobre a vida fora da matéria, segundo o raciocínio metódico e persuasivo do autor desta obra, desdobra-se aos seus olhos novo panorama, até então desconhecido.
Sua oferenda “aos Mestres, que me ensinaram a conhecer o corpo”, deixa entrever que o autor — há quase cem anos atrás — confiava em que, mais cedo ou mais tarde, esta obra despertaria o interesse de estudiosos ou simples curiosos dos fatos e fenômenos da vida fora da matéria, tão extraordinária em sua fremente palpitação como na silenciosa manifestação dos seres e coisas.
De que ele não se enganava, prova mais esta edição de CIÊNCIA ESPÍRITA, cujos editores merecem congratulações, não só pela divulgação que proporciona dos conhecimentos por ela prodigalizados, como pela justiça que praticam, retirando do olvido páginas tão expressivas.

Prefácio

O homem esclarecido tem por dever servir-se da palavra ou da pena para explanar a Verdade; quem isso pode fazer e não faz demonstra ser inimigo do progresso, da paz, da harmonia fraterna, e sua vida será improfícua, prejudicial à sua própria alma e à coletividade, pois criará em volta de si um ambiente de obsessão permanente, tornando-se, conforme Camilo dizia, “um militante a mais no exército dos infelizes”.
A pesquisa da verdade leva o estudioso à certeza do que seja a vida na Terra e no Espaço, e à convicção do dever a cumprir neste mundo, para onde se vem certo de que só pelo trabalho, na luta pela vida, é que poderá o espírito aperfeiçoar-se, e que, portanto, ele não pode, nem deve ser refratário ao trabalho nem à reforma de usos e costumes.
Dentre os poucos que têm sabido ser estudiosos da doutrina da Verdade, destacamos, com justificado orgulho, o Doutor Antônio Pinheiro Guedes, médico investigador, valoroso e humanitário, verdadeiro sacerdote do bem, que sempre viveu preso aos estudos, cooperando, decididamente, para a descoberta da Verdade, pois, não se conformando com os limitados conhecimentos sobre a vida física, buscou, inteligentemente, os da vida espiritual.
Soube, como nenhum outro, romper o véu dos preconceitos sociais e científicos, transpor-se às coisas transcendentes, e perscrutando a alma, descreveu-a com tanta clareza e precisão, como sabia descrever ou escalpelar um cadáver, lecionando anatomia à mocidade acadêmica.
Cultuando a memória desse sábio brasileiro hoje enfileirado à plêiade dos espíritos superiores, no Astral Superior, que pontificam nas Casas Racionalistas, julgamos de bom alvitre pedir aos descendentes do Dr. Pinheiro Guedes permissão para a reedição de sua primorosa obra CIÊNCIA ESPÍRITA, no que, felizmente, fomos bem sucedidos, pois seus legítimos herdeiros nô-la autorizaram, movidos pelos mesmos desejos e pensamentos nossos e certamente do ilustre autor: esclarecer a humanidade; e foram mais além, doaram-na definitivamente ao Centro Redentor.
Trabalha o espírito de Antônio Pinheiro Guedes no Espaço Superior com mais amplitude do que quando agrilhoado ao corpo, não existindo hoje para ele fronteiras ou nacionalidades, e como partícula do Grande Foco, impulsiona a humanidade para a Fraternidade Universal.
Não visamos lisonjear essa alma, mesmo porque sabemos de nenhuma valia os elogios, justos ou não, para a vida da eternidade, que exige a prática de boas ações e obras, enquanto na Terra tudo é efêmero: riquezas materiais e destaques pessoais é, por vezes, a ruína da vida espiritual, pois quer a fortuna monetária, quer a intelectual, são consequências de compromissos astrais assumidos, para deles se fazer bom uso na vida terrena.
Entretanto, pouquíssimos são os que levam a cabo tais compromissos: a vaidade e a ostentação cegam as almas, levando-as à perturbação, à vida de aparências, e fazendo-as esquecer por completo os sérios compromissos assumidos em lucidez espiritual.
Contudo, é dever nosso falar claramente ao leitor, ao nos referirmos ao autor desta obra, para que de antemão fique sabedor de que foi no Brasil onde primeiro e melhor se escreveu sobre espiritismo, cabendo, portanto, ao nosso país, como já o vem afirmando o Racionalismo Cristão em suas obras, a glória da descoberta da Verdade, tal qual a desejava transmitir à humanidade a grandiosa alma de Jesus.
Pinheiro Guedes não foi um simples médico investigador, mas também um valoroso instrumento das Forças Superiores, às quais serviu docilmente, pois se prestou, tanto quanto lhe foi possível, a ser o seu porta-voz entre a elite social e cientista, justamente para despertar aquele meio, o mais refratário à concepção da Verdade, e não continuar a ser dito que o espiritismo é obra de nulos, analfabetos ou imbecis saídos da plebe.
Da plebe, entretanto, saíram Jesus, Viriato, Joana D’Arc, Galileu, Edison e tantos outros luminares da humanidade, e nem por isso vemos menosprezadas as suas obras.
Esta obra enriquecerá a biblioteca de doutos e simples estudiosos da vida fora da matéria, fazendo parte do Racionalismo Cristão, iluminará a estrada da vida dos que desejam viver e não vegetar neste mundo de misérias. OS EDITORES

Dedicatória


À Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Homenagem do Autor.

À FACULDADE

          Tendo aprendido a conhecer a alma, consignei-o nestas páginas, que trago como oferendas aos mestres, que me ensinaram a conhecer o corpo.

          Não é rica nem mesmo vistosa a oferta; mas é real e valiosa conquista — prêmio fecundo e galardão das lucubrações e pesquisas feitas no ignoto.

          Ao repositório e manancial das doutrinas hipocráticas, acorrem estas revelações, quais silfos alígeros, portadoras da suma das doutrinas pitagóricas.
Et nunc ... ad posteros.

Dr. Pinheiro Guedes


Ao leitor

A opinião pública, mal orientada até por cultores do Espiritismo, parece convencida de que é mais uma seita religiosa, acrescida às que já existiam, vegetando como parasitas à sombra da frondosa árvore do Cristianismo.
Tem sido induzida em erro, ciente ou inconsciente, pela imprensa, pelos sectários de todas as seitas religiosas, pelos médicos e até por espíritas que, seduzidos pelas consequências ou efeitos morais resultantes do conhecimento da doutrina, consideram-na uma Religião.
A imprensa assoalha que o espiritismo é a mais perniciosa de todas as doutrinas filosóficas.
Os religiosos, e não religiosos, proclamam do púlpito e pela sua imprensa que ele é obra do demônio e o maior inimigo da igreja.
Os médicos, na sua maioria, propalam que ele povoa os hospitais de alienados e os cemitérios.
São as mil bocas da ignorância pretensiosa, do obscurantismo científico, da intolerância religiosa e do fanatismo estúpido que vociferam contra aquilo que não conhecem.
Essa grita infrene, toda essa celeuma, fez surgir em meu espírito a ideia de oferecer aos espíritas, aos médicos, aos sectários, à imprensa e ao povo estas páginas em que lhes mostro:
Ao povo, que o espiritismo é como um farol, que guia o navegante ao porto;
À imprensa, que ele é a mais racional, a mais consoladora de todas as filosofias, senão a verdadeira filosofia, porque nos eleva e conforta a alma;
Aos sectários de todas as seitas religiosas, que ele é o guia seguro nas jornadas infinitas para Deus, e não um inimigo da Religião; não a condena antes a justifica;
Aos médicos, que ele não só não é um túmulo, mas antes um berço, onde primeiro se embalou a divina arte de curar; não é a morte, antes dá a vida; que em vez de povoar as colônias e hospitais de alienados, abre-lhes as portas, para fazer sair desses ergástulos, casas de torturas, antros de horror, alguns infelizes que para lá foram empurrados pela mão da medicina materialista;
Aos espíritas — místicos ou fanáticos — que ele não só não apresenta nenhum dos requisitos das seitas religiosas; não tem templos, nem sacerdotes, nem culto externo; mas possui o caráter e preenche os requisitos das ciências; emprega métodos, processos e instrumentos que lhe são peculiares, para o estudo — observação e análise — dos fatos que constituem o seu objeto.
Este trabalho é talvez como a faísca elétrica que, atravessando as nuvens carregadas de eletricidade, despede raios e trovões; e as desmancha em tempestades. Ele vai atravessar as hordas adversas, agitá-las, sacudi-las, com as verdades contidas em suas páginas.
Prevendo contestações e até invectivas, conto de antemão com a crítica. Não a temo, antes a desejo; que venha: severa, mas séria e justa.
Não tenho a pretensão de haver feito trabalho sem senão. Não há obra humana perfeita. Não espero aplausos. Não viso a glória; mas a Verdade.

Dr. Pinheiro Guedes

Niterói, 13 de agosto de 1900.

Origem da Medicina

A Medicina, como arte de curar, é filha legítima do Espiritismo.

Estranha, ousada e paradoxal parecerá essa proposição àqueles que não conhecem a doutrina espírita e ignoram as origens da ciência hipocrática.
A História, entretanto, dá testemunho e provas de sua veracidade; não obstante o véu de longevidade, brumas dos tempos idos envolverem num manto de trevas o início, as origens de todas as artes, senão de todas as coisas.
A crítica, porém, armada de fino escalpelo, rasga esses véus; e, se ela o não puder fazer, a Razão, analisando os fatos, procurando analogias, sopesando-lhes o valor, cria focos de luz que iluminam as trevas, espancam as brumas.
Percorrendo os domínios da História, penetremos no território da Mitologia, onde a Imaginação — artista incomparável — cria lendas misteriosas, envolvendo a verdade em roupagens fantásticas, que a velam e escondem aos olhos inespertos; aí, nessa região, onde a fantasia domina como rainha absoluta, vamos encontrar o berço da Medicina, nos templos erguidos em honra de Esculápio, o criador da arte de curar, o deus da Medicina.
Os serventuários desses templos, seus sacerdotes, eram chamados Asclepíades, do nome de Esculápio — Asklepios, em grego — e assim também eram denominados os templos, onde os doentes iam pedir remédios para os seus males; e também, quando curados, vinham depor, em testemunho de gratidão, a descrição dos seus sofrimentos e a indicação dos remédios com que se curavam.
Entre outros lugares, a ilha de Cós, pátria de Hipócrates, possuía um desses templos. Foi aí, muito naturalmente, que o Pai da Medicina encontrou os materiais com que seu grande espírito construiu os alicerces da ciência médica.
Não só em Cós, mas em Epidauro, Siracusa, Pérgamo, Esmirna e Atenas, mas também em Delfos, certamente, onde havia o mais célebre dos templos, cujo ofício divino divinum est opus sedare dolorem — era a cura das moléstias, foi Hipócrates buscar as primeiras noções da divina Arte de curar.
Se, em Cós e nas outras cidades onde havia Asclepions, templos de Esculápio, eram sacerdotes que oficiavam discípulos ou descendentes de Esculápio, assim não era em Delfos; e isto é importante sob o nosso ponto de vista, é argumento chave de abóbada; em Delfos, cujo templo era dedicado a Apolo, o oficiante era uma Pitonisa.
A Pitonisa, sacerdotisa de Apolo, era uma mulher do povo, de condição humilde, obscura, sem instrução nem educação, virgem ou velha recolhida ao templo onde permanecia isolada, só proferia os oráculos em certos dias sentada na trípode, sob a qual havia uma abertura ou fenda no chão, de onde subiam vapores aromáticos; e assim mergulhada numa atmosfera de perfumes era tomada de fortíssima agitação, e então começava a falar, emitindo oráculos, ou respostas às interrogações que lhe eram dirigidas, ou sentenças, que eram religiosamente registradas e guardadas pelos sacerdotes ou serventuários do templo.
A Pitonisa é, portanto, um Médium.
Essa era a convicção dos sacerdotes e do povo, que acreditavam ser um espírito divino que lhes falava por intermédio daquela mulher.
Assim, pois, a Medicina, como arte de curar, tem a sua origem nas revelações dos Espíritos.
   o —
Afirmei e demonstrei que a Medicina, como arte de curar, se deve à comunicação dos Espíritos; e o fiz baseando-me na História.
Essa argumentação, entretanto, a meu ver, não é a melhor; constitui apenas um elemento de convicção; a ratione, parece-me, a demonstração é mais compreensível, mais convincente, cala mais fundo, torna-se incontestável; os seus argumentos, os elementos de convicção encontram-se em toda parte, somente é preciso saber vê-los.
Assim: a dor, o sofrimento, a moléstia. — ninguém o contestará ninguém intentará sequer pô-lo em dúvida —, são contingências da vida inerentes à criatura; é consequência inevitável, quase necessária da luta do vivente com a Natureza; do organismo com o ambiente ou meio em que surge e se desenvolve.
A dor material ou moral, um sofrimento qualquer é, desgraçadamente, uma necessidade da vida, sem isso não haveria progresso, pois que este produto da atividade pela liberdade tem sua origem na necessidade, que significa falta; falta que representa um sofrimento; sofrimento que traduz a dor.
A existência da primeira família humana foi, de certo, a mais precária que se possa imaginar.
Seres fracos, ignorantes, desprovidos de tudo, sujeitos às intempéries e às mil vicissitudes da vida: a dor, o sofrimento, a moléstia, foram, sem dúvida, seus companheiros desde os primeiros anos.
Em tais condições, como prover às suas necessidades? Como conjurar seus males, obviar o sofrimento, aliviar a dor?
A observação do que ainda se dá em nossos dias, dos fatos que ocorrem por toda parte, quotidianamente, responde a essas interrogações.
Quando sentimos uma dor, levamos a mão ao sítio doloroso, instintiva, automaticamente, ou para afastar a causa ou para alívio.
É por essa razão, indubitavelmente, que a Mitologia dá ao pai ou mestre de Esculápio o nome de Chyron; nome derivado do vocabulário grego, que significa mão.
O silvícola recorre ao Pajé, que é o ser sacerdote, o intermediário entre ele e a divindade; aquele que fala com Tupã, de quem recebe ordens e bálsamos.
Ainda mais: quem se sente ferido, aquele a quem a dor punge, esse grita por socorro, mesmo achando-se só e num deserto; pede, implora auxílio: auxílio que só pode vir da sabedoria e do poder infinito, que é Deus, por intermédio dos executores de sua vontade que são os espíritos.
Deus, inteligência suprema, alma do Universo, só age indiretamente, posto que esteja presente em toda parte.
Assim como o espírito humano está no corpo todo, que é feitura sua, e só age por intermédio dos nervos; assim também se pode afirmar, por analogia, que Deus, inteligência suprema, alma do Universo, que é a feitura sua, só age indiretamente.
E, pois, quer apelando para o auxílio divino direto, instintivamente, o que quer dizer por intuição ou sugestão, porque o instinto é faculdade intelectiva do espírito; quer recorrendo a um intermediário, o homem primitivo só achou recursos para debelar os seus males na intervenção direta ou indireta dos espíritos.
E, portanto, a Medicina, como arte de curar, é filha legítima do Espiritismo.

Espiritologia

O espiritismo é a ciência das ciências; ele as unifica em uma síntese admirável.

O espiritismo é ciência profunda, vasta, eclética, cujo estudo fornece conhecimentos, não só sobre o homem espiritual, mas também sobre o homem corpóreo; e ensinamentos de ordem moral e de ordem intelectual.
Ele nos faz compreender melhor o mecanismo das funções, não só das psíquicas ou mentais, mas, também das orgânicas ou vitais; e as relações da alma com o corpo, cujas perturbações são causas predisponentes e até determinantes de estados mórbidos.
O sono quer o natural quer o provocado pela hipnose ou pelos anestésicos, assim como os sonhos e as alucinações, não podem ser explicados de modo compreensível, racional e satisfatoriamente pelos processos fisiológicos comuns e ordinários da escola organicista ou materialista.
O sono é a supressão das funções de relação; é a suspensão da atividade psíquica; a quase cessação da vida animal.
Durante o sono o corpo repousa e a alma descansa.
Enquanto repousa, o corpo repara as suas perdas, refaz-se; e a alma retempera-se, aprestando-se para a luta, enquanto descansa.
O sono, como a vigília, é um modo de ser do vivente; ambos afirmam a existência, em antítese: pois a vida é dupla — vegetativa ou orgânica, animal ou de relação.
As escolas materialistas procuram explicar o sono, quer o natural quer o artificial — provocado ou mórbido — por uma espécie de paralisia do cérebro, devida à sua compressão, ora pela falta, ora pela superabundância de sangue.
Incontestavelmente, tanto a anemia como a congestão acompanham-no ou se apresentam no sono; dado o sono, natural, provocado ou mórbido, o aparelho cefálico se encontra num desses dois estados; mas, indicar o estado ou a condição de um órgão ou aparelho, na realização de um fenômeno ou de uma função; explicar o seu mecanismo ou a maneira de se efetuar, não é determinar a sua causa; são fatos diferentes, não devem ser confundidos.
A observação registra que a perda de sangue, em quantidade excessiva, e às vezes até a de uma pequena porção traz como consequência o sono, o delíquio, a síncope ou a vertigem e mesmo a morte física.
Ainda outras manobras provocam o sono: a inalação dos anestésicos, os passes magnéticos, a sugestão, o repouso e até o movimento, quando cadenciado, um canto monótono e a só ausência de luz; tudo isso, todas essas manobras são apenas condições para o sono; são, quando muito, causas predisponentes.
A causa do sono, a única real, verdadeira, aquela que o determina e impõe, é a necessidade da suspensão da atividade psíquica, a supressão das funções de relação: a paralisação temporária da vida animal.
O sono é para a vida animal o que a fome e a sede são para a vida orgânica: pela fome e a sede o corpo reclama alimentos; pelo sono a alma pede alento.
O sono é também uma necessidade psíquica.
— Os sonhos e as alucinações são fenômenos puramente psíquicos que não podem ser explicados fisiologicamente; por isso as teorias, que a ciência materialista criou para explicá-los, são falsas e até irrisórias.
Por elas, os sonhos são produzidos por perturbações do aparelho digestivo!
É o produto de uma atividade inconsciente!
É o fruto da supraexcitação de certos grupos de células cerebrais, quando outros centros estão em repouso, daí a sua incoerência!
Não se lembram dos criadores de tais teorias esdrúxulas de que há registrados sonhos autênticos, que foram verdadeiras profecias!...
Passa-se nos sonhos o mesmo fato que se dá no sonambulismo lúcido: a alma do magnetizado e ouve aquilo que se dá a centenas de léguas: lê no passado e no futuro. Fatos que o corroborem não faltam: encontram-se nos livros religiosos e nos profanos, nos romances e nas páginas da História.
As alucinações estão no mesmo caso, não podem ser explicadas fisiologicamente, porque nem são fenômenos psíquicos, mas fatos espiríticos.
A pretensão da ciência materialista a explicá-las, é simplesmente ridícula.
Não se pode aceitar, seriamente, como perversão dos sentidos — alucinação — a audição de palavras, frases e dissertações em língua que o ouvinte não conhece, e que ele repete com dificuldade; ou ainda a audição de uma peça de música.
Assim também a descrição exata da figura de um indivíduo, que o vidente nunca vira antes, falecido ou ausente; descrição minuciosa de seu porte, feições, atitudes e gestos habituais, o que revela a realidade e prova a identidade da pessoa, embora só a ele visível.
São numerosos os fatos desta natureza, registrados na literatura médica, na dramática e em outras.
Portanto, as teorias inventadas pelos materialistas para explicar o como e o porquê dos sonhos e alucinações, são falsas; não passam de meras hipóteses, sem fundamento, sem as condições das científicas.
Fenômenos puramente psíquicos e fatos espiríticos, como certas alucinações, verdadeiros casos de Mediunidade, não obedecem às leis orgânicas.
As nevroses, e, entre elas, principalmente, o sonambulismo, a catalepsia e a loucura, não têm explicação satisfatória e racional fora das teorias, princípios e leis provenientes do estudo dos fenômenos espiríticos.
Os fenômenos, hoje estudados e vulgarizados sob o nome de Hipnotismo, e de há muito conhecidos pelos Mesmer, Puysegur, Dupotet, e muitos outros, antes e depois deles; a chamada transposição dos sentidos, a penetração ou leitura do pensamento e sua transmissão, assim como a exteriorização da sensibilidade e outros, não podem ter explicação plausível, racional, científica, senão na existência do corpo astral, corpo anímico ou períspirito, que é constituído pelo fluido etéreo ou fluido universal, cuja existência foi, há pouco, demonstrada experimentalmente.
O Espiritismo, portanto, é uma ciência profunda, vasta, eclética, cujo estudo é de suma utilidade.
— o —
Tendo afirmado que o Espiritismo é ciência vasta, profunda, eclética, cumpre-me demonstrá-lo; porque hoje não basta afirmar, é preciso provar, tornar a coisa evidente, palpável. O tempo do magister dixit foi-se.
Obediente ao método provarei primeiro que é ciência, demonstrando depois que é vasta, profunda, eclética; porque abrange o ciclo das evoluções que o Espírito realiza desde o seu início, desde a sua origem.
Vejamos, para isso, em que consiste o que se denomina ciência.
A ciência é o conhecimento das coisas, dos fatos e dos fenômenos em si mesmos, em sua natureza e nas suas relações entre si e com tudo o que os cerca: o meio, o ambiente.
Esse conhecimento só se obtém pelo estudo metódico, observação atenta e análise minuciosa.
É, portanto, a ciência fruto de nossa inteligência, resultado de nosso trabalho; ela visa um fim, satisfaz uma necessidade do nosso Espírito.
O Espírito sente incessantemente necessidade de investigar; é ávido de conhecimento; quer luz, mais luz, sempre luz.
O Universo é infinito; a avidez de luz é insaciável; a matéria de estudo inesgotável.
A ciência é um corpo de doutrinas, sintetizando todas as leis e princípios, deduzidos do estudo do Universo; ela é, pois, um conjunto de ciências.
As ciências, portanto, são múltiplas e várias; tantas quantos são os objetos de estudo; todas visam o mesmo fim, mas cada uma tem o seu objeto, a matéria de que se ocupa: umas são concretas, outras abstratas.
Assim, pois, não podem todas aplicar os mesmos métodos; mas cada qual reclama métodos, processos e aparelhos adequados à observação e análise da coisa, fato ou fenômeno, que é o objeto do seu estudo.
É o que se vê o que se nota em todas as ciências até hoje constituídas.
As Matemáticas, a Astronomia, a Física, a Química e as ciências biológicas — Botânica, Zoologia, Antropologia e a moderna Sociologia — todas têm a sua matéria de estudo; e serve-se de métodos, processos e aparelhos apropriados, de acordo com a natureza do seu objeto e segundo as necessidades do estudo.
— Preencherá o Espiritismo esses requisitos, satisfará essas condições para merecer foros de ciência?
O Espiritismo tem por fim: esclarecer-nos sobre o outro mundo, sobre a vida além-túmulo; provar a existência da alma, sua preexistência e sobrevivência ao corpo, satisfazendo assim uma necessidade iniludível da nossa alma, aspiração incessante de nosso eu.
Ele estuda os fatos extraordinários, mas numerosos, numerosíssimos, que constituem uma ordem de fenômenos, até a pouco reputados sobrenaturais; e por isso relegados como inobserváveis, indignos de estudos; os quais, entretanto, convenientemente observados, provam a existência do Espírito, esclarecem-nos sobre a vida além-túmulo, pondo sob os nossos olhos maravilhados, estupefatos, num outro mundo.
Os fatos que constituem o objeto do Espiritismo, não são sobrenaturais, nem mesmo extraordinários, senão porque escapam à observação dos que não sabem vê-los; eles são naturais, como tudo quanto existe no Universo; são comuns, ordinários e até frequentes.
Mas para vê-los, os observar, aprender a notá-los e os reconhecer, quando e onde quer que se apresentem, era preciso descobrir o instrumento capaz de registrá-los, tornando-os evidentes e palpáveis.
Esse instrumento é o Médium.
Achado o instrumento, estudado em suas aptidões, começaram os fatos a serem observados, a princípio os espontâneos, mais tarde os provocados, no intuito de reconhecer a causa produtora de tais fenômenos.
Como resultado dos estudos espiríticos, a imortalidade da alma é estatuída em princípio, perfeitamente determinado por provas irrefutáveis.
A sucessão das existências ou multiplicidade de vidas corpóreas de uma individualidade consciente — o espírito humano — denominada reencarnação, constitui uma lei à que estão sujeitos todos os espíritos; e é condição essencial ao seu progresso.
Assim, pois, o Espiritismo visa um fim, estuda uma ordem de fatos, emprega métodos, processos e instrumentos exclusivamente seus; cria teorias, estatui princípios, estabelece leis; satisfaz assim e preenche todos os requisitos exigidos pelos foros científicos.
O Espiritismo é, portanto, sem a mínima dúvida, uma ciência.
Ciência vasta, profunda, eclética, ele constrói a síntese da vida humana, abrange o ciclo das evoluções do espírito, ab initio ad eternum, do início ao infinito.
Seus princípios, suas leis têm aplicação universal; é um fanal no meio das trevas que nos cercam; é um farol no mar tempestuoso da vida.
É um farol no mar tempestuoso da vida, porque fazem ver um porto de abrigo na calma, na resignação, na paciência; refúgios seguros contra as tempestades morais, consequências de nossos vícios e erros, frutos do nosso atraso, do nosso orgulho.
É um fanal no seio das trevas que nos cercam, porque desvendando o mistério de como se opera o nosso progresso intelectual e moral, pelo processo da reencarnação ou sucessão das vidas corpóreas, demonstrando a preexistência e sobrevivência da alma humana, rarefaz, adelgaça o véu que oculta à nossa vista uma série de vidas, cada qual menos luminosa, menos limpa de erros, faltas, vícios e crimes; o que nos faz compreender o porquê o mundo é uma escola, onde devemos aprender a amar o próximo como a nós mesmos; e como a reencarnação é uma necessidade, pois que a vida corpórea é um meio de reparação, aproximando um do outro — o ofendido e o ofensor —; ou reunindo em uma mesma família, sob o véu da matéria e graças ao esquecimento do passado, a vítima e o seu algoz!
   o —
Demonstramos com argumentos tirados da História e também por uma apreciação dos fatos inerentes à natureza humana, que a Medicina, como arte de curar, é filha legítima do Espiritismo.
Provamos depois, e o fizemos por demonstração analítica, que o Espiritismo é ciência, e ciência de observação, na qual também se recorre ao método experimental.
Vamos, agora, mostrar por uma exposição de fatos, o ecletismo e a profundeza e vastidão da doutrina espírita.
O fenômeno vital, denominado atavismo, cuja explicação pela escola materialista é inaceitável, repugna à razão, por absurda, explica-se, entretanto, espiriticamente, de modo racional e satisfatório, pela teoria da reencarnação; e o fato torna-se evidente, palpável, indiscutível; porque fala à razão.
E, não só se compreende e se aceita o atavismo psíquico — moral e intelectual — como também o mórbido e o orgânico; estes, absolutamente inadmissíveis com a explicação materialista ou organicista; e aqueles, ainda mais; porque não se compreende o seu mecanismo — o processo de transmissão não se atina com o transmissor da herança.
Provada a existência da alma, ninguém de certo porá em dúvida que é ela quem dirige o corpo, anima e domina: ela vai ser o transmissor, o veículo dos vezos e cacoetes e também das moléstias.
Um espírito brutal deve ter um corpo grosseiro, adequado às suas necessidades, para estar de acordo com a sua natureza.
Um espírito angélico tem, não pode deixar de tê-lo, um corpo delicado, apropriado à agudeza do seu engenho, afinado pela sutileza de seus sentimentos.
O corpo é para a alma o que a roupa é para o corpo: um agasalho, um abrigo, contra as intempéries, um véu sobre a nudez.
Nem só o rosto, que se diz ser o espelho da alma, com sua feição particular — a fisionomia — mas o corpo todo, no seu conjunto pela proporcionalidade das suas formas e por sua atitude nos impressiona; não há quem o não tenha experimentado; e essa impressão é agradável, simpática, ou antipática; mas só a temos em presença de um vivente, criatura humana ou animal; a emoção, que sentimos ante o morto, é mui diversa; é antes um abalo, um choque, um sentimento de repulsão instintiva.
Assim, pois, a alma domina o corpo, envolve-o todo, não está encerrada no seu interior, e até se revela na simples forma de um pé.
As mãos patenteiam de tal sorte a natureza e tendências do espírito que, estudando-as, criou-se a quiromancia, cultivada na antiguidade por sábios e filósofos: Artemídoro de Éfeso; Agripa (Henrique Cornélio) médico, filósofo e historiógrafo; Robert Fludd, médico e filósofo; o sábio jesuíta Del Rio e outros.
É, porém, sem dúvida, a cabeça que mais e melhor mostra a influência da alma sobre seu corpo, com suas bossas e protuberâncias; a face, sede dos músculos da expressão de nossas emoções, tão bem estudadas por Darwin e Duchenne de Boulogne; a boca — larga ou estreita, de lábios grossos ou finos, de comissuras levantadas ou abatidas, cuja forma, finalmente, traduz, exprime uma variedade quase infinita de sentimentos e ideias; a boca forma e emite a palavra; a boca estereotipa esses frementes estados d’alma — o pranto e o riso!
E os olhos que são, por seu brilho e transparência, como uns globos cristalinos, onde se refletem em cambiantes infinitas as emoções da alma. E até o nariz e as orelhas; finalmente, todas as partes componentes do rosto são delatoras das disposições e tendências do nosso espírito.
Lavater, com seus belíssimos e mui interessantes estudos das fisionomias, em que colaborou o grande Moreau de la Sarthe; e, antes deles, Adamantius, médico do século IV; Porta (Giambattista), célebre físico, inventor da câmara escura, que publicou um tratado — De humana physionomia, — em Sorrento, no ano de 1586; Lachambre, médico de Luís XIV; o célebre pintor Lebrun, e ainda outros; Gall e Spurzheim, médicos, criando a frenologia, cultivada depois por Broussais, F. Combe, Vimont e outros; todos eles são intérpretes da ação e da influência e domínio da alma sobre o corpo; todos eles são os precursores no estudo das relações do espírito com o corpo.
Esse estudo só o Espiritismo pode tornar completo, fazendo conhecer o modo por que se estabelecem essas relações e como se formam ou se criam as ligações entre o espírito e seu corpo; conhecimento impossível sem o concurso, sem o auxílio do instrumento — o médium.
O médium vê e descreve os laços fluídicos que ligam o espírito ao seu corpo; e assim, mas só assim e por esse processo o estudo da encarnação pode ser feito.
Sabe-se hoje que o espírito assiste, preside à formação do seu corpo; transfundindo-se, consubstanciando-se nele pelo períspirito — corpo anímico —, molécula a molécula, órgão por órgão, durante a gestação, até completar a evolução fetal; e dele toma posse inteira, absoluta, à natalidade; assenhorando-se então totalmente do barco que aparelhou para navegar o mar tempestuoso da vida material.
Sabe-se hoje; e isso é racional, cala na consciência, sente-se que deve ser assim: é o próprio espírito quem escolhe, depois de demorado estudo na vida espírita — durante a desencarnação — e busca, segundo suas necessidades — de ordem moral e intelectual —, o país, a sociedade, a família, os seus genitores, tudo enfim quanto deva e possa concorrer para o seu progresso.
Assim é ele o principal, senão o único responsável pelas contingências, pelas vicissitudes e dificuldades que o assoberbam durante a vida corpórea.
Por esse modo admite-se que o espírito possa transmitir; se aceita, porque é compreensível, que ele imprime em seu corpo, igualmente com o tipo e a forma, sua feição característica, suas tendências morais e intelectuais, dando mais desenvolvimento ora aos centros afetivos, ora àqueles que servem a inteligência; de onde resulta a diferença de caráter, de gênio e de temperamento que se observa nos indivíduos, desde a infância.
Assim se explicam e se compreendem as vocações; a maior ou menor habilidade para as belas-artes ou para as artes mecânicas; e o porquê se diz, e é exato, que a criatura nasce músico, poeta, artista, comerciante, soldado, advogado ou médico.
Resulta desse fato, provém daí a importância do papel da família na sociedade; e a responsabilidade social dos genitores, a quem incumbe educarem a prole; constituindo o fim principal da educação reprimir, ou ao menos, modificar as tendências perniciosas dos filhos, que cedo se revelam; e acoroçoar e desenvolver as benéficas.
O espiritismo é um poderoso foco de luz, cujos raios atingem as fronteiras da esfera intelectual e iluminam todo o ciclo da vida.
Ele esclarece e justifica as chamadas ciências ocultas, explicando, racionalmente, suas deduções, os porquês da vida astral e física.
A História Universal, a vida dos povos, sua natureza, seu caráter recebem dele a mais viva luz.
E a que se esparge sobre as ciências médicas ilumina todo o seu vasto território, devassando os mais profundos recônditos dos seus domínios.
Na Antropologia, designação que abrange a Anatomia, ciência da estrutura e conformação dos órgãos; a Embriologia, ciência da formação e desenvolvimento do feto; a Teratologia, ciência das anomalias dos indivíduos (os monstros) e dos órgãos (disformidades); o espiritismo revela, desvenda e põe patente sob os nossos olhos o porquê desses fenômenos, sempre desagradáveis; ora estupendos muitas vezes repulsivos.
Ele nos faz ver e compreender o como e o porquê uma emoção perturba as funções do aparelho digestivo, que até certo ponto, isto é, no seu mecanismo íntimo, nos seus processos físico-químicos, são independentes da vontade; e as do aparelho circulatório, que também se efetuam fora desta alçada; e cujo centro — o coração — tem, entretanto o seu ritmo perturbado, e pode imobilizar-se, determinando a extinção da vida física, ao embate de uma emoção violenta e brusca.
Estas funções, como todas as que têm por fim nutrir, reparar, conservar os órgãos, e são por isso denominadas de vida vegetativa, se exercem e operam sob o influxo direto e imediato de uma inervação que lhes é peculiar — o sistema ganglionar, também chamado o grande simpático, constituído por uma série de gânglios nervosos (reunião, grupo de células nervosas) ligados entre si por cordões igualmente nervosos, verdadeiro rosário, composto de 19 a 25 gânglios para cada lado (os padre-nossos do rosário), que se encontra nas cavidades esplâncnicas (região cervical, caixa torácica e ventre), junto à coluna vertebral desde o atlas até o cóccix, circundando-a como um colar ou cadeia sem fim.
Posto que autônomo na sua função peculiar, o nervo trisplânico, ou grande simpático, não só se acha separado do sistema cérebro-espinhal, mas vive sob sua influência, é seu subalterno, está ligado a ele pelos nervos aferentes, cordões nervosos que, partindo dos nervos cranianos e dos raquidianos ou espinhais, penetram — um por um — todos os gânglios do grande simpático, onde se originam os numerosíssimos filetes nervosos que, acompanhando os canais circulatórios — sanguíneos e linfáticos —, envolvendo-os como a hera envolve um muro, e penetrando suas paredes, dirigem-se com eles a todos os órgãos e tecidos do corpo humano.
Nestas condições, só indiretamente os órgãos e aparelhos da vida de nutrição recebem influxo do sistema nervoso cérebro-espinhal, adstrito à vida de relação; pelo que, para explicar a perturbação das funções digestivas e circulatórias, por traumatismo moral, sente-se, reconhece-se a necessidade de outro agente, além dos nervos, capaz de fazer compreender os efeitos de uma ação indireta, remota e, posto que impalpável, tão enérgica, tão terrível que pode fulminar como o raio.
Esse outro agente é o períspirito, — corpo anímico —, constituído de uma matéria etérea, parte do fluido universal selecionado e pertencente a cada esfera ou mundo, e por via do qual o espírito se incorpora, consubstancia-se órgão por órgão, molécula a molécula com o seu corpo, a cuja organização, a cuja constituição e feitura ele assiste e preside semelhante ao pedreiro que amassa o barro, prepara a argamassa, escolhe e afeiçoa o material com que faz o muro e constrói o edifício.
Ao embate de uma paixão violenta, o espírito se conturba, comove-se; o espírito se confrange, o períspirito se contrai necessariamente, mais ou menos conforme o choque é mais ou menos violento, inesperado e cruel; o períspirito contraindo-se diminui o seu influxo sobre a molécula material, sobre a célula orgânica, sobre o órgão, que por isso perde o calor, a energia, a atividade e até a vida.
Assim, desse modo, compreende-se como uma emoção brusca e violenta pode, não só perturbar funções, que se não exercem sob o influxo dos nervos da vida de relação, mas até aniquilar o vivente.
Eis como, com um pequeno raio de luz, o espiritismo ilumina, esclarece pontos obscuros, da Anatomia, da Fisiologia, da Patogênese e da Embriogenia, até hoje imperscrutados; e, sem essa luz, imperscrutáveis.
   o —
Acaba de ver o leitor como a luz, que se irradia dos estudos espiríticos, penetra nos mais fundos recessos de ciências positivas, como são as antropológicas, fazendo achar solução racional para os intrincados problemas de fisiologia patológica e embriogenia.
Supõe, talvez, que aí para a força iluminativa do farol, que é o espiritismo?
Se assim pensa, engana-se, como vai ver; e para convencer-se do seu engano, basta uma digressão pelo campo da Nosologia, onde se encontram principalmente no terreno da Etiologia — um dos mais escabrosos —, os mais difíceis problemas das ciências médicas.
Aqui o auxílio da ciência espírita é inestimável, pelos recursos com que arma o médico para vencer as maiores dificuldades do diagnóstico; pelos esclarecimentos que lhe fornece para explicar a origem de certas moléstias, e também a resistência admirável do organismo às causas morbigênicas.
Em geral, o indivíduo que é metódico, paciente e calmo, que segue uma norma de vida regular e não é atropelado pelo revolutear da sociedade; cuja atividade não é solicitada simultaneamente por uma multiplicidade de coisas as mais disparatadas; esse tal é sadio, tem a vida longa.
As estatísticas da mortalidade pelas profissões são disso a melhor prova.
Para eles singra em mar sereno o batel da vida.
Aqueles, porém, cuja atividade é despertada e instigada, quase incessantemente, por mil objetos diferentes; que vivem contrariados sob a pressão de sentimentos deprimentes; esses são doentios, sua vida raramente é longa; são eles que concorrem com a maior cifra para o obituário.
Esses são os pilotos, cujas naves acossadas pelas tormentas da vida, muitas vezes soçobram em meio da viagem; porque as ondas enfurecidas, que são as paixões, gastaram, exauriram as forças, e com elas a coragem, o ânimo ao timoneiro, que tomba vencido.
A maioria das enfermidades tem suas causas predisponentes no enfraquecimento do espírito, que por seu abatimento, por seu desânimo, não comunica, não transmite ao corpo a vitalidade que nasce da energia.
A alegria é expansiva, ela avigora a circulação, aquece, dá calor ao corpo, anima e robustece o organismo, mantém a saúde, prolonga a vida.
A tristeza, ao contrário, é reconcentrada; ela retarda a circulação, arrefece, tira calor ao corpo, desanima e enfraquece o organismo, arruína a saúde, encurta a vida.
Mas, como os extremos se tocam, e todo o excesso é mau, se a deprimente tristeza é funesta à existência, a alegria, quando excessiva, materializada, nada racional, não o é menos, pode até fulminar.
São os proletários, para quem a vida é mais penosa, mais cheia de contrariedades, os que povoam os hospitais; eles, de cujo seio saem esses bravos, esses destemidos, esses heroicos pilotos, mártires do progresso, cujos nomes, entretanto, a história, rara vez, registra; eles que navegam em busca da verdade, afrontando as sirtes e cachopos do mar bravio que é a vida humana!
— o —
Tendo mostrado e assim feito ver que as conturbações da alma, seu abatimento e desânimo, pelas inúmeras e perenes dificuldades que a assoberbam, quotidianamente, são causas predisponentes às moléstias somáticas, pelo estado de languidez e falta de energia do organismo, para reagir sobre o circunfuso; e nesta designação estão incluídos todos os agentes capazes de modificar o organismo ou alterar a saúde e aniquilar o vivente; quer os de ordem material, quer os de ordem moral — os físicos e os sociais ou sociológicos —; passo a mostrar, tornar visível, palpável, aquilo que, entretanto, já de si é evidente, menos, porém, para os organicistas ou materialistas; isto é que as Nevroses são moléstias da alma, devidas a sofrimento do espírito, ou pura e simplesmente provocadas por espíritos.
Dá-se o nome de Nevroses, em Medicina, a estados mórbidos que consistem em perturbações funcionais, sem lesões materiais nem causas apreciáveis; e que se observam principalmente na vida de relação, mas também na vegetativa.
As nevroses com sede no aparelho digestivo, no circulatório e no respiratório, raramente são impulsivas — isto é, são capazes de dominar a vontade: a Dispepsia, a Asma e a Angor pectoris; aquelas, porém, que afetam a vida de relação, e são constituídas por alterações da motilidade, da sensibilidade ou da inteligência, perturbam, suspendem, alienam a vontade, subjugam a consciência; quase reduzem a criatura humana às condições do bruto, da fera.
As primeiras têm por causa uma alteração de função, dependente ordinariamente de um vício diatésico: o herpetismo, a sífilis, a escrofulose, etc.
As segundas, as que afetam a vida animal, não se filiam a causa alguma orgânica apreciável.
Destas, umas, como a Nostalgia e a Hipocondria, são mera exteriorização de estados d’alma: outras traduzem uma desordem nas relações da alma com seu corpo, como a Catalepsia; outras, como a Histeria, representam estados complexos, misto de desordens psíquicas e intervenção de uma vontade ou atividade estranha, invisível — um espírito —; outras finalmente, como a Loucura na maioria dos casos, são fenômenos espiríticos, são fatos da vida espírita. O doente, neste caso, é simplesmente um médium de incorporação, um possesso, um obsedado.
O fenômeno de possessão (ou incorporação, na linguagem espírita), que significa a possessão do espírito encarnado pelo desencarnado; o qual se apossa do organismo, bruscamente e com violência; ou, lenta e insidiosamente; e de um ou de outro modo na Histeria, é o que constitui o chamado desdobramento da personalidade, que é antes uma duplicação do indivíduo; porque, não podendo a alma separar-se completamente do seu corpo, pois seria a morte; o que de fato se dá é a subjugação do encarnado pelo desencarnado, o predomínio deste sobre aquele; que, não obstante, continua ligado ao seu corpo, na posse dele, posto que contrariado, subjugado.
Isto é admissível, compreende-se; ao passo que o desdobramento da personalidade, como diz o organicista, materialista disfarçado, é inaceitável por absurdo; a unidade é indivisível; o homem é uno, a criatura é indivisa.
A Loucura é, na maioria dos casos, uma obsessão; às vezes, simples alucinação dos sentidos, outras vezes, desordem da inteligência ou perversão do senso moral; outras, depressão, quase aniquilamento das faculdades psíquicas, verdadeiro embrutecimento.
São estados d’alma, devidos à ação mais ou menos direta dos espíritos desencarnados ou mesmo encarnados, influindo sobre as criaturas de diversos modos: desde a simples sugestão — insistente, perene, tenaz —, até a ação direta, enérgica, violenta, provocando os chamados ataques.
O espírito age movido pelo amor ou pelo ódio; sob o influxo de um desses sentimentos, mas dominando sua paixão, ele procura captar a confiança de sua vítima; sua ação é intencionalmente demorada, mas branda; incessante, mas delicada; se, porém, a paixão o domina, a agressão é violenta e brutal.
Assim se compreende e explica-se o porquê das formas tão variadas, quase infinitas, da histeria, desde a simples tristeza ou alegria, sem causa que as justifique, até à abstração, enlevo ou embevecimento e o êxtase até a loucura; desde o estado em que a vítima canta ou dança, grita e chora sem saber por que, até aquele em que, furiosa, rasga as vestes, debate-se e cai por terra, convulsa, em contorções medonhas, horrorosas ou lúbricas; as quais, para serem explicadas racional e satisfatoriamente, só podem ser atribuídas à natureza do sentimento que anima, agitam e impulsionam o espírito agressor ou obsessor.
E assim também se explicam as formas diversas da Loucura, que não podem ser atribuídas a enfermidades do órgão da mentalidade; porque a necropsia, praticada em indivíduos falecidos de moléstias intercorrentes, logo em começo da Loucura, nunca revelou a mínima lesão material do cérebro, sendo certo, entretanto, que se encontram profundas alterações nos cérebros daqueles que sucumbem, após longo tempo de sofrimento pela loucura; o que torna bem patente que tais lesões são efeitos e não causas das perturbações psíquicas.
Estes fatos podem ser observados e analisados por quem quer que seja.
E aqueles que o fizerem sem ideias preconcebidas, sem sujeição a Escolas ou Seitas livres de quaisquer peias, hão de reconhecer sua veracidade.
— o —
Não obstante já ter assim demonstrado, pois julgo havê-lo feito; ou, se o quiserem ter ao menos patenteado a influência, a efetividade da ação da alma sobre seu corpo e a dos espíritos sobre os homens (dos mortos sobre os vivos); quero chamar, quero despertar a atenção do leitor para um fenômeno que manifesta mais clara e positivamente o predomínio da alma sobre seu corpo; esse fenômeno é o atavismo.
O atavismo é a prova evidente de que o espírito cria o seu organismo, preparando, afeiçoando, mais ou menos habilmente, os materiais, segundo suas necessidades, de acordo com o modo ou gênero de vida e condição social a satisfazer, durante a existência corpórea, influi, decerto inconscientemente, sobre o aspecto, sobre a forma ou certa aparência que, no estado de completo desenvolvimento, no estado adulto há de apresentar o seu corpo, ao qual imprime assim involuntariamente sem dúvida, por um processo que é o verdadeiro atavismo, um cunho, certas disposições que aparentam ou trazem a ideia de sexo diferente — um homem de formas e gostos feminis; uma mulher de aspecto e aptidões varonis; ou ainda, o que não é raro, o tipo de um animal e com ele os seus instintos, mais ou menos sopitados.
Este fato tão significativo, tão importante sob este ponto de vista, como prova evidente do atavismo, o é ainda mais, sob o ponto de vista biogênico, porque evidencia, torna palpável a filogênese, isto é, a filiação, o encadeamento das espécies, que formam o reino animal; ele patenteia por um indício claro, manifesto, incontestável, o caminho, o viaduto, a via dolorosa que o espírito percorre na sua marcha evolutiva — genésica: formação, individualização, aperfeiçoamento.
Esse fenômeno, o da conservação ou reprodução, não só de disposições e tendências afetivas — o caráter, gostos, inclinações e aptidões, mas até de certa feição, atitudes e formas —, é o que constitui o verdadeiro atavismo; é ele certamente o efeito, o resultado, o produto, não das causa fúteis que se lhe assinalam, mas de uma causa eficaz, lenta, mas incessante, a qual não pode ser outra senão a modalidade que o períspirito — corpo anímico, corpo astral dos ocultistas — conserva, guarda, retém da forma e do caráter adquiridos em vida anterior próxima ou remota.
No processo de formação, individualização e aperfeiçoamento do espírito estão a razão de ser dos reinos da Natureza; eles são os laboratórios, as oficinas onde se realiza o trabalho ingente e maravilhoso da alma humana.
Cada um dos reinos consta de regiões diferentes, ocupadas por Estados (as espécies) mais ou menos independentes (distintas) e ligadas hierarquicamente (filiadas) dos mais simples aos mais complexos.
A hierarquia depende do número de oficinas; a mais ínfima contém uma única oficina, a mais elevada encerra todas; ocupando-se cada qual com um trabalho peculiar; cada uma executando o seu; as mais ínfimas, separadas e sucessivamente, cada qual por sua vez, uma após outra, a começar pela mais ínfima, até que, criadas todas e constituído o laboratório, passam a funcionar simultânea e sinergicamente, concorrendo todas e cada qual com o seu trabalho, convergindo os seus esforços para um mesmo fim — a criação.
Constituído o laboratório (o vivente) com as oficinas necessárias (as parte componentes do corpo), e estas com os seus maquinismos (os órgãos), ele entra em atividade e funciona sempre incessantemente, enquanto as máquinas funcionam regularmente, e até que não possam mais ser reparadas; a menos que um acidente não venha interromper o trabalho de transmissão do movimento; porque então o laboratório emudece temporária ou definitivamente.
A reprodução, arremedo ou simulacro da estática (formas, atitude, feição), é uma espécie de memória, memória física, retentividade de formas, a qual se pode, ou antes, se deve considerar como transformação, ou melhor, vitalização da força de coesão, que é aquela que conserva, torna permanente a configuração dos corpos; é o atavismo orgânico, corpóreo.
O mesmo fenômeno de ordem dinâmica, reprodução do caráter, aptidões e tendências afetivas e intelectuais é o atavismo psíquico, ao qual se deve reputar como uma espécie de memória, não material, mas mecânica, e, portanto ainda retentividade, que chamarei memória perispiritual, pois que é o corpo anímico que conserva as modalidades de existências passadas.
O reflexo ou reprodução, em uma nova existência, de formas e de caráter, idênticas ou semelhantes às de uma existência anterior, próxima, dá ao homem caráter e formas feminis, e à mulher, caráter e formas varonis.
Fenômeno idêntico se opera em relação à existência remota; e então o homem ou mulher apresenta no seu todo ou em certos traços fisionômicos, o tipo de um animal.
Quer um, quer outro caso, são facilmente verificáveis.
Nem isso é novidade: foi a observação desse fato — notável, mas não extraordinário ou excepcional — que sugeriu a Aristóteles e a Lavater a ideia de conhecer o caráter pelos traços fisionômicos do indivíduo.
Eles acreditavam que as fisionomias, que apresentam certa parecença, tal ou qual semelhança com animais, denunciam inclinações análogas, tendências idênticas às desses animais.

E a observação, sempre e por toda parte, deu-lhes e continua a dar-lhes razão, convertendo uma simples presunção em utilíssima realidade.


Origem, natureza, evolução da alma humana

O corpo é MATÉRIA

O espírito é FORÇA


Síntese Genésica


A seriação é lei universal.
Série de mundos:
Séries materiais — séries espirituais.
Séries de corpos — séries de seres.
Séries de fatos — séries de leis.
Séries de vidas:
Tudo se liga por séries;
É a variedade na unidade.

Corpos e fenômenos, eis o que se nos depara no mundo.
Os corpos são formados de matéria.
Os fenômenos representam movimento; o movimento é produzido por uma Força.
A matéria afeta os nossos sentidos.
A Força se manifesta pelos seus efeitos.
Os corpos têm forma, ocupam lugar no espaço, persistem.
Os fenômenos não têm forma, não ocupam lugar, não permanecem.
Ali, a forma, a duração; aqui, a modalidade, a sucessão.
Os corpos são numerosos, mas limitados; gasosos, líquidos, sólidos.
Os fenômenos são inumeráveis; variam ao Infinito.
O Infinito — no espaço e no tempo — constitui o Universo.
O Universo é o conjunto de todos os sistemas planetários.
O sistema planetário é um grupo de mundos.
Os mundos compõem-se de seres.
Os seres são: uns, puramente materiais, inertes, denominados inorgânicos; outros, chamados orgânicos, não são puramente materiais, são constituídos de outro modo, são ativos, têm vida.
Os seres inorgânicos não têm atividade própria; sofrem, sem reagir, a ação das forças que produzem os fenômenos materiais.
Os seres orgânicos reagem contra as forças externas; têm atividade própria, produzem fenômenos que se denominam funções.
As funções são materiais e espirituais.
As funções materiais são apanágio de todos os seres organizados; as espirituais só se encontram nos animais.
Os animais são seres organizados, cujo organismo produz todos os fenômenos materiais, e exerce todas as funções orgânicas, e ainda outras denominadas de relação.
As funções de relação são o apanágio da animalidade; são funções sociais, puramente espirituais; umas as de ordem moral, que são sempre conscientes; outras as de ordem sensual, carnal, fisiológica, que são puramente animais; as quais são instintivas, inconscientes.
As primeiras, as de ordem moral, puramente espiritual, são o apanágio da criatura humana.
O homem é, portanto, um microcosmo: Matéria e Força, corpo e funções.
A matéria, de que se forma o corpo do vivente, não tem a mesma aparência, o mesmo aspecto, nem a mesma composição da que constitui os corpos brutos; sendo, não obstante, formada dos mesmos elementos; é uma matéria nova, matéria orgânica, matéria vitalizada, criada para formar órgãos.
As forças que operam no corpo organizado, já não são as forças cósmicas, mas forças biogênicas; aquelas não geram funções, só produzem fenômenos de ordem material; estas criam funções e produzem, além dos fenômenos materiais, outros de natureza diversa, denominados vitais, elementos das funções orgânicas.
O corpo é sempre um e o mesmo; tem sua origem na matéria orgânica, metamorfose da matéria cósmica.
As funções são múltiplas e várias; têm sua origem nos fenômenos vitais, transmutações dos fenômenos materiais; estes, produzidos pelas forças cósmicas; aqueles, pelas forças biogênicas.
As forças biogênicas são transmutações das forças cósmicas.
Estas criam a matéria inorgânica e formam os corpos brutos, inertes, sem atividade própria, sem iniciativa.
Aquelas criam a matéria orgânica, de onde surgem os seres dotados de energia, atividade e iniciativa; o que constitui a vida.
A vida é, portanto, a manifestação suprema da força biogênica, que para esse fim cria o organismo, um corpo composto de órgãos.
O organismo é assim o instrumento da vida; é um aparelho que varia ao infinito, desde uma simples peça — a célula vegetal — até a árvore; desde a célula animal — citode, amibo, monera — até o maravilhoso conjunto de peças, combinadas com admirável precisão, dispostas com justeza e na maior harmonia, para satisfazer necessidades diversas, tendentes à realização de determinado fim: a formação de instrumentos da vida — os corpos dos animais.
O animal é, pois, o produto final das forças biogênicas; a manifestação mais completa da força vital, que se encontra no mundo orgânico; a satisfação absoluta dessa necessidade suprema — Necessitas suprema est Lex — a necessidade de expandir-se, de produzir, de criar; que é a essência da Força e poder Criador.
O animal é o microcosmo; em seu organismo, preso ao mundo inorgânico pelos elementos componentes da matéria orgânica, operam as forças cósmicas, produzindo fenômenos materiais — mecânicos, físicos e químicos; operam as forças biogênicas, produzindo fenômenos vitais, cujo objetivo é a conservação do indivíduo e da espécie, tanto animal como vegetal; e por isso tais fenômenos são denominados: funções da vida orgânica ou vegetativa, funções de nutrição e de reprodução.
E assim não só pela matéria, mas também pelas funções orgânicas, o animal se prende igualmente ao vegetal.
Além dessas, porém, o animal exerce e manifesta outras funções, que lhe são peculiares, exclusivamente suas; e que por isso o caracterizam: as funções de relação.
As funções de relação são puras manifestações da vida animal. Elas têm por órgão o sistema nervoso, cuja composição, cuja contextura e estrutura realizam o supremo esforço das forças vitais; é o produto mais elevado da biogênese.
Temos visto que cada nova ordem de fenômenos é o produto de uma nova força; as funções de relação são a manifestação de fenômenos intelectuais, de ordem social, denominados fenômenos psíquicos; eles não podem ser produzidos pelas forças biogênicas, pela força vital.
A força que os produz revela uma qualidade especial: a cognição; um caráter novo: a intelectualidade; uma esfera de ação mais ampla: a sociedade, o mundo; tais são os atributos da força psíquica.
A força psíquica, nova entidade criadora, não deve ser considerada como uma entidade nova, erguida do nada — ex nihilo nihil —; mas, por analogia, como uma transmutação da força vital, a sincretização das forças biogênicas e cósmicas.
As funções de relação, que caracterizam a vida animal, é o apanágio de todos os animais, tanto racionais, como irracionais.
E assim, por esse laço funcional, como pela identidade de organização, acha-se ligado ao bruto irracional o homem, o último elo, neste mundo da cadeia que o poder criador vem formando.
Mas o homem, a criatura humana, se distingue do bruto irracional por seus atos refletidos, pela consciência, pela razão, pelo livre arbítrio e pelo seu engenho criador, que são manifestações de natureza mui outra, que não aquelas que patenteiam os mais inteligentes dentre os irracionais.
Esses fenômenos não podem ser produzidos pelas mesmas forças, que produzem aqueles que se nos observam outros seres; eles devem ter outra causa outra geratriz; porque cada ordem de fenômenos é o produto de uma nova força; essa causa, essa geratriz, essa nova força é o que se chama Alma Humana.
A alma humana é, portanto, a síncrise de todas as forças que operam no mundo; agem e criam; ela é a suma potencial — a síntese das criações originadas do amor eterno, infinito, absoluto — Deus (Grande Foco).
Eis aí a trajetória da Força ab initio ad eternum.
O ciclo evolutivo está completo, até onde pode chegar à inteligência humana, armada com o seu maravilhoso instrumento — a razão, que se deve chamar o criptoscópio.
A nossa razão é de fato e incontestavelmente um criptoscópio, instrumento ou aparelho por meio do qual pode ver o invisível, o oculto, o que não está patente; porque, de fato, é pela razão que nós nos analisamos, que o nosso ser, o nosso espírito, se observa, se estuda, se vê.

Criação da Matéria

Omnis potestas a Deo
Ex nihilo ... nihil

A Terra é o antepenúltimo dos planetas, que constituem o sistema solar.
O processo de sua criação deve ter sido o mesmo, que o dos outros todos; no Universo há e reina ordem; tudo se rege por leis invariáveis; a unidade por princípio, a variedade por fim; aquela é substância, esta é forma.
A Astronomia tem demonstrado que todos os planetas têm a mesma origem — uma nebulosa; criaram-se e formaram-se do mesmo modo, segundo as mesmas leis e pelos mesmos processos; todos saíram da fotosfera solar.
A expansibilidade, sob a ação perene do calórico, vencendo a atração, determinou, produziu a segregação de uma faixa da fotosfera, a mais exterior, que, segundo as leis de atração, coesão e polarização, formaram um agregado cósmico, à que se denominou uma nebulosa; cuja evolução deu em resultado o primeiro planeta do sistema solar.
E assim se formaram, indubitavelmente, todos os outros.
No início, portanto, não existia, por ser absolutamente impossível, por ausência de todas as condições, ente algum, nem mesmo um simples corpo inorgânico.
E, pois, os corpos e tudo quanto hoje se encontra na Terra, aqui se criaram, em virtude e por ação das potências e energias naturais, chamadas forças cósmicas; as quais não são outros senão o calórico que opera a polarização, esta que determinou a atração; e a afinidade, que é um modo particular de agir dessas três forças sincretizadas em uma, a qual cria as substâncias inorgânicas.
A nebulosa está em plena marcha evolutiva.
Cria-se o planeta; fixa-se a órbita em que há de mover-se.
A matéria cósmica constitutiva da nebulosa, expurgada dos átomos que constituíram a parte sólida e a parte líquida, forma a atmosfera terrestre.
A Terra é um ovo; a atmosfera é a casca; a parte líquida é a clara, a parte sólida, a gema; ora, o ovo é uma célula; a Terra é, pois, uma célula, cujo núcleo é a parte sólida; o blastema a parte líquida; a matéria cósmica é o protoplasma; o fluido universal — o éter — é o ambiente, o meio em cujo seio, a Força das forças, o princípio eterno, infinito, absoluto, incompreensível, irredutível, age e opera as maravilhas da criação.
Calórico, polarização, atração, afinidade são, portanto os fatores do mundo inorgânico, que surgiu da matéria cósmica, porção desagregada da fotosfera solar.
A análise da atmosfera revela a existência dos seguintes corpos: oxigênio, azoto, ácido carbônico e vapor de água.
Encontram-se também na atmosfera: emanações de diversas naturezas — gases, poeiras, matérias animais, vegetais e minerais, miasmas e outros eflúvios.
A água é uma combinação do oxigênio com o hidrogênio; líquido denominado água é, pois, um produto químico — o protoxido de hidrogênio.
Encontram-se, porém nele, em solução ou suspensão, todos os corpos simples, em estado de liberdade e combinados.
A água das fontes, a dos rios e lagos, e a dos mares, como a da chuva, é sempre o protoxido de hidrogênio; mas diferem todas entre si pelas substâncias que contêm em maior ou menos proporção, minerais, vegetais e animais.
A Terra, a parte sólida ou o núcleo do planeta, é o produto das combinações dos corpos simples, ou elementares, entre si: o oxigênio, hidrogênio, carbono, e todos quantos a Química tem descoberto.
Está criada a matéria inorgânica; formou-se o mundo mineral.
As forças cósmicas continuam em atividade.
No Universo não há inércia, o movimento é incessante, perene.
A atividade é essencialmente produtora; e as forças essencialmente ativas, agindo sobre a matéria inorgânica, criam a matéria orgânica.

Criação da matéria orgânica

A crisálida tece o seu casulo; é um viaduto sobre o maior dos abismos.
A metamorfose é à base da evolução.

Formando o globo terráqueo pela condensação da matéria cósmica, constando de três partes distintas, mas unidas e superpostas; uma central sólida — a terra —; outra líquida — a água —, envolvendo a primeira 3/4 ou 4/5 partes, de modo a formar com ela um esferoide; e a terceira, gasosa — a atmosfera —, que abrange e envolvem completamente as duas centrais — o globo —; não há aí matéria orgânica; só existem corpos simples e compostos; estes, devido à união daqueles, ligados ou combinados dois a dois, três a três, denominados compostos binários e ternários.
A água, por exemplo, é um binário, composto de dois simples, o hidrogênio e o oxigênio; a ganga — uma pedra porosa, cor de ferrugem —, é um ternário: ferro, carbono e oxigênio.
Não se encontra aí um só composto quaternário, isto é, uma combinação de quatro corpos simples em determinadas proporções — matéria orgânica.
O que constitui a matéria orgânica, matéria dotada de vitalidade, mas ainda não organizada, não é outra coisa senão a combinação química de uns tantos corpos simples: carbono, hidrogênio, oxigênio e azoto que são elementos da matéria inorgânica, e que se unem sob a ação de leis químicas.
Mas é a sua combinação em certas condições, em certas e determinadas proporções, a começar pela do carbono com o oxigênio e o hidrogênio, que prepara que inicia a transição da matéria inorgânica para a orgânica: são esses primeiros compostos que encetam a metamorfose da matéria bruta em substância vital.
Encontram-se no organismo, quer vegetal quer animal, estas substâncias, por isso denominadas orgânicas; e, entretanto, elas são meros compostos químicos, uns azotados, outros não; os não azotados vegetais compõem-se de carbono, oxigênio e hidrogênio, e são a celulose, os amidos, a dextrina, a goma, os açúcares: de cana, de beterraba, de frutos, de leite e glicose.
Todos esses corpos, tão diferentes na aparência e por suas propriedades físicas e químicas, têm, entretanto, a mesma composição atômica; a causa, portanto, de sua diferença, a razão de ser do caráter particular de cada um, deve ser outra que não a combinação química; e não pode deixar de ser a sua constituição molecular, a disposição, o arranjo de suas moléculas, sua estrutura finalmente porquanto fora de relações das moléculas entre si (estrutura), e além dos elementos (os corpos simples) que entram na composição das substâncias, e fora o número de átomos com que cada corpo simples concorre para a criação de uma nova substância, não se descobrem não se atina com outra causa, outra origem de suas qualidades físico-químicas.
Os corpos graxos, a cera, as resinas, os óleos, que são produtos orgânicos, constam dos mesmos elementos, carbono, hidrogênio e oxigênio; tais são: a cânfora, a cerina, o timol, a miricina e outros.
Os ácidos vegetais compõem-se dos mesmos elementos: o ácido málico, o tartárico, o cinâmico, o tânico, o oxálico, o fórmico.
Como se vê, nestas três séries de corpos, constitutivos dos vegetais e seus produtos, a diferença se estabelece pelo predomínio de um dos três componentes sobre os outros; assim: na primeira série predomina o carbono; na segunda, o hidrogênio; e na terceira, o oxigênio.
As substâncias azotadas vegetais são as matérias corantes e os alcaloides.
As matérias corantes, entre as quais prima a clorofila, são compostos quaternários.
A clorofila é o aparelho por meio do qual se opera a metamorfose da matéria inorgânica em substância orgânica; é por ela, mediante a ação da luz, que os corpos minerais se desdobram e formam novas combinações, que constituem a matéria orgânica.
Os alcaloides também são compostos de carbono, hidrogênio, azoto e oxigênio, que faltam alguns: por exemplo, a nicotina, eles são bases orgânicas, que se encontram combinadas com ácidos orgânicos ou minerais.
A análise quantitativa dos alcaloides mostra que sua composição difere muito da dos corpos não azotados; assim: ao passo que a nicotina compõe-se de pequeno número de átomos de carbono, hidrogênio e azoto, e não contém oxigênio; a estricnina contém dois átomos de oxigênio, dois de azoto, vinte e dois de carbono e vinte e oito de hidrogênio, a solanina, alcaloide das solâneas.
As substâncias não azotadas do reino animal são, como as do vegetal, hidro carburetos: a matéria glicogênica e a glicose, que se encontram no fígado, no sangue e no quilo; a inosite, nos músculos; e o açúcar de leito, no leite; a dextrina, no sangue e nos músculos dos herbívoros; e no manto dos tunicários, a celulose.
Nas séries dos ácidos, que são numerosas, citamos os seguintes: ácido fórmico, acético, propiônico, butírico, valeriânico, caprílico, cáprico, palmítico, esteárico e oleico.
Os três últimos destes ácidos, combinados com a glicerina que é um álcool triatômico, formam as gorduras animais: palmitina, estearina e oleína.
A gordura humana é uma mistura de palmitina e oleína; a mistura da palmitina com a estearina produz a margarina; elas se encontram em quase todos os órgãos, tecidos e líquidos do corpo humano.
Encontra-se mais na massa encefálica e nos nervos um líquido oleaginoso, o ácido glicerofosfórico; a colesterina, que também se encontra no sangue e na bílis.
Cumpre citar ainda, entre as substâncias não azotadas, os ácidos: oxálico, sunícino, benzóico e o láctico, que é o mais importante; ele se encontra no leite, nos sucos gástrico e intestinal e também nos músculos.
As substâncias azotadas animais são como os vegetais: corantes, álcalis e ácidos.
As matérias corantes são todos compostos quaternários mais complexos, como a hematina, matéria corante do sangue, a mais importante de todas, em cuja composição só entra o ferro e o enxofre; a bilirrubina, a biliverdina, a urobilina e a melanina que forma o pigmento cutâneo e dá cor aos olhos.
Essas matérias são ricas de hidrogênio, mas o carbono predomina nelas.
As substâncias alcalinas da economia animal são também compostos quaternários, não muito numerosos, cuja composição atômica é inferior à do grupo vegetal idêntico; isto é, o número de equivalentes ou átomos dos corpos simples, que a análise revela em cada uma delas, é muito menor do que aquele que o mesmo processo desvenda nos vegetais.
São elas: ureia que se encontra no fígado, no sangue, na linfa, no suor e na urina; sarcina, nos músculos, no baço, no fígado; guanina, no pâncreas e no fígado; xantina, no fígado, no baço, no pâncreas, no cérebro e nos músculos e na substância nervosa; tirosina, no baço e no pâncreas; leucina, nas glândulas salivares, na tireoide, nos gânglios linfáticos, no pâncreas, no baço, no fígado, nos rins, nas cápsulas suprarrenais e na substância nervosa e outras.
Como se vê, a composição dos álcalis, ou bases orgânicas de origem animal, não é idêntica à dos vegetais, não apresenta a mesma regularidade quanto à proporção dos componentes.
O grupo dos ácidos é menos numeroso do que o dos álcalis; neles se nota mais regularidade na proporção dos componentes, e o número de átomos com que entra o oxigênio é sempre avultado; entretanto, o elemento predominante é o hidrogênio, são eles: o oxalúrico, que se encontra na urina; o úrico, no sangue, nos pulmões, no fígado, no baço, no pâncreas, no cérebro e na urina dos herbívoros; inósico, no suco muscular; glico-cólico e tauro-cólico, ambos na bílis e na urina.
Além desses, encontra-se no organismo o ácido sulfocian-hídrico, na saliva parotidiana, cuja composição difere da de todos os outros.
A análise química descobriu no suor e na urina uma substância sulfurosa que se denominou cistina; e nos pulmões e nos músculos, outra denominada taurina; e nos diversos líquidos, inclusive o esperma, duas substâncias fosforadas: a lecitina e o protagon que ainda não foi perfeitamente determinada sua notação química.
Para completar a enumeração dos elementos que entram na constituição dos corpos, falta apenas indicar os corpos simples na sua totalidade, os ácidos e as bases inorgânicas, também chamadas óxidos; e os sais resultantes das combinações dos ácidos com os óxidos; e finalmente os albuminoides que são as verdadeiras substâncias orgânicas, as bases do organismo animal.
Os corpos simples, que entram na constituição do corpo humano, são: hidrogênio, oxigênio, carbono e cloro, em todos os tecidos e líquidos, e na maioria dos tecidos: enxofre, nas substâncias albuminoides, no sangue, no suco dos tecidos e secreções; fósforo, no sangue, na substância nervosa, nos ossos, dentes e líquidos do organismo; flúor, nos ossos, dentes e sangue; silício, no sangue, na saliva e na bílis, na epiderme, nos cabelos e na urina; sódio, no sangue, em todas as secreções e nos tecidos; potássio, nos glóbulos vermelhos, na substância nervosa, nos músculos e nas secreções; cálcio e magnésio, nos órgãos, nos ossos e nos dentes; lítio, no sangue e nos músculos; ferro e manganês, no sangue, na linfa, no quilo, na bílis, no leite, no suor e na urina; cobre e chumbo, no fígado, no baço, na bílis e nos cabelos.
Os ácidos: clorídrico que em combinação com a soda ou óxido de sódio, forma o cloreto de sódio, o chamado sal comum, tão abundante no mar, se encontra por toda parte do organismo.
Este ácido se acha em liberdade no suco gástrico, onde é o único; o fluorídrico, nos ossos e nos dentes; o fosfórico, nos ossos e nos dentes, na substância nervosa e nos líquidos orgânicos; o sulfúrico, no sangue, no suco dos tecidos e nas secreções; o silício, no sangue, na saliva, na bílis, na urina, na epiderme e nos cabelos.
As bases ou óxidos são as combinações de um dos corpos simples, metal ou metaloide, com o oxigênio ou com o hidrogênio: a soda se encontra no sangue, na bílis, no suco pancreático e na urina; a potassa, nos glóbulos vermelhos, na substância nervosa, nos músculos, nos leite e na maioria das secreções; a cal, nos órgãos, nos ossos e nos dentes; a magnésia, nos líquidos orgânicos, nos ossos e dentes; a amônia, no sangue.
Os albuminoides, também chamados princípios imediatos, são os corpos complexos, em cuja composição entra sempre o carbono, o hidrogênio, o oxigênio, o azoto e o enxofre.
Eles são a base primordial dos organismos; neles se geram as células, que formam os tecidos e todos os órgãos dos vegetais e dos animais.
Os albuminoides são substâncias amorfas, incristalizáveis, e fermentescíveis, inodoras e inspiradas no estado normal; neutras, nem ácidas, nem alcalinas; sob ação dos ácidos e dos álcalis decompõem-se, o que também sucede, sendo abandonadas à ação dos agentes cósmicos, dando pela decomposição os seguintes produtos: ácidos — oxálico, acético, fórmico, valeriânico, fumárico e esparágico; corpos graxos voláteis, leucina, tirosina e amônia.
Os principais são: albumina do sangue; albumina do ovo, caseína, fibrina, vitelina, miosina, globulina, hemoglobina, sintonina, substância amiloide e peptonas.
Dos albuminoides se derivam imediatamente os elementos dos tecidos orgânicos: a gelatina, que é à base do tecido conjuntivo e do ósseo; a condrina e a elastina, que são das cartilagens e outros tecidos elásticos; e a ceratina, dos tecidos epiteliais e substâncias córneas: os pelos, as unhas e o couro.
Como se vê, a matéria, chamada orgânica, resulta, provém, nasce da reunião dos corpos simples, inorgânicos: carbono, hidrogênio, oxigênio e azoto com um átomo de enxofre ou fósforo e mais alguns outros, poucos, combinados entre si, em proporção definida, formando séries de corpos diversos, que se originam de um mesmo ponto de partida e se multiplicam quase infinitos, por ligeiras alterações quantitativas, ora de um ora de outro, de seus elementos componentes, e pela disposição ou agrupamentos de suas moléculas.
Assim, pois, são em número de dezoito os corpos simples, que se encontram na constituição das substâncias orgânicas; substâncias que são matéria dos corpos, que têm crescimento limitado, cujo elemento constituinte tem uma forma variável; são pouco estáveis, de existência limitada, temporária e determinada.
Estes são os atributos da matéria organizável, e dos corpos ou seres dotados do que se chama vitalidade, que é um modo de ser, de existir diverso do dos minerais ou corpos brutos.
Mas, como, por que processo, a que causa se deve atribuir a criação da matéria orgânica?
Vimos que os seus elementos constituintes são minerais, que se combinam, dois a dois ou em número de três, nunca mais, para formar a diversidade, quase inumerável, dos corpos brutos, inorgânicas, cujos caracteres são: o crescimento ilimitado, a forma invariável e persistência ou duração indeterminada.
Esses não são como vimos as condições de existência da matéria orgânica.
Portanto, a causa originária, determinante, a geratriz, a Força criadora da matéria orgânica, da substância capaz de, por sua variabilidade, formar órgãos, deve ter atributos, qualidades, caráter diferente do das forças físicas e químicas — a afinidade atômica, a atração molecular, que são puro efeito, mero resultado da polarização.
A polarização ou imanização é o fenômeno que se opera em certos corpos, por ação do ímã ou magneto, o que lhes dá a polaridade, isto é, orienta a vibração de seus átomos, em sentidos opostos, de modo a formar polos, bipartindo-o igualmente, a começar pela molécula, pelo átomo central, que se torna ponto neutro, tendo uma metade boreal e a outra austral.
Explica-se assim e se compreende a afinidade atômica e a atração molecular.
Mas a propriedade imantadora, a faculdade de polarizar, não deve ser só do ímã, ela deve existir em muitos outros corpos, senão em todos, por que a eletricidade e o magnetismo, de que ela parece ser a manifestação, existem em todos os corpos, em maior ou menor proporção.
Portanto, é lícito concluir destas considerações que todos os fenômenos físicos e químicos têm por causa originária a polarização; que, por isso, é incontestavelmente o agente, o motor das combinações atômicas, e o laço, o elo que prende as moléculas constituintes dos corpos, no mundo inorgânico.
Ora, no mundo orgânico, os fenômenos são os mesmos, isto é, dão-se composições e decomposições químicas, com a diferença de se efetuarem entre certos elementos, em número limitado, e sempre os mesmos, combinados diversamente.
Mas o caráter, as qualidades, os atributos da substância, da matéria que resulta destas combinações, são muito outros, são completamente diferentes dos das combinações químicas, que formam a matéria inorgânica; tais são: a viscosidade, o estado-pastoso, nem sólido, nem líquido; a pouca estabilidade, ou diminuta coesão; o crescimento por intuscepção, e outros.
E, pois, que assim é a causa geratriz, originária, a força criadora da matéria orgânica, dessa substância que, por sua pouca estabilidade, é capaz de formar órgão, células e tecidos; posto que análoga, senão idêntica à polarização, deve ser de outra ordem e de categoria superior; sua energia, sua atividade, produz fenômenos mais variados, mais complexos do que as simples combinações químicas do mundo inorgânico: fenômenos que tendem a satisfazer necessidades de outra natureza; a criação da matéria orgânica — o protoplasma.
O protoplasma, a mater das substâncias vivas, é um produto constituído por carbono, hidrogênio, azoto, oxigênio e enxofre; é o primeiro fruto dessa sinergia, dessa força ou atividade que, tendo a mesma função, a mesma tarefa, visando o mesmo objetivo que a força de polarização, é, não pode deixar de ser, a sua transmutação, a transformação da polarização, coordenadas e enfeixadas —sincretizadas as forças físico-químicas, constituindo uma nova força.
Essa nova força é a fermentação, força fermentativa ou, em linguagem técnica, fermentividade.

Fermentividade

Crescite et multiplicamini

A concatenação, combinação ou composição das forças primitivas — cósmicas e físico-químicas —, sincretizadas, constitui a fermentividade, que, agindo sobre os compostos quaternários, torna-os aptos, dá-lhes capacidade para chamar a si e incorporar mais um elemento — o enxofre —, como na caseína ou mais dois elementos — o enxofre e o fósforo —, como na albumina; e desse modo se produz, forma-se uma substância mole, viscosa, pastosa, nem sólida nem líquida, sem estrutura apreciável, a qual se denomina protoplasma.
Assim, pois, a fermentividade é para a matéria orgânica o que a afinidade química é para as substâncias inorgânicas — a força, o poder criador.
A fermentividade é a evolução da afinidade química; assim como a afinidade química é a transmutação da atração interatômica, que por sua vez o é da polarização.
O protoplasma é, pois, um composto, um agregado, um amálgama de substâncias minerais, ligadas entre si por uma força, que, exercendo uma função, senão idêntica, análoga à da afinidade química que eu denomino afinidade orgânica ou fermentividade.
É no meio líquido, no seio dos mares, nesse ambiente quase vivo; porquanto, o mar como que tem vida; e, se não a tem propriamente, a imita e arremeda, oferece o seu simulacro, apresenta a sua imagem; ele se agita, move-se, palpita, tem vozes; ora brame furioso, atirando-se de encontro aos cachopos, despedaça, destrói tudo quanto encontra; ora murmura apenas, como que geme e chora, quando se lança brandamente sobre as praias, onde se deita sonolento.
É no seio dos mares, disse e repito, onde primeiro se forma, e aparece essa matéria mole, viscosa, pastosa, nem sólida nem líquida, que se chama protoplasma; a matéria orgânica, a matéria vitalizada, o seio fecundo, onde se origina e nasce o germe da vida — a célula; essa matéria diferente de todas as outras até então existentes; essa matéria, cada uma de cujas moléculas representam a união de cinco elementos minerais, ligados entre si, em virtude e por efeito de uma atração, que não é simplesmente mecânica, como a interatômica; nem também puramente química, como a que se denomina afinidade; mas que, por analogia de seus efeitos, deve se chamar, e eu a denomino: afinidade vital ou orgânica: essa matéria, matéria orgânica — o protoplasma —é o casulo da crisálida, é o viaduto lançado sobre o maior dos abismos.
Eis a matéria orgânica.

Formação da célula

A célula é o pórtico da vida. Começa a individualização, a seleção, a coordenação.
A constituição molecular do protoplasma, devida à presença do quinto elemento que lhe conferiu moleza e viscosidade, é a condição para a formação da célula.
Em suspensão no meio líquido, em que se gerou, encontra-se o protoplasma sob a ação das forças gerais primitivas: mecânicas, físicas e químicas; indestrutíveis, permanentes, perenes; ação mecânica do calórico, ação física da atração, ação química da afinidade; e também sob o influxo de uma nova força resultante da conjugação ou síncrise das anteriores, predominando entre elas a afinidade, a qual por isso eu denominei afinidade orgânica.
São, pois, essas forças que, agindo incessantemente, simultâneas e sinérgicas, se sincretizam na força vital para criar a célula.
Entre duas correntes caloríferas, uma que sobe do centro da Terra, outra que desce no raio solar, uma porção de protoplasma se imanta, polariza-se, constituindo um centro de atração; outros e mais outros se formam, cada qual agindo sobre certa zona.
A polarização leva as partículas mais densas a se reunirem num ponto central; forma-se desse modo o núcleo, constituído pelas moléculas mais pesadas, sobre as quais a atração se desenvolve mais pronta e energicamente; a porção menos densa, que fica em torno do núcleo, constitui o blastema, que se mantém, antes da formação da membrana envolvente, graças às forças combinadas de polarização, atração e coesão e à influência dos centros limítrofes; cada um dos quais impera, segundo a sua energia, sobre certa zona, limitada por essas energias dependentes da maior ou menor riqueza de corpúsculos em cada zona.
Eis criada a célula.
Como se vê, não foram outras senão as até aqui conhecidas, agindo sinergicamente, as forças eficientes da criação da célula; mas, esse fato, por sua natureza, não pode ser atribuído a nenhuma dessas forças, operando isoladas ou conjuntas, nem mesmo simultâneas, porém separadas; ora, outras não existem além delas; portanto, para explicar tal fato, de modo consentâneo com a razão, lógica e satisfatoriamente, somos necessariamente levados a apelar para uma combinação ou disposição peculiar, a considerá-las reunidas, congregadas e sincretizadas em uma nova potência, cuja energia, virtude ou modo de agir, diverso e superior, justifica sua existência distinta, que se designa pelo nome de força vital.
A força vital, portanto, é a transformação, a transição por coordenação e síncrise das forças primitivas; e, agindo pelas suas componentes, como ficou exposto, ela cria a célula, o instrumento, o aparelho para a metamorfose da matéria orgânica.
A célula é um corpúsculo microscópico de forma ordinariamente esférica ou oval, constituído por uma matéria mole, viscosa, mais ou menos densa, ora homogênea, ora granulosa — o blastema —, apresentando no seu interior, encerrando ou envolvendo uma parte mais densa, um ponto escuro, o núcleo.
Assim, pois, aquilo que se chama célula, a um arranjo molecular, é uma coordenação dos elementos do protoplasma.
   Como se opera esse arranjo, essa discriminação e coordenação dos elementos do protoplasma?
   A que princípios, a que leis obedecem a matéria orgânica na formação, na criação da célula?
À lei de atração: os corpos se atraem reciprocamente, na razão direta de suas massas e na inversa do quadrado das distâncias, que os separam; à lei de polarização: toda molécula sob a ação de calorias opostas, imanta-se; à lei de afinidade: dado o contato entre dois corpos de eletricidade diversa, eles se combinam para formar um novo corpo; à lei de coesão: os corpos são tanto mais estáveis, tanto mais inalteráveis, quanto menos complexos; são leis gerais a que a matéria obedece nas suas transformações.
O princípio da individualização, oriundo da necessidade da divisão do trabalho, para regularização e aperfeiçoamento da função, rege toda evolução, sem a qual não há progresso.
A célula é o cadinho da evolução.
Todo organismo, quer vegetal, quer animal; os tecidos e os órgãos, que os constituem, compõem-se de células.
Eis o COMO, o PORQUÊ e PARA QUE se cria a célula.
Tal qual se criaram os átomos, pela mesma razão e para o mesmo fim; elementos absolutamente invisíveis e irredutíveis da matéria; eles se reúnem como vimos em virtude da força de atração interatômica, que é feito da polarização, como demonstramos, e fundem-se, combinam-se, formando, constituindo todos os corpos do reino mineral — o mundo inorgânico.
Seguindo as mesmas normas, e convertidas a polarização e atração em afinidade química, que é uma solicitação especial; porque, aqui, já não obedecem aos componentes à mera orientação vibratória, que constitui a polarização simples, em virtude da qual dois átomos quaisquer se reúnem; mas, a uma solicitação de ordem superior, não simplesmente vibratória, mas química; dois elementos compostos diversamente, um eletropositivo, outro eletronegativo, ou um ácido e um óxido entram em combinação para constituir um corpo mais complexo, um sal.
Aqui, a matéria obedece a outra necessidade, a uma necessidade de ordem mais elevada — a criação de corpos de grande estabilidade e resistência, como requer a função a preencher: a formação da crosta terrestre, composta de sólidos e líquidos.
Surgiu depois a necessidade da criação da matéria orgânica, e com ela a formação da célula, o cadinho ou retorta onde se opera a metamorfose das substâncias inorgânicas em matéria orgânica.
Os corpos que têm a propriedade de modificar ou decompor as substâncias com que se acham em contato, sem sofrer alteração, são denominados fermentos, em química orgânica.
Esse fenômeno é reprodução de fato análogo na química mineral, e se chama catálise.
Ora, na química fisiológica ou bioquímica, observa-se o mesmo fenômeno, temos a repetição de fato idêntico, produzido pela célula.
A célula, portanto, é um fermento, mas fermento fisiológico, ela opera no seio dos albuminoides, como o fermento químico sobre as substâncias fermentescíveis.
Como o fermento, que não é modifico em sua constituição, assim também a célula quer vegetal, quer animal, não sofre alteração, e cresce, aumenta de volume e multiplica-se, exercendo ação catalítica sobre os líquidos em cujo seio se formou.
O modo de crescimento da célula não é o mesmo que o do crescimento dos corpos brutos ou não constituídos de matéria vitalizada; estes crescem, aumentam de volume por aposição, aqueles por intuscepção.
Para o crescimento por aposição, uma molécula se reúne a outra, e outra, mais outra, todas da mesma natureza, idênticas todas.
No crescimento por intuscepção, não há uma simples adição, mas consubstanciação, incorporação por absorção da molécula que se pôs em contato com a célula; a qual é aí consumida ou atravessa a camada periférica; e, penetrando no interior da célula, é do mesmo modo consumida ou assimilada.
A assimilação é a primeira função vital, a função primordial aquela por onde começa a vida: é o início de uma série de funções, que, surgindo na célula vegetal ou animal, se incrementam até ao fastígio — a árvore, no reino vegetal; o homem, no reino animal.
O que é a assimilação, como se opera, e que forças concorrem para a sua realização?
É uma função simples, produto de operações complexas, devida a forças diversas, agindo sinergicamente:
Formada a célula, acha-se constituída uma individualidade, um centro de atividade, agindo em todos os sentidos, em virtude da força vital que o agita e impulsiona; força biogênica, sincretização das forças primitivas: mecânicas, físicas e químicas e fermentivas.
Como centro de atração, ela atrai todas as moléculas que se encontram dentro dos limites de sua energia; mas por efeito da polarização, umas aderem, outras são repelidas; aquelas, em virtude da afinidade química, entram em combinações, produzindo compostos diversos: sólidos, líquidos e gasosos; estabelecem-se duas correntes, uma centrípeta, outra centrífuga: início da vida de nutrição; os elementos que entram, são os alimentos da célula; os que saem, são os excretos, os resíduos.
A célula cresce, desenvolve-se; e obedecendo às mesmas forças, em virtude das mesmas leis, multiplica-se por efeito da assimilação.
A multiplicação das células promove, determina agrupamentos diversos, de que resultam as mais variadas combinações de formas, e com elas os diferentes tecidos de que se compõem os organismos; são fenômenos de individualização.
Temos até aqui estudado a evolução da força pari-passu, com as metamorfoses da matéria; precedendo sempre, a análise das transformações da matéria, às transições das forças, pelo que a muitos parecerá que a transição da força é efeito da transformação da matéria.
Antes de passar além, lembro aos que assim pensarem que o fenômeno primordial é a polarização, efeito do calórico, que é a força inicial; e a coesão, atração, afinidade e fermentividade são transições de polarização, como foi demonstrado; e que a causa precede necessariamente o seu efeito.
Só a necessidade da clareza de exposição, para a compreensão de fenômenos de ordem metafísica, já obriga a tratar do fato antes da pesquisa das causas e do seu mecanismo; além de que essa é a marcha da análise. Demais, a matéria é o palco, o cenário, onde se desenrolam as peripécias, o enredo da peça — a criação.
Vimos que a polarização é efeito do calórico: ela produz a atração, a coesão e a afinidade química; estas, reunidas e agindo sinergicamente, são a força vital, que cria uma substância de consistência diversa da de todas as outras, formadas até então; e a cria pela junção de mais um elemento aos quatro, sobre os quais vinham operando aquelas forças; a essa substância se denominou protoplasma, matéria orgânica em cujo seio se gera a célula, corpúsculo oval, germe, origem, início dos seres organizados, dos dois reinos da Natureza — o vegetal e o animal —, em que se manifesta a vida.
No processo de formação da célula, como foi exposto, não agiram outras forças senão a polarização com os seus desdobramentos — atração, coesão, afinidade química; assim, pois são elas mesmas e não outras que, reunidas e sincretizadas, se convertem em força biogênica — FORÇA VITAL.
A força vital é, portanto, a sincretização das forças primitivas, forças universais.
Vamos acompanhá-la em sua evolução; e veremos: como ela se desdobre em tantas forças secundárias, quantas são precisas para satisfazer as necessidades de seu desenvolvimento; as quais se convertem, por sincretização, em FORÇA PSÍQUICA, síntese suprema da vida na Terra.

Tríade vital

Assimilatividade
Motricidade
Sensitividade

Criada a célula, ela opera como um fermento no meio em que se gerou; surge com ela um novo processo de transformação da matéria, é a Fermentação.
Na matéria inorgânica, era criadora das combinações químicas — a afinidade; na matéria orgânica, é a fermentividade a geratriz das metamorfoses da matéria; lá, era a simples afinidade química; aqui, as solicitações não são determinadas pela simples atração ou repulsão, promovidas pela polarização; aqui, a força vital, sincretização daquelas forças, criou um aparelho, a célula, cujos elementos constituintes têm certa ordem de colocação, certa disposição, formando partes distintas de um todo; é a individualização que começa; é a divisão do trabalho, que se impõe desde a origem da vida.
No limite da célula, estabelecido não só pelo grau de sua energia, mas também pela oposição, criada pela potencialidade das células vizinhas, forma-se uma membrana, cujo papel, cuja função, cujo fim, é impedir a passagem, para o interior da célula, de quaisquer elementos; é um meio de seleção.
Esta membrana é, pois, o instrumento da diálise.
A diálise é o processo de separação, discriminação ou seleção dos elementos em dissolução ou suspensos nos líquidos.
Estabelecem-se duas correntes: uma de fora para dentro, denominada endosmose; outra de dentro para fora da célula — exosmose; aquela leva os ingesta, esta traz os excreta.
É o início da vida de nutrição.
Os elementos, que penetram no interior da célula, entram em combinação com os do conteúdo — o blastema; e formam compostos, que vão incrementar a célula; a isso se denomina, em biologia, assimilação.
É esse o primeiro ato, o primeiro fenômeno propriamente vital, é o primeiro ato funcional de um organismo.
Temos assim o pórtico das funções da vida vegetativa, que denominaremos assimilatividade—, ou capacidade de consubstanciar, força de absorção e conversão do elemento absorvido na própria substância do corpo absorvente, nos seus constituintes.
A assimilatividade ou força de consubstanciação faz crescer a célula; com o crescimento, que não pode ser ilimitado, pois obedece a certas e determinadas condições (limitação da zona de influência do núcleo, disposição ou arranjo molecular), a célula divide-se e subdivide-se, multiplica-se, reproduz-se.
Com a divisão e multiplicação da célula, a força vital, que se fez assimilatividade, para conservação, nutrição e reprodução da célula, converte-se em motricidade, capacidade de mover-se, faculdade de movimento, potência motriz.
Um tentâmen, um ensaio, os primeiro lineamentos da função fizeram-se com a osmose, que é uma dupla corrente; e, portanto, movimento de moléculas, determinado pela diferença de densidade entre o conteúdo da célula e o ambiente; fato devido à existência da membrana envolvente da célula.
O movimento é, portanto, na essência um fenômeno de atração e repulsão; e por consequência um efeito, uma resultante da polarização.
As células se deslocam, movem-se, solicitadas umas pelas outras, em virtude da polarização; se aglomeram, reunindo-se e aderindo pelos polos, o positivo desta com o negativo da outra; as correntes eletromagnéticas se tornam mais intensas, cada célula é uma pilha; novos agrupamentos se formam, e com eles outros tantos centros de polarização, cuja energia depende do número e do volume dos componentes.
A esta circunstância se prende a forma de cada um dos agrupamentos, assim como a disposição, arranjo ou colocação dos elementos.
E desse modo se forma os diversos tecidos; é a individualização, é a divisão do trabalho que se acentua mais, com a criação de instrumentos melhor afinados, mais bem dispostos, apropriados ao desempenho de novas funções.
A disposição das células, em forma circular ao redor de um centro, prepara a contratilidade ou retratilidade, início do movimento de deslocação, para o qual também concorre a modificação do ambiente; modificação determinada pela absorção dos elementos assimiláveis; o que estabelece o enfraquecimento e a cessação da corrente endosmótica, ao passo que a exosmose continua, mantida pelos fenômenos bioquímicos, que se realizam no interior das células.
Cessada a corrente centrípeta ou endosmótica, a centrífuga ou exosmótica continuando, dá-se a formação de núcleos, que operam como centros de atração, de onde resulta a divisão da célula, sua multiplicação ou reprodução.
E assim se inicia a grande função da reprodução dos seres; cujo intuito é a conservação da espécie.
Como se vê, do que fica exposto, todas as funções, que constituem a vida orgânica de todos os seres, tanto vegetais como animais, se acham esboçadas na célula.
A célula é o pórtico da vida.
A função primordial, sem a qual a vida é impossível — a nutrição começa por um processo quase puramente mecânico, a osmose, seguida de embebição e transformação dos elementos hauridos de um ambiente limitado; e assimilação dos produtos dessas metamorfoses químicas; de onde resulta o aumento de volume da célula, o seu crescimento por intuscepção; o que determina a formação de centros de atração no interior da célula; e, como consequência, a sua divisão ou fragmentação em tantas outras, quantos são os centros ou núcleos, que se constituíram.
E assim multiplica-se, reproduz-se a célula.
A nutrição conserva o indivíduo; a reprodução conserva a espécie; esta função é a evolução daquela.
A vida vegetativa toda termina aí o seu ciclo.
Vejamos agora a gênese das funções animais, começando por notar: que a principal, aquela que precede todas as outras, serve-lhes de substratum, lhes dá origem, é a sua geratriz, o ponto de partida da vida animal — a sensitividade.
A sensitividade, que há de converter-se em sensibilidade e depois em sentimentalidade, é a animalização da Força vital; do mesmo modo que a assimilatividade foi a vegetalização, e a fermentividade foi a vitalização por crase (contração) e síncrise (passagem, transição) das forças físico-químicas, efeitos, modalidades — elas mesmas — da polarização, que a seu turno provêm do calórico.
Um ensaio de sensitividade já se nos revela na célula, antes mesmo de se estabelecer a diferença entre a célula vegetal e a que há de ser a geratriz do reino animal.
Analisando detida e profundamente o processo da assimilação, nota-se a faculdade que a célula tem de discriminar ou escolher, entre os elementos atraídos, aqueles que podem ser assimilados.
Essa discriminação, essa escolha é precedida dos seguintes fenômenos: os corpúsculos, obedecendo à lei da atração, aproximam-se da célula, se põem em contato com ela; esse contato provoca ou determina uma vibração, que se transmite da membrana envolvente ao conteúdo, produzindo ondas, que ou extinguem-se ou repercutem do centro para a periferia; no primeiro caso, o contato é simpático, a impressão homeopática, o elemento adere e é assimilado; no segundo caso, o contato é antipático, a impressão, alopática, o corpúsculo é repelido.
Eis aí bem delineada, clara e vivamente desenhada a imagem da sensação, como se efetua no organismo o mais complicado; somente aqui, os traços são mais vigorosos, o colorido mais vivo, há a diferença que se nota entre o esboço e a obra completa.
Assim, pois, a sensitividade, que é a primeira manifestação vital perceptível, começa na célula.
O característico da animalidade, aquilo que destaca, separa, distingue o animal do vegetal é o movimento.
O vegetal se fixa ao solo, prende-se a ele, estreitamente, de tal sorte que, mui raramente não morre onde nasceu.
O animal não só não se fixa, nem mesmo se prende ao território onde nasce, mas desloca-se, move-se; quase nunca se extingue onde primeiro viu a luz.
O germe dessa função ou faculdade, que é privilégio da animalidade, se encontra na vibratilidade, efeito, como já vimos da polarização aplicada a elementos cuja imantação ou força de atração não é tão enérgica como nos sólidos, nem tão fraca como nos fluidos; do que resulta certa instabilidade, que cria o estado pastoso.
É esse estado pastoso, com a sua viscosidade, a condição do movimento; o instrumento criado pela força vital para realizar o movimento.
Assim, pois, o movimento, ou melhor, um ensaio, um tentâmen, um vislumbre dele já existe no protoplasma, é a contratilidade.
E, se se atender a que ele é, na origem, um efeito mecânico, não estaremos afastados da verdade, atribuindo-o à força primordial — o calórico.
Dessa análise resulta que a nutrição, a sensibilidade, o movimento — a tripeça da vida — surge no protoplasma; sendo para notar que o movimento — distintivo da animalidade — vem de mais longe, surge antes da sensibilidade e esta vem primeiro que a nutrição; a qual, entretanto, é à base da vida.
Nutrição — assimilatividade ou força de assimilação; sensibilidade — sensitividade ou força de percepção; movimento — motricidade ou força de deslocação; são desdobramentos da força vital; são os instrumentos postos a serviço da célula para o seu desenvolvimento.
Desdobrada nessas três poderosas alavancas, a força vital cria a vida vegetativa; trabalho preparatório para obra de maior valor; andaime, escada para construção de edifício destinado às mais altas funções.
Durante o quartel desse exercício propiciatório, chamemo-la força fitogênica.

Força biogênica

Formação dos seres

Se autem genuit.

O aparecimento dos vegetais e dos animais, na superfície da Terra, realiza-se, como se vai ver, do mesmo modo, pelos mesmos processos e em virtude das mesmas leis, sob cujo influxo surgiu do seio da matéria cósmica, o reino mineral.
O calórico produziu a polarização; esta é a base fundamental, a origem da atração, que agindo permanentemente constituiu a coesão; e todas reunidas, operando simultânea e sinergicamente, formam a afinidade química; que é a operária do reino mineral, a geratriz do mundo inorgânico.
Foram essas forças — pois que tudo quanto manifesta energia, age e reage, produz quaisquer efeitos, se chama força; foram essas forças — físicas e químicas — que, do seio da nebulosa, a antepenúltima que se desprendeu e separou-se do foco de energia e centro de vida, denominado o Sol, tiraram o elemento árido — a terra, e o elemento líquido — a água, distintos um do outro, diferenciados por sua constituição, separados por sua natureza, mas jungidos pela força de atração; e criaram o globo terráqueo.
Formado o planeta, aquelas forças, que como tais, são sempre ativas, continuaram a operar sobre os elementos retirados da matéria cósmica, que se foi rarefazendo até ficar reduzida às condições de uma mistura permanente de gases, de que se compõe a atmosfera terrestre.
A parte mais densa, mais pesada, o elemento árido, ocupou o centro, por efeito da atração; a imediata em densidade, o elemento líquido, em consequência da fraca coesão de seus componentes, o que lhe dá fluidez, formou os mares, os lagos e os rios, que ocupam as anfractuosidades, as partes baixas do núcleo do globo.
A vida não podia surgir indiferentemente, em qualquer das três partes componentes do planeta; porque, para a realização de um fato, de um fenômeno, de qualquer coisa enfim, são precisas condições apropriadas, faz necessário um meio adequado.
Essas condições, esse meio adequado não se encontrava, nem na atmosfera, por sua demasiada instabilidade, tampouco no núcleo do globo terráqueo, cuja consistência, cuja dureza, ou antes, fixidez e imobilidade de seus elementos, é um empecilho às transformações, e oferecem excessiva resistência à ação da força biogênica, que, embora constituída pela síncrise das forças cósmicas, não tem o mesmo poder; assim, pois, a vida só podia seguir o meio líquido.
No seio vastíssimo das águas, sob o influxo das mesmas forças e em virtude das mesmas leis, formaram-se inumeráveis porções de matéria vitalizada, substância biogênica — o protoplasma dos filósofos naturalistas.
As células, que se criaram em cada um desses laboratórios de vida, são em número infinito, mas iguais, idênticas todas; todas sem nenhum atributo, sem nenhuma qualidade que as distinga uma das outras.
Estamos em território neutro; é o chamado reino dos protistas; nem plantas nem animais.
A diferenciação há de fazer surgir dessa multidão os dois grupos de seres, que manifestam a vida ou pelos quais a vida se revela no mundo.
Por um simples artifício, que resulta de uma ação química, se estabelece a diferenciação; as células de um grupo, agredidas por um raio de luz solar, se aquecem, se imanizam e atraem moléculas de ferro, cuja absorção, cuja assimilação confere ao protoplasma a propriedade, a faculdade geratriz do reino vegetal.
Causas diversas, físicas, mecânicas, de origem eletromagnética, e outras concorrem para a realização de tal fato; a circunstância de se encontrarem, no meio em que flutua o protoplasma, átomos de ferro; e a disposição das células, aí geradas, cuja polarização desperta a sua afinidade para absorver e assimilar o ferro, são condições; as causas eficientes são a atração e a afinidade, às quais precede e excede a necessidade da criação do reino vegetal.

Força fitogênica

Alma da planta

Todo vivente tem alma:
A alma é o motor, a diretriz, o agente, o que preside.

As células, que absorveram e assimilaram ferro, é a origem do reino vegetal; elas dão nascimento às algas, ponto de partida, tronco de onde saíram todas as plantas, que hoje se estendem, numa variedade quase infinita, por sobre a terra envolvendo-a num manto de verdura.
As células, cuja disposição eletromagnética não lhes deu a afinidade necessária para assimilação das moléculas de ferro, dão nascimento aos cogumelos, verdadeiros parasitas do reino vegetal; eles não gozam da faculdade indispensável ao preparo do seu alimento; não podendo desdobrar ou decompor os compostos inorgânicos, que se encontram no seu ambiente, não só não se desenvolveriam não se propagariam ou reproduziriam como até mesmo se extinguiriam a míngua de nutrição.
Caso estranho, inexplicável! Vegetais, eles o são incontestavelmente; nutrem-se, entretanto, como os animais; alimentam-se, absorvendo substâncias imediatamente assimiláveis!
Coisa estupenda! Alimentam-se como o animal; são fixos como o vegetal; geram-se e vivem no seio de substâncias orgânicas ou materiais em decomposição; morrem onde nasceram!
Admirável processo de diferenciação! Pela simples adição de uma molécula de ferro às moléculas de carbono, hidrogênio, azoto e enxofre, que reunidas e combinadas em certas proporções e dispostas de certo modo, constituem a matéria vitalizada, se cria o germe, forma-se o início do mundo vegetal!
Para a transição do mundo inorgânico para o orgânico, bastou a adição de uma molécula de enxofre; para a criação do reino vegetal adiciona-se aos cinco elementos congregados e consubstanciados em uma nova entidade — o protoplasma — um único elemento, uma molécula de ferro; e forma-se e cria-se o instrumento, por meio do qual a célula, assim constituída, vai agir sobre o ambiente, decompondo os corpos inorgânicos, desdobrando-os e transformando-os em substâncias orgânicas!
Admirável de simplicidade e de grandeza!
A exposição do desenvolvimento do reino vegetal em sua marcha evolutiva, acompanhando a força vital em seus processos para a criação dos órgãos e aparelhos, mediante os quais realiza as operações, cada vez mais complexas, para satisfazer as necessidades que surgem de sua marcha ascendente, na formação dos degraus da escada por onde caminha para a perfeição; além de não ser de absoluta necessidade para a demonstração da tese — a alma humana, o Espírito é a evolução da força —; seria longa e fastidiosa.
Demais, se o reino vegetal precede o animal, como vivente; este não procede daquele, senão indiretamente.
O reino vegetal tem a sua razão de ser, como um modificador do meio cósmico; é o ensaio dos processos biogênicos.
Deixemos, pois, a força vital no seu ingente trabalho de criação do reino vegetal, em que vires acquirit eundo; no qual avigora e aperfeiçoa as três alavancas — nutritividade, motricidade, sensitividade — que maneja nas suas operações; e passemos a observá-la em sua evolução animal.
O chamado reino dos protistas consta de corpúsculo microscópico, invisível a olhos desarmados, nem vegetais nem animais, porém células; algumas dentre elas agitadas, dotadas de vibração, como se uma corrente eletromagnética as percorresse; outras imóveis, paralisadas, como se nenhum fenômeno se operasse nelas, como se nenhuma força as agitasse.
A observação atenta e paciente verifica que aquelas, as vibráteis, se fixam e desenvolvem-se, dando nascimento a corpúsculos idênticos as segundas, as imóveis; ao passo que estas, evoluindo, dão nascimento a corpúsculos idênticos às primeiras.
A diferenciação ainda se não operou.
A incorporação, como vimos de um átomo de ferro a uma célula, basta para convertê-la em célula vegetal.

A célula, que não absorve, não incorpora ferro, deve ser a geratriz do reino animal. E assim se estabelece a diferenciação.



Força zoogênica

Alma animal

Ela é para a alma humana o que o embrião é para o homem.

A natureza é simples em seus processos e fecunda nas suas criações; não se precipita; caminha a passos lentos, mas seguros e uniformes; passa de um extremo a outro, de um hemisfério ao oposto, suavemente, como deslizando; sem abalos, sem sobressaltos —; branda, calma, engenhosa, inventiva; faz das trevas luz — ex fumo lucem; passa do frio ao calor — a frigore ad calorem; do espiritual ao material — ex spiritu ad materiam; do éter ao universo — ab oethere ad universum.
É assim que da pequena porção de matéria glutinosa, um glomérulo — amibo, citode, monera, empregando os processos mais simples, forma e faz vir à luz a criatura humana!
É para isso que se esforça e trabalha a natureza, o poder criador, a Força; porque é sua essência; é condição de sua existência: agir, produzir, criar.
Formados os instrumentos, de que a força biogênica necessitava para criar o aparelho de redução, indispensável à modificação do meio ambiente: a sensitividade, a motricidade e a nutritividade, em cuja feitura entraram as forças primitivas — cósmicas físicas e químicas: a força biogênica, aperfeiçoa, desenvolve e avigora os instrumentos, elaborando o reino vegetal, em cujo trabalho sua investidura, sua feição é a filogênese.
Preparada a tripeça da vida, a força biogênica constitui-se, arma-se em força zoogênica, agindo na célula, que se não incorporou uma molécula de ferro, e onde ela jazia inerte, inativa, enquanto a fitogênica lhe preparava o meio ambiente.
Pondo em jogo as suas alavancas — sensitividade, motricidade e assimilatividade, o amibo, o citode, a monera se desenvolvem, crescem e se transforma, ou antes, o que é mais conforme a verdade é transformada pouco a pouco, em organismos policelulares, segundo nô-los faz ver o sábio Professor Haeckel nas suas obras — a Criação e Antropogenia.
Não sendo o meu intuito demonstrar a evolução dos organismos, mas a da Força que os cria, rege e anima, remeto o leitor destas páginas, curioso e cheio de ambição de conhecer a evolução dos corpos organizados, às obras do ilustre Mestre, o mais coerente dos materialistas; e sigo o meu rumo, visando o invisível com o meu criptoscópio, esse maravilhoso instrumento, mais poderoso do que o telescópio; aparelho para devassar os mistérios; e assim consigo penetrar nas regiões até hoje vedadas, nunca antes perlustradas pelas inteligências, ao menos que eu saiba.

Gênese da alma

A unidade supõe a continuidade.
A correção das forças implica, impõe a sua unidade.
A metamorfose da matéria é consequência da lei de continuidade.
A sincretização das forças é consequência da lei de correlação.

A natureza do problema cuja solução busquei e venho apresentando, é de tal transcendência que, até hoje, ninguém ousou, que eu saiba ainda ninguém intentou, sequer, formulá-lo e considerá-lo de ânimo resoluto.
               O que é a alma humana? Qual a sua origem? Como se formou? Gera-se com o corpo? Já existia? De onde vem?
São interrogações que se levantam diante dos homens cultos, hirtas, horripilantes, quais íngremes montanhas de gelo, que ninguém pensa escalar, porque parece impossível realizá-lo.
O impossível está sempre diante da fraqueza humana.
   Mas, quantos impossíveis o gênio do homem tem vencido?
O que é a vida, senão uma luta, sem tréguas, com o impossível?
A vida é impossível sem o fogo; a criatura humana descobre o meio de produzir o fogo.
Era impossível transpor os mares; o homem venceu os mares.
Quantos impossíveis se erguem ante o homem, são todos outras tantas batalhas a vencer.
O progresso representa uma série de vitórias incruentas; a civilização, os despojos opimos.
A ciência, as artes, a indústria são conquistas, representam assinalados triunfos do espírito humano.
Mas aquele que primeiro tenta vencer um impossível, desvendar um mistério; esse é tido por visionário, utopista, senão apontado como insensato.
Parece-me, pois, que com a publicação deste trabalho, em que, respondendo àquelas interrogações, abordo o mais temeroso problema humano, estou a conquistar, na opinião dos meus contemporâneos, um posto naquelas fileiras, fazendo jus aos qualificativos com que se costuma brindar aqueles que nelas militam.
Oxalá... porque sic itur ad astra.
Seja como for, aconteça o que acontecer, importa galgar os degraus da escada que nos transporta às alturas.
As soluções, até hoje dadas, são antes respostas evasivas, começando pela dos teólogos, que respondem com a Bíblia: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança; mas fê-lo de barro, e, bafejando-o, deu-lhe alma e vida; depois o adormeceu, e arrancando-lhe uma costela, fez a mulher.
Como essa afirmação é pueril, inverídica, falha de senso e contrária às leis naturais para aquele que observa, analisa, aprecia a natureza, estuda-a em todas as suas manifestações, e tem sempre assestado, entre o seu Eu e o mundo externo, esse instrumento maravilhoso que eu denominei criptoscópio, ante o qual passam todas as coisas, todos os fatos, todos os fenômenos.
A criação do homem e da mulher, segundo o gênesis, é profundamente ridícula. Observe-se o absurdo: O Grande Foco (Força Criadora) fazendo operar, como qualquer cirurgião, a tal ablação de uma costela de Adão, operação por demais hospitalar e pueril para ser aceita.
O erro, a tolice, começa pela primeira frase bíblica que diz que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança.
Ora, toda imagem é limitada, por ser a representação, a cópia, a reprodução de uma coisa, de um objeto, de uma figura, enfim.
Essas duas expressões, portanto — imagem e semelhança — não podem ser tomadas a sério, com relação a Deus (Grande Foco).
Ele é infinito. O que é infinito não é limitado. O que não é limitado não tem figura, não tem forma e não pode formar imagem.
Semelhante ao infinito, só o infinito!
Deus — o Grande Foco, como o queiram chamar, não tem forma, mas os espiritualistas o veem e sentem em toda parte, nas mínimas coisas que se apresentam à sua visão e percepção.
O homem, espírito e corpo, é o microcosmo e representa o Universo em miniatura, porque é constituído dos mesmos elementos.
Deus é, na essência, puro espírito a animar o Universo. O espírito humano, partícula sua, anima o seu corpo.
Deus é eterno. O espírito humano é imortal
Deus é onisciente. A criatura humana é inteligente.
Deus é onipotente. O espírito humano possui vontade.
Deus é absolutamente livre. O espírito humano tem livre arbítrio.
Deus é Criador onisciente, onipotente, eterno, infinito. O espírito humano é criador inteligente, volitivo e também infinito. (*) Atribuir, porém, a Deus a figura material do homem, não é só um absurdo, é profundamente ridículo.
As doutrinas e teorias metafísica, (inclusive a bíblica) dos teólogos e filósofos, acerca da origem e natureza da alma, são de tal sorte anagógicas e infundadas, que não merecem discussão.
E assim também as teorias materialistas, que nem admitem a existência da alma, confundindo fenômenos anímicos com funções cerebrais.
Fiz essas considerações, que julguei indispensáveis ou ao menos convenientes, como um ligeiro retrospecto, para servir de elo entre o passado e o futuro; também para exteriorizar, como um refletor, as emoções de meu espírito previdente, assistindo, como observador antecipado, às peripécias que o embate destas teorias e doutrinas hão de provocar, em todos os arraiais, desde os materialistas até os espiritualistas.

(*) A expressão “Deus”, usada pelo Dr. Pinheiro Guedes, não deve ser tomada ao pé da letra como significando um ser individualizado. Deus, se assim o quiserem denominar, nada mais é do que a Inteligência Universal ou Grande Foco.

Força psíquica

Alma humana

Desvenda-se o mistério da criação de Ashaverus, o eterno viajante.
Tudo se cria; nada se aniquila.
A alma é imortal: o espírito, eterno viajante.

A Força psíquica, transmutação da zoogênica em que se converte à biogênica, para criar o reino animal, depois de ter sido força vital, quando criou a matéria orgânica, como demonstrei, desdobra-se, desenvolve-se, multiplica-se; vai adquirindo vigor, à medida que avança na construção dos instrumentos, com que há de erguer o edifício, o monumento, que é o corpo humano.
Pela assimilatividade, uma das alavancas com que trabalha a força zoogênica, o organismo monocelular aumenta de volume, cresce e multiplica-se como ficou demonstrado; e assim, pelos processos que expus, se criam os organismos policelulares.
Aí a sensitividade cria o tato; o primeiro e o mais geral de todos os sentidos, o único que se encontra nos animais inferiores, os protozoários.
A motricidade cria a locomoção; a princípio simples deslocamento por ondulação ou propulsão, por saltos, como nos animálculos infusórios, bactérias e outros; depois a verdadeira locomoção, como nos animais superiores, passando sucessivamente por todas as gradações, até atingir a perfeição, como no homem.
A força psíquica é, na essência, a sensitividade inteligenciada. As duas outras alavancas zoogênicas — assimilatividade e motricidade são apenas auxiliares prestimosos; esta vai buscar os elementos, que aquela afeiçoa e congrega.
Assim, pois, a sensitividade, que é a polarização vitalizada, criado o tato, primeiro e o mais geral de todos os sentidos, base inicial dos outros todos, vai dotando o organismo com os aparelhos necessários à sua conservação e aperfeiçoamento: a visão, a audição, a olfação e a gustação, que são simples modificações do tato; são tatos especiais, criados pela necessidade orgânica ou vital de receber a impressão das diversas ordens de movimentos, produzidos pela variedade infinita das vibrações do éter, de que o organismo se apercebe gradualmente; não sentindo, a princípio, senão as mais intensas ou as mais grosseiras, de que o tato dá conhecimento.
Não sei, ao certo, qual dessas modificações do tato precede as outras; pela observação direta não se pode saber; pois que os rudimentos dos aparelhos da visão e da audição se encontram nas medusas, e até em alguns infusórios, posto que não reunidos no mesmo indivíduo.
Os aparelhos da olfação e da gustação também estão no mesmo caso; são menos distintos nos animálculos, sendo, entretanto os vigias na nutrição.
Mas, refletindo sobre as condições das funções a preencher e sobre a urgência das necessidades a satisfazer, julgo pelo que o criptoscópio me faz ver, que a urgência da visão, sendo maior, mais instante, porquanto ela fornece maior soma de elementos instrutivos, além de que as vibrações luminosas são mais constantes e mais excitantes do que as sonoras; a visão deve preceder a audição.
Cumpre ainda notar, em virtude das ponderações — quanto à urgência das necessidades a satisfazer e quanto às condições da função —, que o criptoscópio — a nossa razão — nos induz a proclamar que a gustação e a olfação precedem a visão e a audição; porquanto estas funções se prendem à vida orgânica, são as sentinelas da nutrição; obedecem à inervação ganglionar, a que não estão imediatamente sujeitas a audição e a visão.
Criados os aparelhos destinados à conservação do indivíduo e da espécie; providas a nutrição e a reprodução; a força psíquica, manejando as suas alavancas, preparou os instrumentos com que se apercebe dos fenômenos, que se operam fora do organismo, mas atuam sobre ele; e os criou à medida que a necessidade se fazia sentir pela repetição insistente das mesmas impressões.
É assim que a necessidade cria a função e esta o órgão que a exercita.
E tanto é assim, tanto é certo que a necessidade cria a função, e esta o seu órgão, que os protistas exercem as suas funções sem órgão; eles não têm nervos.
Provido o organismo dos meios de manter-se e reproduzir-se e também das condições para aperceber-se do que se passa fora, no ambiente, no mundo externo; criado o nervo ganglionar, o futuro grande simpático, que rege as funções da vida orgânica, de cujos pares de gânglios superiores se forma depois o cérebro com o cerebelo e todo o sistema nervoso, que serve à vida animal; a força psíquica se exalça, incitada, ainda agora, pelos fenômenos do mundo externo, que a despertam e ativam, agindo incessantemente sobre o organismo; de cujo fato resulta, provém, nasce à necessidade para ela de apreciá-los e avalizar sua influência, a fim de utilizar-se deles ou repeli-los, quando nocivos, ou modificá-los, tornando-os prestáveis.
É isso o que constitui a função primordial da vida psíquica — a atenção, que analisada com o concurso do criptoscópio, não é senão a sensitividade, agindo em esfera mais ampla, mais complexa, mais elevada — a vida de relação.
A sensitividade deixa de ser o que era — apenas alavanca da força vital bio-zoogênica, converte-se em sensibilidade, que é um instrumento mais aperfeiçoado, preparado para receber impressões de fenômenos de outra ordem, menos grosseiros, e mais complexos, produzidos por agentes menos materiais, mais numerosos e de diversas naturezas: as criaturas, as sociedades, as ideias, o pensamento nas suas diversas manifestações e múltiplas expressões — a mímica, a fala, a escrita, a música, a pintura, a escultura, etc.; é a atenção que recolhendo e apreciando as impressões do tato, da vista, do ouvido, do olfato e do paladar, as transforma em sensações, graças à sensitividade.
É difícil, é mesmo quase impossível acompanhar a evolução da Força nestas alturas; falta o apoio, somos tomados de vertigem.
Enquanto a pesquisa versa sobre fenômenos materiais, como são os fisiológicos, encontra-se apoio, o terreno é firme; desde que, porém, a investigação recai sobre fenômenos psíquicos, de ordem puramente espiritual, falta apoio, o terreno não é sólido, a região não é alumiada, apresenta muitas cavernas, cada qual mais escura, ligadas por numerosos caminhos, comunicando entre si um verdadeiro labirinto.

Formação da inteligência

A inteligência é para o espírito o que os sentidos são para o homem.

Inteligência, entendimento, intelecto e enteléquia são os vocábulos com que se nomeia a faculdade, o poder, a capacidade, que possuímos, de conhecer, distinguir, separar, diferenciar de nós mesmos tudo aquilo que nos cerca; tudo quanto vemos, ouvimos, cheiramos, saboreamos e apalpamos; tudo o que nos impressiona ou afeta de um modo qualquer.
É por essa faculdade que nós apreciamos e diferenciamos as impressões que nos vêm do mundo externo daquelas que se originam e surgem ou despertam no nosso foro íntimo, sem nenhuma provocação estranha; e as designamos: aquelas, com o nome de sensações; estas, com o de emoções.
As primeiras nos chegam por intermédio dos órgãos dos sentidos; as segundas são filhas genuínas de nossa alma, fruto de partenogênese.
Assim, pois, a inteligência é um aparelho admiravelmente constituído para receber os produtos das impressões dos órgãos dos sentidos e convertê-los em sensações, ideias, pensamentos e sentimentos; e assim também as emoções; tudo discernindo.
A sensação é um fenômeno complexo, misto de fenômenos diversos: físicos — a impressão, o abalo; fisiológicos — a comoção nervosa e sua transmissão ao cérebro; psíquicos — a apreciação e a discriminação de sua origem e caráter; o efeito — simpático ou antipático; a reação orgânica de atração ou repulsão; e finalmente a retenção, conservação ou arquivamento da emoção. Temos assim o conhecimento pleno, íntimo da emoção e do agente emocionante, como coisas distintas do paciente — o emocionado.
É isso que os cientistas e alguns filósofos denominam consciência, o homo compos sui.
É essa consciência que estabelece distinção entre o eu e o não eu; que separa o mundo externo do interno; é ela que os materialistas confundem com a consciência moral, balança onde são pesados todos os nossos atos, tribunal espiritual onde são julgadas todas as nossas ações.
Essa consciência, que eu denomino consciência orgânica ou animal, conscienciosidade, o homem a compartilha com os irracionais; é o que neles se chama instinto.
O instinto é um movimento da alma, espontâneo ou provocado por uma impressão brusca, irritativa, do mundo externo, que determina uma reação à que o vivente obedece automaticamente; ele é a síncrise da sensitividade com a motricidade, criada para defesa da vida; ele é luz, aviso, guia da criatura, principalmente a irracional.
Há dois instintos principais: o da conservação e o da reprodução, servidos por órgãos especiais; para o primeiro, os do aparelho digestivo; para o segundo, os do aparelho sexual; em ambos predominam a inervação da vida vegetativa, o sistema ganglionar ou nervo grande simpático.
O instinto de conservação tem por sentinelas a fome e a sede, que se localizam, se fazem sentir como necessidades urgentes, nos órgãos do aparelho digestivo; ele gera o egoísmo com o seu cortejo de sentimentos individualistas, o egotismo.
O instinto da reprodução, cujo objetivo é perpetuar a espécie, é como que uma evolução do outro; ele tem por escudeiro o amor, mas o amor sensual, que eu denomino afinidade fisiológica, a qual é o germe, a origem da simpatia entre os irracionais, atraídos pela lei natural da reprodução da espécie — a união de corpos; e entre os racionais, pelo casamento, e de cuja união pode nascer e desenvolver o mais belo e sublime dos sentimentos — a amizade verdadeira, que é aquela que nasce do amor espiritual, com a sua coorte de sentimentos filantrópicos — o altruísmo.
A ideia, de dar por sede do amor o coração, é erro, e grave: denota falta de conhecimentos ou de prudência ao raciocinar, pois não se pode atribuir ao efeito àquilo que somente pertence à causa.
A sede do amor está na alma — Força, ou Espírito, é ela a causa ou origem de todos os órgãos que compõem o corpo, é ela quem os irradia e vivifica através de cordões fluídicos presos ao cérebro e ao coração, mas é preciso que não se atribua a órgãos receptores e distribuidores aquilo que só pode residir e pertencer à alma; a amizade ou o amor. Pelo fato do coração ser o elo que prende a vida orgânica à psíquica — laço entre a vida material e a espiritual — não pode ser ele o depositário do amor; ele nada mais é que o centro circulatório, o propulsor da vida orgânica e o repositório e distribuidor dos elementos vitais.
O sangue propelido pelo coração se distribui por todo o corpo, fornecendo a todos os órgãos os elementos de vida e dando-lhes vigor, para o exercício de suas funções individuais e coletivas, particulares e gerais; e assim o cérebro e toda a inervação da vida animal se acham sob a dependência do coração; porém, a sede, o órgão do amor espiritual está na Alma — partícula da Força — que é a suma, a síncrise de todos os sentimentos, o sentimento que converte o homem e o transmuta em pureza, aproximando-o da Verdade.
Por esta resenha se vê que a conscienciosidade, síncrise da sensitividade com a motricidade, é a base, o fundamento para o cultivo da inteligência: a lapidação do espírito.
Cada aparelho sensitivo recebe e transmite ao cérebro, que é o órgão da inteligência, a impressão de certa ordem de fenômenos; estas impressões convertem-se aí em sensações, cuja origem, caráter e efeitos são discernidos, estabelecendo distinção entre o agente emocionante, a emoção e o emocionado; e isso constitui o que se chama a consciência, o homo compos sui.
Há em tudo isso, ou, além disso, um esforço, atividade, certa energia: é a atenção.
A sensibilidade, a atenção, a consciência e o senso íntimo auxiliando-se reciprocamente, são centelhas da INTELIGÊNCIA, em cuja função se nota: a percepção, a compreensão e a concatenação ou memória, que são processos intelectuais.
A PERCEPÇÃO é como um instrumento agudo, penetrante; ou como uma sonda de que nos servimos para explorar; é como o tentáculo dos insetos; e o órgão do tato do nosso espírito.
Excitado pela atenção, ele apalpa a consciência animal, orgânica — o sensório; esse é o modo de agir da Força Psíquica sobre as suas sensações e emoções.
A PERCEPÇÃO é para o espírito o que os sentidos corporais são para o homem; ela é a sua recapitulação.
A MEMÓRIA é o registro e o arquivo das sensações e emoções, convertidas em ideias, pensamentos e sentimentos.
Ela exerce, no mundo psíquico, a mesma função que a coesão e a afinidade, no corpóreo.
O agrupamento, a concatenação, o registro e arquivamento de tudo quanto impressiona a alma ou afeta o nosso espírito, se opera, se efetua, faz-se e realiza-se: por continuidade e contiguidade, por simpatia ou antipatia, por analogia ou antagonismo, por similitude e antítese não só das ideias e sentimentos, mas também das imagens.
A COMPREENSÃO é um instrumento mais complexo do que a percepção, e constituído diversamente: só funcionam em operações cujos elementos são ideias.
Na sua estrutura, além da atenção e conscienciosidade, elementos que concorrem para a percepção, entra a memória, que é o repositório dos elementos necessários à operação preliminar — a comparação, que constitui a base da compreensão; é o processo mediante o qual ela se efetua.
A COMPREENSÃO é como um instrumento detentor, uma concha polida, um espelho côncavo, para cujo centro converge as imagens refletidas da periferia.
Ela colhe, abrange, analisa e compara às sensações e emoções, os pensamentos e sentimentos.
São esses os instrumentos e aparelhos da INTELIGÊNCIA, mediante os quais adquirimos conhecimentos, nos instruímos e aperfeiçoamos.
O raciocínio, a abstração, a generalização, a comparação e o juízo, que alguns filósofos consideram e apresentam como elementos do intelecto, são funções, são operações, do entendimento, cuja matéria-prima é a ideia, o pensamento.
Eis aí como age a inteligência e como atua em todas as espécies animais, desde os infusórios até os antropoides, cada qual com o seu contingente; eles (os animais) são as oficinas, os laboratórios onde se forjam e afeiçoam os instrumentos e aparelhos, cujo aperfeiçoamento se há de completar no laboratório, que é a recapitulação de todos os outros — o homem.
A INTELIGÊNCIA no homem é uma oficina completa, perfeita; ela possui todos os instrumentos necessários à inspeção do Universo, à análise e à síntese de todos os fatos da natureza e à descoberta das leis que os regem.
A INTELIGÊNCIA humana dispõe de recursos como a de nenhum outro animal no mundo; ela maneja instrumentos que todos os animais só reunidos apresentam; e ainda outros mais perfeitos, constituídos pela junção de alguns daqueles, formando aparelhos mais sensíveis e de maior alcance: a concepção, a imaginação e a razão.
A CONCEPÇÃO cria ideias; é um aparelho constituído pela memória, atenção, compreensão e percepção.
A IMAGINAÇÃO cria imagens, figuras, formas; é constituída pelos mesmos instrumentos que a CONCEPÇÃO; mas concatenados segundo a função que têm de preencher, e mais a INVENTIVA, que é constituída pela apreciação, comparação e apropriação, de formas por analogia (adequabilidade); faculdades, cuja origem o criptoscópio descobre na POLARIZAÇÃO.
A concepção compara, combina sensações, cuja essência é a modalidade; a imaginação compara e combina impressões, cujo caráter é a forma.
A razão é o mais complicado, o mais perfeito, o de maior alcance e de mais utilidade dos aparelhos da inteligência; é a reunião, a síncrise de todos os outros; e por isso funciona como superintendente; todas as operações, todos os trabalhos, feitos na oficina intelectual, lhe são submetidos; e, mais do que tudo isso, ela é a luz da oficina.
A INTELIGÊNCIA é para homem o que é para o Estado o Poder Legislativo.

À vontade

A vontade é o dínamo e a bobina psíquica.

A vontade é a energia, a potência, a atividade da força inteligenciada, em ação, agindo, operando; a capacidade de reagir e opor-se; não só ao mundo externo, repelindo, anulando sua influência, seus efeitos, pela produção de outros em contraposição àqueles; mas também, e principalmente, às solicitações íntimas, quer às que nascem dos instintos e apetites quer às que provêm das necessidades corporais.
A vontade é a potência biomagnética inteligenciada; ela é na essência a polarização, pois que é no fundo um impulso, em última análise, um movimento.
Ela já se manifesta nos animais os mais inferiores; porquanto certos fenômenos da nutrição — a procura e a apreensão dos alimentos — se não efetuariam sem a sua intervenção.
A vontade evolui na série animal; a princípio é um simples movimento reflexo, semelhante à distensão de uma mola; depois, um impulso instintivo, verdadeira descarga elétrica; afinal, um ato refletido, consciente, livre; ao qual precede: a apreciação das circunstâncias, análise das condições, deliberação e decisão.
Confunde-se ordinariamente à vontade com o desejo e o apetite; e essa confusão, que se nota com frequência no trato vulgar, observa-se também, não só na conversação de pessoas instruídas, mas igualmente o que é menos tolerável, até em produções de literatos e homens de ciência; assim se diz e escreve-se tenho vontade de dormir, de chorar, de comer, etc., quisera vê-la, quero falar-te; tenho vontade de sonhar com ela; tenho vontade, mas não posso satisfazer tal necessidade corporal.
O emprego do vocábulo — vontade — é errôneo em todas essas frases; e nem só incorreto, mas antagônico.
A vontade se manifesta, ao contrário, no ato de oposição ou resistência à satisfação de um desejo; na insubmissão às solicitações tanto orgânicas como psíquicas.
Isso sim é ter vontade.
Ter vontade é ser forte, saber resistir a todas as tentações; quer mundanas — materiais e sociais, quer anímicas.
A vontade é o alicerce do caráter; é a pedra angular em que ele se firma.
Pela vontade a alma torna fecundos os atos da inteligência.
Aqui, a oficina intelectual trabalha com todos os seus instrumentos, alumiada, esclarecida pela razão; depois o tribunal supremo, a consciência moral delibera, julga em última instância, e lavra a sentença — absolutória ou condenatória; o livre arbítrio decide pró ou contra; a vontade executa.
O poder executivo é, na organização social, o símile da vontade no ser humano.

Constituição da consciência

A consciência é para a criatura como o tribunal para a Sociedade.

   Como explicar a constituição da consciência?
Quanto mais penetramos nos domínios psíquicos, tanto mais difícil se torna a marcha; achamo-nos na situação do viajante, que atravessa uma região nunca antes percorrida, para a qual não há vaqueanos, ele tem de caminhar sem um guia, confiando apenas na sua orientação, entregue à sua perspicácia.
Encontra-se, após algumas jornadas ante uma floresta virgem, cujas árvores são numerosíssimas; e, posto que de diversas espécies se assemelham um tanto, pelo que não podem ser facilmente distinguidas; suas copas frondosas ensombram o chão e limitam, encurtam o campo da visão, tornando difícil senão impossível à marcha.
Tal é a minha situação ante o problema da constituição da consciência.
Para achar e explicar a constituição da consciência, faz-se preciso a maior concentração da alma sobre si mesma, na mais profunda introspecção criptoscópica em que a atenção, fazendo agir a percepção nessa câmara — o sancta santorum espiritual — rebusca os fatos, agitando a luz da razão em todos os refolhos psíquicos.
Ocorre-me a fórmula do Universo — a variedade na unidade; incontestavelmente base sólida da lei do transformismo, que explica e justifica a doutrina da evolução.
Ora, eu venho demonstrando (e tenho como certo havê-lo feito rigorosamente) a evolução da força, desde o calórico que cria a polarização, a qual produz a coesão e a afinidade; as quais congregadas e transfundidas constituem a força-vital ou biogênica, que se desdobra em assimilatividade, motricidade e sensitividade, cuja sincretização, se denomina força fitogênica, quando cria o reino vegetal, e zoogênica, na criação do reino animal.
A força-vital — bio-fito-zoogênica — se converte por síncrese em Força psíquica — alma humana — pelo predomínio da sensitividade, que em sua evolução produz o tato, a gustação, o olfato, a audição e a visão — os sentidos; neles se manifesta a ação da inteligência.
A vontade tem a sua origem na síncrise da sensitividade com a motricidade predominando esta, como fonte de energia.
Da união da inteligência com a vontade nasce a consciência animal, que se converte em consciência espiritual.
A consciência espiritual ou moral é, pois, um aparelho, mas aparelho anímico, dinâmico, não material, psíquico, constituído pela memória, atenção, percepção e compreensão; iluminado pela razão; nele se refletem todos os atos da força psíquica.
Para que possa condenar, como condena, não só os atos, mas os sentimentos e os pensamentos, que não traduzem o amor ao próximo, é preciso que a consciência seja influenciada por princípios (seres?) de ordem superior.
Ela é, assim, um aparelho sensitivo espiritual, pelo qual a força se comunica.
A consciência é na criatura o que o poder judiciário é no Estado.

O livre arbítrio

O livre arbítrio é o fundamento da moral.

O livre arbítrio é a vontade, esclarecida pela razão, perante a consciência.
Alguns filósofos — os deterministas, os fatalistas, os materialistas — negam o livre arbítrio; os primeiros fazem da criatura humana um autômato, um animalejo sob a ação das forças externas; os segundos, a reduzem às condições dos corpos brutos, inorgânicos, sobre os quais operam sem contraste, as forças da natureza; os últimos, considerando a alma uma simples função cerebral, nem ao menos lhe reconhecem individualidade.
Esquecem-se: aqueles de que a alma humana é um ser inteligente, dotado de atividade; os materialistas fingem ignorar aquilo que se passam em si mesmos. Todos eles não se lembram de que, negando o livre arbítrio eliminam a responsabilidade moral; reduzem a criatura humana às condições do bruto.
O livre arbítrio é a origem do mérito; ele é, portanto, fundamento da moral.
Termina aí o ciclo evolutivo da força psíquica.
Pela sensibilidade ela recebe as impressões do mundo externo; pela inteligência, as compreende; pela vontade, age e reage, opera, produz, cria; pela razão, perscruta o Infinito; pela consciência se esclarece; pelo livre arbítrio, determina o seu destino.

EIS A ALMA HUMANA

A sua origem está no Infinito; a sua natureza é dinâmica; sua evolução, neste mundo, se faz através do reino animal — do amibo ao homem —, para continuar — infalivelmente — em outros mundos.
Há de continuar necessariamente sua evolução; porque, como Força que é não se destrói, não se aniquila; existe, subsiste e persiste; vem do Infinito em marcha para o Eterno.
Tudo se cria; nada se perde.
Portanto, como tudo no Universo, ela vem de Deus (Grande Foco) e verdadeiro Ashaverus caminha, incessantemente, para o Grande Foco — o Infinito Eterno, onde não há princípio nem fim.

A evolução da alma

A evolução é uma lei, a que tudo está sujeito no Universo.

A evolução da alma humana numa encarnação termina com a volta da Força ao Grande Foco, da qual é uma partícula em ação neste e noutros planetas, porque a Força parcelada parte de um ponto e volta a esse mesmo ponto — o Grande Foco.
Uma vez adquiridos os recursos, conquistados os meios, alcançados os postos, que a necessidade ia criando sucessivamente, sob a imposição dos fenômenos impressionantes do mundo externo, na sua variedade quase infinita, no Universo, considerado estática e dinamicamente — a força psíquica humanizada — a alma humana aperfeiçoa-se e progride, perlustrando a escala dos seres humanos, que se diferenciam, formando classes distintas, pelo caráter, pelo saber e pela moral.
Necessidades de outra ordem, mais complexas, oriundas do agrupamento dos indivíduos em famílias, em sociedades, em povos, modificam a alma, compelindo-a a amoldar-se às contingências do meio (lei de adaptação aplicada à alma); e desse modo, as arestas, as agruras, as asperezas, as sombras deixadas pela hereditariedade (outra lei proclamada pelo sábio Darwin) são cortadas, aplainadas, brunidas, esbatidas; e assim a alma se despe se limpa das impurezas, que trazia da longa jornada, percorrida do berço à virilidade — da criação à individualização —; e neste último estágio, que é o aperfeiçoamento, percorre os agrupamentos — a família, a sociedade, a nação.
Assim, pois, as diversas condições em que se realiza em que se efetua a vida corpórea, as circunstâncias que a rodeiam, as peripécias que se dão outros tantos meios, são outros tantos incentivos à evolução, ao aperfeiçoamento, ao progresso do Espírito ou da alma antes de se tornar Espírito Racional.
Portanto, as dificuldades e misérias da vida, as lutas contra as intempéries, as necessidades de toda espécie — materiais, intelectuais e morais — são os aguilhões, os instigadores, os promotores do progresso humano.

A lei do trabalho

O trabalho é a alavanca do progresso.

A lei do trabalho, imposta à criatura pela necessidade de obviar às intempéries, vencer as dificuldades, suprir as necessidades, minorar o sofrimento e sobrepujar nas lutas, dominando os elementos adversos e tirando partido das circunstâncias; o trabalho é o corretivo de todos os males, que assediam a humanidade; o trabalho é o bálsamo que cura todas as chagas; é o lenitivo de todas as dores.
O trabalho, portanto, não é não pode ser um castigo, uma punição como alguém o disse e, impensadamente, vai se repetindo, imposto à criatura por Deus — pura mitologia!
          Ninguém, até hoje, ainda viu a blasfêmia que tal ideia encerra?
— Ninguém protestou ainda contra o pensamento nefando de atribuir ao Grande Foco, de envolta com a ignorância, tamanha perversidade?
          Considerá-lo castigo é tirar-lhe o mérito, negando-lhe a espontaneidade.
Se o trabalho é castigo, a submissão é filha da obediência e prova humildade; mas a punição provoca a revolta, filha da insubmissão, que nasce do orgulho.
Grande Foco provocaria a revolta!
          Mas o trabalho é imposto aos irracionais: qual o crime dessas criaturas?
— Não; o trabalho não é punição; nem todo sofrimento é castigo, como o demonstra o dos irracionais.
Se o trabalho fosse punição, o prêmio seria o sofrimento!
O trabalho é uma necessidade vital; os trabalhos são a justa reparação das faltas, dos erros e dos crimes.
Todo sofrimento é um aguilhão do progresso; e o trabalho o meio, o modo de realizá-lo.
A Inteligência Universal ou Grande Foco criou as suas leis imutáveis e, portanto, dentro delas tudo é regido.
É pelo trabalho que todas as criaturas efetuam sua evolução, e o homem, só arrimado a esse bordão caminha, pela estrada do progresso, para a perfectibilidade.
Se, pois, como procurei demonstrar, as diferenças intelectuais e morais, de indivíduo a indivíduo, representam graus de progresso; e essa graduação existe nos agrupamentos, que constituem a família, a tribo, a sociedade policiada, o povo, os habitantes, enfim, de uma região, de um território; é indubitável, é certo que a alma humana, submissa à lei de perfectibilidade, perlustra todos os estágios do progresso.
Portanto, terminado o período de sua criação, que se efetua como ficou provado, através da série animal, cuja razão de ser é essa, nem pode ser outra; inicia-se o da sua individualização na primeira existência corpórea, humana, seguindo-se o do aperfeiçoamento.
E, pois, certamente, todas as condições, todos os estados em que se apresenta a criatura humana neste mundo, desde o selvagem e bárbaro até o de maior civilização, cultura e policiamento, são outros tantos estágios por ela percorridos; são outras tantas estações na longa estrada da perfectibilidade.

A lei da reencarnação

Nascer, viver, morrer; tornar a nascer e renascer ainda; progredir sempre.

Destas considerações resulta clara e evidentemente que a reencarnação é uma necessidade indefectível, é uma lei psíquica à que o espírito humano está sujeito.
É nela e só por ela, que a alma humana pode perlustrando a vida da perfectibilidade, realizar o seu progresso, aperfeiçoar-se, depurar-se e elevar-se na escala dos seres à categoria superior de espírito puro.
O espírito puro não tem mais necessidade, não carece de tomar um corpo carnal para evoluir e trabalhar neste mundo; porque completou o seu tirocínio, tendo atingido o grau de adiantamento intelectual e moral que ele pode proporcionar.
A reencarnação, além de ser uma necessidade, pois que sem ela o espírito não pode aperfeiçoar-se; é também o meio de que ele pode socorrer-se para reparar as suas falhas, provando assim um arrependimento sincero.
Uma vida, uma existência corpórea, por mais longa que seja, é insuficiente, incontestavelmente, para a criatura, por mais inteligente que seja adquirir a totalidade dos conhecimentos, que são o cabedal, os tesouros da humanidade.
Demais, a inteligência desenvolve-se, evolui, como tudo no Universo; não surge completa, perfeita, como Minerva da “cabeça de Júpiter”.
Se um aluno perde o ano, por desídia, por não haver estudado ou porque sua inteligência não é bastante lúcida; ele não fica inibido, seu pai não o priva de repetir o curso, antes o anima, compele-o mesmo a fazê-lo.
Por que, pois, há de o Grande Foco impedir suas partículas, as criaturas, de repetirem o curso desta escola, privando-se assim do único recurso, de que podem dispor, para aprender as lições racionais e Científicas já explanadas por Jesus, e que também ensinou-nos a amar ao próximo como a nós mesmos?
— Onde está esse, que tenha dado provas positivas de saber a lição, imitando Jesus, em uma única existência?
— Como, pois, atribuir à Bondade Infinita a crueldade sem nome de tolher a criatura, tirando-lhe a possibilidade única de ser discípulo aproveitado, como todos devem e hão de ser, da Verdade?
— Não; tal coisa não é possível. O Grande Foco não comete iniquidades.
Se a criatura fosse feitura direta do Grande Foco, seria pura e perfeita; não estaria cheia de iniquidades; se está cheia de iniquidades, está impura, é imperfeita; mas, como Essência, como Força, é uma partícula do Grande Foco.
Para que a criatura venha, como alma, a confundir-se com o Grande Foco e seja luz puríssima semelhante a Ele, tem de aperfeiçoar-se, dia a dia, deve purificar-se.
Mas o Grande Foco é infinito; a perfeição é infinita; logo a criatura é perfectível; mas não pode atingir o alvo, não pode aproximar-se do modelo, sem perlustrar o caminho da perfeição, que é não pode deixar de ser infinito.
Portanto, são necessárias jornadas sucessivas e infinitas para percorrê-lo.
Essas jornadas da alma são as existências sucessivas — as reencarnações do espírito.
A reencarnação é, pois, uma lei; a lei do progresso espiritual, que não pode ser frustrada; à qual todos os espíritos devem submeter-se, absoluta e necessariamente; todos, sem exceção de um só, e ab initio in oeternum.


O que é o mundo

FISIOLOGIA TRANSCENDENTAL

A Oficina
A Escola
O Hospital
A Penitenciária
O Teatro


Essas epígrafes dizem sinteticamente o que é o mundo; são as teses, que me cumpre desenvolver, para completar o monumento da origem, natureza e evolução da alma humana.
A demonstração dessas teses vem coroar a obra; como uma bela cúpula sobre um edifício majestoso, o completa, aformoseia e realça.

A OFICINA

O mundo é para a alma humana — Espírito apenas individualizado, ainda no início de sua evolução — uma oficina de trabalho e uma escola de educação.
À alma, verdadeiro aprendiz, que apenas acaba de fazer entrada na oficina, o mundo apresenta, oferece e fornece matéria-prima, para ser manipulada, e mestres para guiarem-na.
Os mestres são os espíritos cujo tirocínio está concluído, auxiliado por outros cujos conhecimentos, cujo desenvolvimento, conquanto não seja completo, é, não obstante, suficiente para lhes permitir a direção em certos trabalhos.
São considerados, ordinariamente, e erroneamente chamados “anjos da guarda”, “protetores”, “guias”, — os mestres; os espíritos auxiliares são os que têm afinidade espiritual com o encarnado.
Essa é a norma nas nossas oficinas e escolas onde os mestres e chefes entregam à direção de um aprendiz, mais adiantado, um ou mais condiscípulos.
E sente-se, e se reconhece que assim é de fato, realmente; nem podia ser de outro modo; não se aprende sem mestres.
A matéria-prima, que o mundo apresenta e fornece ao espírito, não é toda da mesma natureza, e tem origens diversas: é o fluido etéreo, simplesmente polarizado; a molécula vegetal, e a substância animal; são os fenômenos cósmicos e os pensamentos e fatos sociais; sentimentos das criaturas.
É evidente o trabalho do espírito, quando encarnado, mas o do desencarnado, conquanto seja menos apreciável, não é menos real, é mesmo mais intenso e de mais difícil execução; pois que exerce sobre a matéria prima de todas as origens.
Os espíritos são partículas da Inteligência Universal.

O PERISPÍRITO — TEORIA E FUNÇÕES

O espírito encarnado labora a matéria do seu corpo, e maneja todas as substâncias do mundo: mecânica, física e quimicamente.
As funções orgânicas não se efetuam, sem consumo dos elementos componentes dos órgãos; os elementos gastos são substituídos, simultaneamente, por outros imediatamente elaborados no seio do organismo.
Nessa elaboração notam-se duas fases distintas, posto que simultâneas; uma de separação e eliminação do material gasto; outra de agregação, assimilação e consubstanciação da substância orgânica, convertida em célula de cada um, e de todos os tecidos que formam a estrutura dos órgãos.
Na incorporação de novos elementos em substituição dos consumidos, o trabalho do espírito é nimiamente complexo e delicado; cumpre-lhe atender à escolha da matéria, ao aperfeiçoamento e distribuição dos elementos, segundo as funções; ele se transfunde no elemento que incorpora; ele o absorve e individualiza, imprimindo-lhe um cunho peculiar, dando uma feição exclusivamente sua; ele o vivifica.
Na fase de eliminação do material gasto, o trabalho reduz-se à segregação dos resíduos — fluidos líquidos e sólidos; os quais levam consigo as disposições, a vitalidade que adquiriram no organismo de onde se desprenderam.
Assim, pois, ao repositório geral voltam as moléculas e átomos, levando consigo as modificações que receberam.
De simples matéria inorgânica, passaram a substâncias orgânicas; de simples substâncias orgânicas tornaram-se elementos vegetais e elementos animais.
Em cada um desses estados, o fluido etéreo, que acompanha o átomo, a molécula, a célula (porque são os elementos primordial, essencial, que penetra e envolve tudo) recebeu modificações, que lhe imprimem uma modalidade peculiar a cada corpo.
Todos os corpos desprendem emanações, que, se escapam à nossa vista, são observadas pelos médiuns¸ pelos sonâmbulos e outros sensitivos; os quais as descrevem como formando uma atmosfera, um halo, em torno de todos eles, inclusive os minerais.
É a aura dos Esoteristas, ou o períspirito, dos espíritas.
Do que fica exposto se infere, logicamente, que o espírito elabora o seu períspirito, desde o início de sua formação e individualização; ele é a sua pele e o seu arcabouço; é como a corrente elétrica de que ele é o dínamo; o azeite de que ele é a mecha; são inseparáveis ab oeterno in oeternum.
O períspirito tem por base o fluido etéreo; parte integrante do átomo.
Há, portanto, no repositório comum muitas ordens de aura ou atmas ou perispíritos, desde os que envolvem os corpos brutos, até as que provêm da criatura humana.
E o trabalho do espírito encarnado não se limita ao que acabo de indicar, mas abrange todo o ciclo da atividade humana, na labuta da vida, para satisfazer as suas necessidades, no afã do serva et ipsum; e vão além, suas ideias, os pensamentos que formula as imagens que cria; os sentimentos, que o agitam e impulsionam, vivem e se movem com o seu períspirito; são agentes que o encarnado maneja.
É prova disso a, hoje bem conhecida, transmissão de pensamento.
E como o pensamento, também o sentimento se transmite.
A sugestão e a obsessão têm aí a sua base.
O espírito desencarnado utiliza-se desse fluido para realizar os seus trabalhos; servindo-se do animalizado, para se materializar, tornar-se visível e palpável; e, se tem de apresentar a forma de um animal, ou vegetal, ou o movimento, a deslocação de corpos, recorre ao fluido correspondente à natureza do fenômeno que quer produzir, buscando o da espécie animal, e mais particularmente o idêntico ao tipo; mamífero, ave, inseto, réptil, etc.
Como se vê, o laboratório é vasto, e os operários que produzem a matéria-prima — o fluido polarizado — nos corpos minerais, devem trabalhar, e trabalham efetivamente, sem cessar, a fim de fornecer os elementos de que se servem os espíritos desencarnados, para produzir a variedade infinita dos fenômenos do Universo.
E assim o mundo é uma oficina de trabalho, tanto para o espírito encarnado, como para o desencarnado.
A ESCOLA

Como escola prática de educação, o mundo oferece à alma dois grupos distintos de aulas: um destinado à instrução propriamente dita, cultura intelectual; outro, destinado à educação, cultura moral.
Na oficina o espírito vitaliza e animaliza a matéria, tornando-a apta para formar o corpo astral, corpo anímico ou períspirito.
É esse o trabalho que, com o auxílio do criptoscópio, lobrigamos na oficina.
A escola, no seu grupo de aulas para cultura intelectual, é tão completa, tão pródiga mesmo, que nenhum aluno conseguiu ainda, nem jamais conseguirá, completar o curso, senão após numerosas matrículas, para frequência com assiduidade e aproveitamento.
No grupo das de cultura moral e formação do caráter ou educação propriamente dita, as aulas são ainda mais numerosas, constituindo diversos cursos, cada qual mais difícil; desde aquele em que se deve modificar uma simples disposição viciosa, até aquele em que devem ser corrigidos defeitos e vícios inveterados: a vaidade, a desídia, a luxúria, a inveja, a maledicência, a mendacidade, o latrocínio, o ciúme, a ira, o ódio, o orgulho e tantos outros vícios, que tornam o homem infeliz e fazem o atraso da humanidade.
Na oficina o espírito pule a matéria; na escola a alma é polida pelo atrito das paixões com os interesses: lá o esmeril é a necessidade; aqui é a dor.
Quer num, quer noutro caso, a reencarnação ou volta da alma à vida corpórea, é a matrícula na escola; ela, não só é indispensável, como ainda é o único meio, é o único recurso, que há para frequentar as aulas; e, sem essa frequência a alma não pode mostrar-se habilitada, e, sem estar habilitada, não terá acesso, permanecerá na escola, como ouvinte, sem direito ao exame, à prova; direito que só a matrícula — a encarnação — pode dar.
A matrícula — a reencarnação — se repetirá tantas vezes quantas forem necessárias para completa e perfeita habilitação da alma, demonstrada por provas irrefragáveis.
Então, mas só então, o espírito passará a ser puro capaz de evolar a outro mundo.
Muitas são as moradas (mundo) que rolam no espaço, disse Jesus, e também nos provou ser o nosso Mestre; mas de suas palavras também se infere que este mundo, sendo uma das moradas, é igualmente a escola de que ele é o Mestre.
Ora, a Astronomia nos ensina que os astros, que giram em torno do sol, são outros tantos mundos; e, portanto, na frase de Jesus, outras tantas escolas, para onde e por onde o espírito terá de passar, impreterivelmente, na sua marcha evolutiva para a perfectibilidade — o Grande Foco, sua fonte de origem.
Sendo os planetas moradas dos espíritos, dessas moradas é composto o Universo; e o Universo é infinito.
Logo, a marcha evolutiva do espírito para a perfectibilidade é intérmina; a perfeição está no infinito que é o Grande Foco.

O HOSPITAL

Fácil é a demonstração de que o mundo é um hospital para as criaturas.
A alma humana é o produto da evolução da Força através do reino animal.
Ficou provado que o fluido etéreo é inseparável do átomo; ele se revela, como aura, em todos os corpos e seres, apresentando as modificações que cada grupo lhe imprime.
Ora, a alma humana se forma, atravessando a fieira animal, do micróbio ao antropoide.
Cada indivíduo imprime certa modificação à sua aura, ao seu períspirito, segundo as necessidades de sua existência.
Cada indivíduo concorre para constituir o caráter do grupo, que se compõe de diversos graus, desde a variedade até a espécie.
O períspirito retém, guarda, conserva a modalidade adquirida durante a vida corpórea do ser.
E, pois, a Força psíquica, quando chega a ser espírito humano — alma — tem, necessariamente, gravado no períspirito todas as qualidades distintas, características das espécies animais; qualidades que são as condições absolutamente indispensáveis à manutenção da vida para cada um deles; para este a audácia, para aquele a timidez; ora a ostentação, logo o disfarce; e assim: a astúcia, a ganância, a velhacaria, a versatilidade, a hipocrisia, a imprudência, a vaidade, o orgulho, a teimosia, a ferocidade e muitíssimas outras, que o estudo da vida dos animais, tem patenteado: as quais são virtudes nos animais e vícios no homem.
Além dessas disposições viciosas, oriundas do processo de sua formação, outras são criadas, hauridas no meio em que se desenvolve o espírito, provenientes de suas relações e muitas outras circunstâncias; tais são: a ambição, a mendacidade, o latrocínio, a venalidade, a maledicência, a luxúria, o fanatismo, o cepticismo, etc., os atentados aos bens, à honra e à vida dos seus semelhantes.
Tudo isso constitui estados mórbidos da alma, mais ou menos inveterados, que importa curar; e para os quais o remédio está nas variadíssimas condições de vida; desde o estado selvagem, com sua dureza, até o da maior civilização, com suas hierarquias e numerosíssimas profissões, desde as mais humildes até as mais elevadas; com sua multiplicidade de funções, desde as mais baixas e repulsivas até as mais honrosas e agradáveis; de um extremo a outro, para cada chaga se encontra um bálsamo; para cada cancro, um antídoto; para cada úlcera, um cautério. É como disse Hipócrates: Ea quae ferrum non sanat, ignis sanat.
 A cura é sempre possível; ela há de realizar-se impreterivelmente; depende de tempo e severidade na aplicação do remédio.
E, assim, vê-se que o mundo é sim, de fato, um Hospital.

A PENITENCIÁRIA

O mundo Terra é também, indubitavelmente, ai de nós, uma penitenciária.
Para prova, basta apontar para as desgraças e misérias da vida, que pesam sobre a população de uma cidade, como o Rio de Janeiro.
Os acidentes, os desastres, os atentados, os crimes; uns bárbaros, outros hediondos, são outras tantas penas de Talião — quem com ferro fere, com ferro será ferido.
A cegueira, a surdo-mudez e todos os aleijões de nascença, os vícios de conformação, as monstruosidades, são decerto, incontestavelmente, penas, castigos, expiações, porém, na maioria dos casos tudo isso é fruto da ignorância humana, do livre arbítrio, pois se todo o vivente humano conhecesse a sua composição astral e física, daria combate às enfermidades, seria comedido em todo o seu viver, e sendo-o evitaria, portanto, o avassalamento do lar.
A ciência materialista se expande sobre o como de tais fenômenos; sobre o porquê, é muda; porque ela o ignora.
Como auxiliar a justiça indefectível com tais fatos?
É ou não um sofrimento tremendo para os pais, ver nascer e viver cego ou surdo-mudo, sem pés, sem mãos e até sem pernas e sem braços, seus filhos?
É ou não uma tristeza ficar idiota, cretino, epiléptico?
Ninguém dirá "Não". Todos pensam e sentem que o é.
Portanto, a criatura delinquente nesta ou noutra encarnação, tem que responder pelo mal feito: a falta pede, exige corretivo; o delito, a pena.
Assim, compreende-se o fato, reconhece-se a Justiça Suprema, o Grande Foco surge em nossa consciência, clarividência o espírito, mostra-nos a razão.

O TEATRO

Mais verdadeira do que pensam muitos, dos que a empregam, é a frase: o mundo é um teatro.
Sim; o mundo é um cenário onde se desenrolam os dramas da vida, as comédias, as tragédias e também as farsas; é mesmo, muita vez, um teatro de bonecos.
Cada indivíduo é, de fato, um ator no cenário do mundo; e frequentemente um comediante, um farsista.
Assim como o ator é entidade dupla, quando entra em cena representando um personagem, fictício ou verdadeiro, cujo caráter o autor da peça procura salientar pelos pensamentos e sentimentos, que lhe atribui; os quais o ator tem de interpretar e manifestar nas atitudes, gestos, entonações da voz e nas mais insignificantes minudências de uma existência mui diversa da sua; assim também as criaturas representam duas entidades: uma íntima — a real —; outra fictícia ou fingida — a que se ostenta na sociedade, a que apresenta aos olhos do mundo.
O entrecho das peças é urdido das fraquezas, vícios e torpezas da mísera humanidade.
Sobre o palco, a virtude, a honradez, a inocência, triunfam ordinariamente; mas na grande cena social, nesse teatro, onde todos são atores, o que triunfa é a esperteza, a habilidade na arte de iludir; é a dissimulação, a hipocrisia e a fereza com que se sacrifica tudo à plutocracia.
A origem de todas as misérias, que constituem a trama, a urdidura, o enredo das comédias e tragédias, que se representam cotidiana e incessantemente neste Pandemônio, é a descrença que lavra nos espíritos, nas almas; a sede de gozo neste mundo, porque é geral a dúvida sobre a realidade de uma vida futura; é o efeito de uma religião, toda exterioridades, prometendo prêmios e penas irrisórias, recompensas e castigos, em que ninguém acredita; é a relaxação dos costumes, fruto do consórcio do sensualismo com o ceticismo.
O desejo, a sede de gozos, inerentes à natureza humana, ligada à dúvida ou à descrença sobre a realidade da existência da alma e, consequentemente, sobre a de uma vida futura, real e positiva; esse consórcio danado produziu a tirania, que avassala, domina, subjuga as sociedades civilizadas, impondo-lhes uma organização que cria a necessidade de ilaquear, fingir, iludir, sofismar para ter alguma, não perder de todo a liberdade; porque, opor-se altivamente, lutar às claras, é buscar ser esmagado, isto é, quando o homem não é esclarecido, não tem convicção da Verdade.
Eis porque, como o demonstrou o eminente Max Nordau, a Mentira é a rainha do mundo.
Eis o que é o Mundo!

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Julgo haver demonstrado, senão com beleza, ao menos com verdade e clareza, de modo compreensível, logicamente, a tese: Origem, Natureza e Evolução da Alma Humana; indo até a altura em que a alma tendo-se feito pura, evola para outros mundos.
Com o auxílio do meu criptoscópio, instrumento — a razão — por meio da qual se vê aquilo que por sua natureza não é visível, e podem-se devassar as regiões metafísicas, fui até onde era possível, até onde encontrei fenômenos; fui mesmo além; fui até onde a indução e a analogia me facultaram chegar — prevendo outras séries de evoluções do espírito.[1]
Além está o impossível, o que não pode ser descoberto, nem sequer pressentido pela inteligência a mais perspicaz, servida por um criptoscópio perfeito, constituído como ele é até agora.[2]
Aqueles que lerem estas páginas sem prevenção de seitas ou escolas desculpem-me a ousadia, hão de reconhecer que elas encerram uma verdade que representa uma valiosa conquista, são o resultado de valente esforço de um estudioso que procura obedecer ao conselho de Sócrates, quando disse: Nosce te ipsum.


Ciência Espírita
Por Dr. Antônio Pinheiro Guedes






[1]  Completadas desde 1910, pelo Racionalismo Cristão do qual faz parte Antônio Pinheiro Guedes, hoje como alma grandemente evoluída.
[2] Já descoberto pelos espíritos do Astral Superior que dirigem as Casas Racionalistas Cristãs.