O homem que sabe servir-se da pena, que pode publicar o que escreve e que não diz a seus compatriotas o que entende ser a verdade, deixa de cumprir um dever, comete o crime de covardia, é mau cidadão. Por Júlio Ribeiro.

Os combates de Luiz de Mattos (1910 – 1921): O Espiritismo Kardecista e o Tratamento Médico da Doença Mental - Por Jacqueline de Souza Amaro

OS COMBATES DE LUIZ DE MATTOS (1910 – 1921):
O Espiritismo Kardecista e o Tratamento Médico da Doença Mental
Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde

Rio de Janeiro, 2010

À Luiz de Mattos, in memorian

"Apesar de crescente interesse público, o Espiritismo tem sido ainda relativamente pouco investigado pela historiografia. Recentemente ele tem sido alvo de pesquisa de alguns historiadores e se transformado em tema de algumas teses e artigos em revistas científicas, sobretudo por antropólogos. Apesar do Centro Redemptor ter tido uma atuação social marcante no cenário carioca do início do século XX, principalmente no que tange o tratamento da loucura, ele não foi até o momento muito estudado. A presente dissertação objetivou sobretudo, apresentar uma contribuição à história do Espiritismo no Brasil e sobre a memória do Centro Redemptor, ressaltando o papel desempenhado por Luiz de Mattos." Por Jacqueline de Souza Amaro

Agradecimentos
"A gratidão é a memória do coração."
(Antístenes)
Poderão também conhecer a dissertação: FioCruz
Resumo
O Espiritismo é uma das práticas religiosas com maior número de adeptos e interessados no Brasil. Apesar de sua incontestável importância, poucos são os estudos históricos que se dedicam ao tema. Esta pesquisa visa analisar a atuação de uma das correntes espíritas mais influentes no início do século XX: O Espiritismo Racional e Científico Cristão, criado e dirigido por um rico cafeicultor português chamado Luiz de Mattos. Sob a égide desta doutrina foi construído o Centro Espírita Redemptor, no Rio de Janeiro, que adotava um método particular de tratamento da loucura. A presente
pesquisa visa analisar as divergências desta doutrina com a doutrina Kardecista e a concepção de loucura e terapêutica para o tratamento da mesma adotadas publicamente pelo representante do Redemptor entre os anos de 1912 e 1924.

Sumário
Introdução ...
Capítulo 1:
A Criação do Espiritismo Racional e Científico Cristão e a Frente de Batalha contra o Espiritismo Kardecista ...
1.1. Breve Contexto de formação do Espiritismo ...
1.1.1. As influências Teóricas Sofridas pelo Espiritismo ...
1.1.2. O Espiritismo no Brasil ...
1.1.3. Espiritismo: Ciência ou Religião? Divergências entre Grupos Espíritas Rivais ...
1.2. A Criação do Espiritismo Racional e Científico Cristão e do Centro
Espírita Redemptor ...
1.2.1. Breve biografia de Luiz de Mattos ...
1.2.2. Criação da Doutrina Espírita Racional e Cientifica Cristã e dos
Centros Espíritas Amor e Caridade e Redemptor ...
1.3.Espíritas X Espíritas: Disputa por Fiéis ...
1.3.1. Ataques Pessoais a Kardec  ...
1.3.2. Crítica ao Cotidiano das sessões Espíritas ...
1.3.3. Criminalização do Kardecismo ...
1.3.4. Incitação a Repulsa ...
1.3.5. Deslegitimação do kardecismo através de referências a
Similaridades do deste com as religiões afro ...
1.3.6. Soluções Propostas ...
2. Capítulo 2:
Diferentes Concepções de Loucura ...
2.1. A Psiquiatria Oficial frente à Loucura ...
2.1.1. Pinel, Esquirol, Morel e Kraeplin: Um Breve Contexto da
Psiquiatria do século XIX ...
2.1.2. A Formação da Psiquiatria no Brasil: Uma breve apresentação ...
2.2. O Espiritismo Kardecista Frente à Loucura ...
 2.2.1. Obsessão Espiritual ...
2.2.2. A Loucura nas Obras de Kardec ...
2.2.3. Bezerra de Menezes: A Loucura Sob Novo Prisma ...
2.3.O Espiritismo Racional e Científico Cristão e sua concepção de Loucura ...
3. Capítulo 3: O Espiritismo Racional e Científico Cristão e o polêmico
Tratamento à Loucura ...
3.1. Metodologia de Tratamento Espírita Racional e Científico Cristã contra a loucura ...
3.2. Reação na Sociedade ...
3.3.Luiz de Mattos e A Razão: Combate à Medicina Oficial ...
4. Conclusão ...
5. Fontes de Pesquisa ...
6. Bibliografia Geral ...
7. Anexos ...

INTRODUÇÃO
O século XIX representou para a civilização ocidental, um século de revoluções nas esferas política, econômica, social e ideológica (Remond, 2004). Fenômenos como a industrialização e a urbanização fizeram com que o homem redefinisse sua visão de espaço e de mundo (Sevcenko, 2003).
A esfera religiosa também sofreu alterações no decorrer do século XIX, uma vez que a igreja católica perdeu seu poder (Strickland, 2002). O autor René Rémond (2004) afirma que a perda de poder da Igreja no decorrer deste século foi resultado de um processo que se originou ainda no século XVI, conhecido como Reforma. Tal movimento direcionou o homem para novas formas de se organizar socialmente e estruturar seu pensamento para além da ótica medieval, quebrando com a unidade de crença cristã.
Ainda segundo Rémond (2004), mais dois movimentos foram fundamentais para a ruptura do homem com a Igreja: o Movimento das Ideias e a Revolução Francesa. O primeiro,reivindicava o predomínio da razão em todas as esferas de ação do homem.
Segundo o autor, tal movimento:

Reivindica a autonomia da sociedade civil e carrega, portanto, em germe, a laicização do Estado, a secularização da sociedade e a separação das duas ordens, religiosa e profana. (Rémond,2004: 168)

Em relação a Revolução Francesa, Rémond (2004) afirma que esta conferiu um duro golpe na Igreja, uma vez que concedeu direitos iguais para os cidadãos, independente de credo, e retirou do encargo religioso os registros civis. Ainda segundo este autor, tais movimentos foram acompanhados de um processo de “descristianização da sociedade” (Rémond, 2004: 170), uma vez que a postura de muitos indivíduos passou a ser de indiferença e desinteresse por assuntos ligados ao sobrenatural. Além disso, diversas correntes intelectuais gestadas no decorrer dos oitocentos, como o socialismo, por exemplo, pregavam o afastamento entre homem e religião.

Machado (1983) e Damazio (1994) afirmam que o processo de descristianização da sociedade e negação das religiões, a qual Rémond (2004) se refere, não teve aceitação por parte de toda a sociedade. Esta visão se justifica pelo fato de vários indivíduos terem buscado o sobrenatural, o que deu margem a criação de diversos movimentos espiritualistas que surgiram no decorrer do século XIX e dentre eles, o Espiritismo.

Wantuil (2007) afirma que a América do Norte foi a precursora de tais movimentos espiritualistas, a partir do caso das irmãs Fox. A respeito deste caso, podemos dizer, em linhas gerais, que tais irmãs eram filhas de um fazendeiro Norte Americano, que após se mudarem para uma nova casa, passaram a ouvir barulhos sem a aparente intervenção de ninguém. Após algum tempo, as irmãs passaram a estabelecer uma forma de comunicação com tais barulhos e constataram que se tratava do espírito de um homem que havia sido enterrado na casa em que elas recém habitavam. O caso das irmãs Fox repercutiu em diversas partes do mundo. Abaixo citamos uma descrição detalhada do caso dessas irmãs:

Em 1847, a família Fox – composta por cinco pessoas: o Sr. e a Sra. Fox e as filhas, Leah, então com 23 anos, Margaret, com 15 e Katherine, com 12 – se mudou para o povoado de Hydesville, localizado no Condado de Wayne, em Nova York. Em 1848, começaram a ocorrer fenômenos estranhos em sua residência: batidas estranhas nas paredes da casa onde viviam começaram a ocorrer constantemente, sempre quando as duas filhas menores estavam presentes. Logo as meninas estabeleceram um código para travar comunicação com o autor dessas ‘batidas’ – chamadas raps – por meio de quantidades de sons ouvidos após perguntas que eram feitas ao suposto autor destas. Começava a nascer o código do Espiritismo (Fantoni, 1981, p. 221). A história a respeito dos raps se espalhou pela vizinhança. Muitas pessoas passaram a frequentar a casa em busca de comunicações com os espíritos ou apenas por curiosidade. Sendo a família de religião metodista, foi expulsa de sua Igreja em Hydesville, pois aqueles estranhos eventos foram atribuídos à possessão demoníaca. Os Fox se mudaram para Rochester, onde os ‘fenômenos’ continuaram a acontecer. (Alvarado, C.S. et al, 2007: 4).

Após o caso das irmãs Fox em vários países, como por exemplo, a Inglaterra, a Alemanha e a França, pessoas começaram a realizar reuniões cuja finalidade era a comunicação entre vivos e mortos (1). A comunicação com os mortos seria realizada através da movimentação de objetos inanimados, mesas em especial, sem que ninguém aparentemente interviesse em seus movimentos. As reuniões de observação das mesas girantes se tornaram eventos sociais e atraíam uma grande gama de curiosos e estudiosos. Dentre as pessoas que se dedicaram a estudar essas supostas comunicações de espíritos, encontrava-se o pedagogo Hippolyte León Denizart Rivail – que mais tarde, ficou conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec.

Kardec, acreditando que as mesas giravam devido a intervenção de espíritos, desenvolveu uma metodologia de comunicação com estes, e em 1857, publicou O Livro dos Espíritos, contendo o fruto das pesquisas implementadas nas reuniões em que participou. A publicação deste livro é considerada um marco na história do Espiritismo na França (Doyle, 1995).

O Espiritismo é, segundo Kardec, uma doutrina religiosa - cristã, mas também uma doutrina científica. O teor científico da doutrina se evidenciaria através das experiências para provar a existência dos espíritos.

A chegada desta doutrina no Brasil foi rápida. Damazio (1994) e Giumbelli (1997) afirmam que em 1860, aproximadamente, imigrantes franceses desembarcavam nestas terras trazendo exemplares de O Livro dos Espíritos.

Inicialmente, o Espiritismo fez adeptos na Bahia e posteriormente se proliferou pelo Rio de Janeiro, adquirindo adeptos entre os membros da elite carioca (2).

Aos poucos vários grupos espíritas se formaram na Capital Federal. Em 1884, foi criada a Federação Espírita Brasileira. Desde sua gênese, esta Federação não conseguiu unificar o Espiritismo brasileiro ou mesmo o carioca (Giumbelli, 1997). Segundo Damazio (1994) a falta de coesão entre os grupos espíritas estava assentada no fato de certos grupos priorizarem aspectos religiosos da doutrina, enquanto outros grupos enfatizavam sua dimensão científica.

Neste contexto de disputas internas entre grupos que privilegiavam questões científicas da doutrina e grupos que privilegiavam questões religiosas, foi criada, na cidade de Santos, em 1910 uma nova vertente espírita que passou a rivalizar com o kardecismo: Espiritismo Racional e Científico Cristão. Seu fundador foi Luiz de Mattos - um rico comerciante de café. No mesmo ano, foi inaugurado o Centro Espírita Amor e Caridade que serviria como a sede da nova doutrina.

Em 1911, Luiz de Mattos expandiu sua doutrina para o Rio de Janeiro e fundou o Centro Espírita Redemptor (3). Em 1912, véspera de natal, inaugurou no bairro de Vila Isabel, uma nova sede do Centro Espírita Redemptor, que continha um manicômio espírita para o tratamento de pessoas com transtornos mentais.

A atuação de Luiz de Mattos como dirigente do Redemptor pode ser considerada contundente. Mattos publicou diversos livros criticando os católicos, os protestantes, os espíritas e principalmente os médicos. Algumas de suas palestras foram proferidas em lugares não espíritas (4). Buscando difundir ainda mais seu ideário, fundou o jornal A Razão (5). Nele Mattos mantinha uma coluna diária, chamada “A Nota”, na qual opinava sobre diferentes temáticas que iam de assuntos políticos à questões feministas, por exemplo. Dentre os temas que foram priorizados por Mattos, temos os constantes ataques que este direcionou aos membros da ciência oficial e particularmente aos médicos psiquiatras.

A loucura era, para Mattos, uma grande preocupação. Na contramão da ciência oficial, ele acreditava que a causa da loucura era espiritual e não física. Segundo Mattos, espíritos, ao se aproximarem de um indivíduo, por maldade ou ignorância, poderiam causar a loucura. Ele desenvolveu, portanto, uma metodologia de tratamento aos loucos que recebia no manicômio que fundou nas instalações do Redemptor.

Acreditamos que a representatividade social do Redemptor, no que tange as disputas que seu dirigente travou com os kardecistas e com a medicina psiquiátrica oficial, foi até o momento, pouco estudada pelas ciências sociais.

A presente dissertação apresentará alguns temas fundamentais para a análise da trajetória de formação e consolidação do Espiritismo Racional e Científico Cristão no Brasil e a construção, por parte do dirigente desta doutrina, de uma concepção e de uma metodologia de tratamento à loucura. Dessa maneira, objetivamos em primeiro lugar, analisar o processo de formação do Espiritismo Racional e Cientifico Cristão em contraposição ao Espiritismo Kardecista e perceber os argumentos utilizados por Luiz de Mattos para legitimar sua doutrina e deslegitimar, em contrapartida, a doutrina de Kardec; em segundo lugar, intencionamos analisar a concepção espírita racional e científica acerca da loucura e a terapêutica adotada para o tratamento desta enfermidade pelo Centro Espírita Redemptor e perceber, em linhas gerais, a estrutura do argumento utilizada por Luiz de Mattos para legitimar a terapêutica alternativa que desenvolveu e condenar os representantes da medicina oficial.

Um exemplo de lugar não espírita no qual Mattos proferiu palestras, foi a Associação de Empregados do Comércio do Rio de Janeiro.

O recorte temporal que adotamos compreende os anos de 1912 a 1924. A primeira data justifica-se por ter sido o ano de inauguração do manicômio do Redemptor e a segunda data por ter sido o ano de publicação de uma série de cartas de Luiz de Mattos, no jornal A Pátria, com o intuito de deslegitimar o kardecismo e diferenciar sua doutrina deste.

As fontes documentais que utilizamos foram principalmente: os livros de registro de atividades do Centro Espírita Redemptor dos anos de 1912 a 1915; a primeira e a segunda edição do Livro básico do Espiritismo Racional e Científico Cristão;
a coluna A Nota veiculada pelo jornal A Razão entre os anos de 1916 a 1921; o livro Cartas Oportunas sobre Espiritismo, onde foram publicadas as cartas de Luiz de Mattos com sua visão sobre o Espiritismo de Kardec, em 1924.

A metodologia escolhida para o tratamento das fontes históricas utilizadas na presente investigação foi a análise de discurso baseada no autor José D’ Assunção Barros (2002). Para este autor, a análise do discurso deve contemplar três dimensões: o contexto, o intertexto e o intra texto. Em relação à análise contextual, enfatizaremos o meio social em que o discurso foi proferido, ou seja, a relação do texto com a sociedade a sua volta. Já na análise intertextual buscaremos perceber a relação das fontes com as obras que deram arcabouço para sua produção, que ajudaram na formação intelectual do seu produtor, dando-lhe embasamento teórico. Dessa forma, buscaremos traçar uma filiação teórica dos membros do Espiritismo Racional e Científico Cristão, em especial de seu fundador, Luiz de Mattos. Por fim, com o intratexto, levaremos em consideração a estrutura interna de algumas fontes analisadas, percebendo o seu sentido de acordo com as estruturas e os códigos linguísticos vigentes naquele momento.

A presente dissertação está dividida em três partes:

No capítulo 1, intitulado A criação do Espiritismo Racional e Científico Cristão e a frente de Batalha contra o Espiritismo Kardecista, traçaremos um panorama contextual da formação do Espiritismo na França e no Brasil, percebendo as influências teóricas oitocentistas que influenciaram a formação desta doutrina. Julgamos necessário tecer esse quadro contextual do Espiritismo Kardecista por considerarmos o Espiritismo Racional e Científico Cristão uma dissidência do Kardecismo.

Em seguida, apresentaremos a doutrina Espírita Racional e Científico Cristã - sua criação em São Paulo, sua vinda para o Rio de Janeiro e a fundação do Centro Espírita Redemptor, sua estrutura e organização em termos de instalações e atividades desenvolvidas. Teceremos ainda, uma breve biografia de seu fundador, Luiz de Mattos.

Por fim, apresentaremos as estratégias utilizadas por Luiz de Mattos, fundador do Espiritismo Racional e Científico Cristão para deslegitimar o Kardecismo e em contra partida, legitimar a sua nova doutrina. Este capítulo foi pensado no intuito de preencher uma lacuna existente na atual historiografia no que diz respeito a história da doutrina Espírita Racional e Científica Cristã.

As pesquisas, até o momento, que investigaram a atuação desta doutrina deram ênfase à atuação social desta doutrina. Gama (1992) investigou a repercussão dessa doutrina nos jornais cariocas do início do século XX, principalmente no que concernem as disputas com a medicina oficial. Maggie (1994), por sua vez, no capítulo de seu livro que destinou ao Redemptor, enfatizou os processos judiciais sofridos por esta instituição. Esses trabalhos não problematizaram a filiação teórica desta doutrina e as divergências existentes com os Kardecistas.

Visamos, portanto, com este capítulo, abrir um campo de discussão, ainda inexplorado e com inúmeras possibilidades de aprofundamento em futuras investigações.

No segundo capítulo, intitulado Diferentes Concepções de Loucura, analisaremos a construção da psiquiatria moderna a partir de alguns teóricos europeus como Pinel e Morel, e perceberemos, em linhas gerais, como se deu a construção do saber médico psiquiátrico em solo brasileiro.

Em seguida, perceberemos a visão espírita da loucura presente nos textos de Kardec e analisaremos a obra de Bezerra de Menezes, A Loucura sob Novo Prisma, publicada no final do século XIX. Ainda no segundo capítulo, veremos a concepção Espírita Racional e Científica Cristã sobre a loucura e perceberemos os pontos convergentes entre esta e a concepção kardecista.

No terceiro e último capítulo, perceberemos a metodologia empregada por Luiz de Mattos para tratar os loucos que recebia nas instalações do Redemptor. Nesse capítulo veremos ainda como se deu a perseguição ao centro e como Mattos se articulou para defender seu posicionamento publicamente através de sua coluna em A Razão e através da divulgação de cartas contendo relatos de curas supostamente realizadas pelo Redemptor.

CAPÍTULO 1
A CRIAÇÃO DO ESPIRITISMO RACIONAL E CIENTÍFICO CRISTÃO E A
FRENTE DE BATALHA CONTRA O ESPIRITISMO KARDECISTA

1.1.     BREVE CONTEXTO DE FORMAÇÃO DO ESPIRITISMO

França. Década de cinquenta dos oitocentos. Os salões parisienses estavam abarrotados de curiosos buscando informações sobre a novidade que os jornais veiculavam constantemente: mesas que giravam e chegavam a voar sem que, aparentemente, sofressem qualquer impulso físico ou material. Algumas pessoas iam até estes salões para sanarem seus espíritos especulativos, mas outras, buscavam essas mesas com o intuito de estudá-las e desvendar o que havia por trás dos movimentos que faziam (Wantuil, 2007).

Como exemplo das notícias então veiculadas pelos jornais franceses, destacamos o seguinte fragmento de uma carta publicada por alguns jornais no ano de 1853:

Em 8 de maio de 1853, no círculo literário de Aleçon, após sérias experiências feitas em companhia de vários amigos e colegas, pensei, podendo para isso dispor de numerosos experimentadores, pôr em movimento uma mesa de bilhar.
Formamos uma cadeia de vinte e duas pessoas ao todo. Nossas mãos só se apoiavam nas tabelas de acaju, mas ficavam rigorosamente isoladas do pano do bilhar. Eis que, ao cabo de quarenta e oito minutos, um estalido bastante pronunciado se fez ouvir e logo sentimos a oscilação do móvel; quatro minutos depois a mesa de bilhar se dirigia para a direita.
Quando já havia percorrido uma distância aproximada de cento e vinte centímetros, ordenei-lhe que parasse e voltasse imediatamente ao seu ponto de partida. Houve um minuto de hesitação, após que a mesa retornou e estacou com uma tal precisão que nos encheu a todos de grande pasmo. (Prevost apud
Wantuil, 2007: 57- 58).

Segundo Medina (2006) a suposição de que o movimento das mesas era realizado por espíritos fez com que as reuniões para assistir as mesas girantes se tornassem eventos sociais de “curiosidade e divertimento” (Medina, 2006: 4).
Atraído pela repercussão que tal fenômeno estava alcançando na sociedade, um pedagogo francês, chamado Hippolyte Léon Denizart Rivail, decidiu em 1855, estudar mais a fundo as mesas girantes. Mostrou-se cético a princípio, pois acreditava que não era uma postura científica atribuir a este fenômeno causas sobrenaturais sem que um estudo mais acurado fosse realizado.

Podemos dizer que Rivail era um intelectual respeitado por seus contemporâneos, uma vez que recebeu diversos prêmios e honrarias, como: o Diploma de Membro Residente da Sociedade Gramatical, o Diploma de Membro da Sociedade para Instrução Elementar, Diploma da Sociedade de Educação Nacional, dentre outros (Wantuil, 1979: 174, 175). Rivail lecionava diversas disciplinas como lógica, retórica, anatomia comparada e fisiologia. Ele era ainda poliglota, dominando idiomas como alemão, grego e gaulês (Wantuil, 2002).

Ao se deparar com as Mesas Girantes, Rivail inicialmente manteve-se numa postura cética. As este respeito Medina (2006) afirma:

[Rivail] em um trabalho sobre educação pública comentava, também, que aquele que tivesse preocupações científicas ruir-se-ia da credulidade dos supersticiosos e ignorantes, não acreditaria em espectros e fantasmas e não aceitaria fogos fátuos por espíritos, mas, em nome daquela mesma ciência, afirmava não poder se furtar à investigação diante de fatos que exigiam comprovação (Medina, 2006, pág. 4).

Nesse tocante, podemos exemplificar com a própria fala de Rivail a respeito do fenômeno das mesas girantes:

/.../ outras vezes o objeto era violentamente sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e, e contrariamente a todas as leis da estática, levantado do chão e mantido no espaço. (Kardec, 1994: 17)

Após ter iniciado seus estudos, Rivail convenceu-se de que as mesas não eram manipuladas por pessoas em busca de lucro, nem eram princípios inteligentes de vida autônoma. Segundo ele, as mesas estavam sendo movidas por espíritos que  intencionavam comunicar-se através dos giros e batidas das mesas. Rivail, portanto, desenvolveu uma metodologia de comunicação com o que acreditava se tratar de espíritos. Em 1857, utilizando o pseudônimo de Allan Kardec, publicou O Livro dos Espíritos contendo o fruto de suas pesquisas.

Para se designarem coisas novas, são precisos termos novos.” (Kardec, 1994, p.13). Com esta citação, que Allan Kardec inicia O Livro dos Espíritos, o autor pretendia enunciar que as ideias expressas em seu livro não teriam vinculação com outras doutrinas religiosas existentes. Ele acreditava no ineditismo do conteúdo de sua obra. Kardec criou, portanto, um termo novo para designar o conjunto de ideias expressas em seu livro: Espiritismo (6).

Segundo Kardec, o Espiritismo era uma forma de Espiritualismo (7) e tinha, como uma de suas principais características, a crença na comunicação do mundo material com o mundo espiritual, ou em outras palavras, a possibilidade de comunicação entre vivos mortos. Esta visão, que considera o Espiritismo como uma forma de Espiritualismo, foi aceita por diversos autores que se atém ao estudo da criação do Espiritismo, dentre os quais, destacamos Damazio (1994), Machado (1983) e Wantuil (2007). Para eles o Espiritismo foi uma doutrina criada no contexto do espiritualismo moderno e, portanto, uma vertente deste.

Com a publicação de O Livro dos Espíritos, a doutrina espírita saiu das fronteiras do solo francês e repercutiu por outros países da Europa, onde já estavam sendo realizadas reuniões de comunicação com os espíritos (Wantuil, 2007). O Espiritismo logo fez adeptos em países como Alemanha, Inglaterra, Rússia e Bélgica, adquirindo admiradores e opositores de diferentes esferas sociais. Dentre os opositores, encontravam-se, por exemplo, membros do catolicismo e representantes da ciência oficial. No que tange à oposição exercida pela ciência, Damazio (1994) afirma que os fenômenos espirituais, objetos de estudo do Espiritismo, não eram comprovados pela ciência. Por esta razão os cientistas não legitimavam a teoria e a prática espíritas.

Como forma de defesa às diversas críticas que sua doutrina recebia, Kardec, constantemente destinava espaço, na introdução dos livros que publicou, para responder aos seus opositores (8). Um dos exemplos neste sentido pode ser observado no livro XX quando Kardec afirma:

A ciência propriamente dita, como ciência, é incompetente para pronunciar-se na questão do Espiritismo; ela não tem que se ocupar com isso, e qualquer que seja seu julgamento, favorável ou não, não tem nenhuma importância. (Kardec, 1994: 31)

A relação de Kardec com a ciência merece uma reflexão mais cuidadosa. Se por um lado, ele desprezou a opinião da ciência oficial, e fez questão de enfatizar que tal opinião era irrelevante para a legitimação do Espiritismo, por outro lado, percebemos que algumas vezes, ele utilizou o termo “ciência espírita”, em suas obras, ao se referir a sua doutrina (Kardec, 1994: 46). Acreditamos que esta titulação se configurou como uma estratégia de legitimação do Espiritismo, uma vez, que o contexto oitocentista relegava a um segundo plano as formas de discurso não científicas.

A seguir, traçaremos um breve quadro contextual das ideias correntes no século XIX que influenciaram a formação da teoria espírita. Nos apoiaremos em alguns autores que discutiram o assunto e destacaremos alguns trechos de O Livro dos Espíritos que deem suporte às ideias apresentadas.

1.1.1. AS INFLUÊNCIAS TEÓRICAS SOFRIDAS PELO ESPIRITISMO

Dentre os autores nacionais que investigaram a relação entre o Espiritismo e as teorias científicas correntes do século XIX, destaca-se Damazio (1994). Segundo esta autora, a doutrina espírita se desenvolveu em um momento em que se acreditava que as ideias modernas não podiam conviver com o sobrenatural. Segundo a autora, o século XIX foi um período em que se buscavam incessantemente leis que regulassem a natureza e a sociedade. A ciência seria o único meio de se chegar ao conhecimento que estava fortemente entrelaçado com o materialismo.

O oitocentos foi, portanto, um período amplamente marcado pelo Cientificismo.
O cientificismo também pode ser percebido em outros campos de atuação do homem.

Ao analisar o movimento operário gaúcho na Primeira República Schmidt (2001) explica que as teorias cientificistas:

/.../ procuravam romper com as explicações abstratas e metafísicas, buscando desvendar racionalmente a lógica do mundo natural, social, humano e sobrenatural, preferencialmente através da observação empírica. Todas tinham como ponto em comum a convicção de que a ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade. (Schmidt, 2001:113).

Apesar desta tendência, a referência a Deus era constantemente resgatada por sociedades maçônicas, grupos católicos e grupos de estudos religiosos num processo de reação contra estas teorias cientificistas e materialistas (Damazio, 1994).

A autora situa o Espiritismo como uma vertente do “espiritualismo eclético do Século XIX” (Damazio, 1994:11). A idéia da criação do Espiritismo como uma reação ao Cientificismo também é compartilhada por Machado (1983). Para este autor, práticas espiritualistas podem ser identificadas desde o século XVIII, ou seja, antes mesmo do advento do Espiritismo (9).

Se as práticas espiritualistas antecedem o advento do Espiritismo, a construção da lógica racionalista não foi iniciada no século XIX. Este pode ser percebido desde o século XVII, quando duas correntes explicativas do mundo rivalizavam suas versões sobre a criação do homem e do universo: uma fundada na Igreja Católica e outra que buscava conhecimentos físicos e matemáticos (Damazio, 1994).

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, o experimentalismo foi ganhando espaço e os dogmas da Igreja foram sendo cada vez mais questionados.

Já no Período Iluminista, a análise detida dos objetos de estudo passou a ser um requisito fundamental no meio intelectual. Segundo a autora:

Com os iluministas, a análise deixou de ser instrumento intelectual utilizado, apenas, para a busca do conhecimento físico matemático, para se transformar em instrumento necessário em todos os campos do conhecimento (Damazio, 1994: 17).

As interferências sobrenaturais e os milagres deixaram de ter a importância que tinham enquanto formas de explicação sobre os fenômenos da natureza.

Wehling (2001) corrobora com a visão de Damazio (1994). Segundo ele, houve uma deificação da ciência, que passou a se constituir como a visão de mundo determinante. Em suas palavras tal movimento ocorreu devido a:

/.../ hipertrofia da ciência, a supervalorização do pensamento científico, o triunfo da objetividade da pesquisa sobre a especulação filosófica (Wehling, 2001:142).

O surgimento e a expansão do Kardecismo foram analisados por Damazio (1994) dentro deste contexto de emergência das teorias cientificistas. Esta também foi a perspectiva assumida por Soares (2008) em sua investigação na qual mapeia as influências teóricas oitocentistas sofridas por Kardec e que podem ser observadas em suas obras espíritas. Para estes autores, o Espiritismo foi amplamente influenciado por diversas correntes teóricas e cientificas do século XIX, visando conseguir legitimação perante a sociedade na medida em que o discurso oriundo da ciência possuía caráter de veracidade.

Assim, apesar do Kardecismo filosoficamente se contrapor ao materialismo, sua prática social se apropriou do princípio da experimentação, próprio do cientificismo, para fundamentar e buscar legitimidade social às suas ideias. Neste sentido, Lewgoy (2004) entende que:

Kardec foi um homem das luzes, que criou uma religião altamente relacionada com os ideais de sua época: laicidade, progresso e espírito científico (Lewgoy 2004: 85-86).

Segundo Damazio (1994), Kardec acreditava que os fenômenos espíritas eram passíveis de observação e experimentação, visto que para ele, o mundo espiritual era um prolongamento do mundo físico. Por esta razão o Espiritismo poderia ser considerado uma doutrina científica. Kardec não queria simplesmente travar contato com o mundo espiritual, ato que feiticeiros europeus diziam fazer há muito tempo. Kardec visava provar a existência do mundo espiritual e por isso recorria a métodos e técnicas de experimentação.

Quanto a esse posicionamento de Kardec, Soares (2008) tece as seguintes palavras:

De forma análoga aos seus pares, Kardec supunha poder submeter todos os fenômenos, inclusive os sociais, a leis rigorosas. No entanto, era preciso considerá-los além da matéria (Soares, 2008: 4).

No tocante as influências teóricas que o Espiritismo sofreu em sua origem, Damazio (1994) afirma que uma das mais importantes foi a Evolução das Espécies. A seleção natural deu um golpe forte na Teoria Criacionista quando afirmou que as variações orgânicas eram relativas a condições ambientais e que no ambiente existe um critério de adaptabilidade em que o mais forte tende a sobreviver e perpetuar sua espécie.

Kardec aceitou e desenvolveu as ideias evolucionistas. No corpo teórico do Espiritismo, ele afirmou que o ser humano passaria por sucessivas etapas que o levariam ao estágio de ser civilizado. A influência da obra de Darwin no pensamento Kardecista também foi ressaltada por Soares (2008) quando afirma que “Kardec, embora não citasse Darwin nominalmente, parece ter se apropriado em parte de sua teoria” (Soares, 2008: 8).

Em O Livro dos Espíritos, podemos perceber a influência evolucionista na concepção espírita. Destacamos o seguinte fragmento:

Assim sendo, os Espíritos seriam em sua origem semelhantes às crianças, ignorantes e sem experiência, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos que lhes faltam ao percorrer as diferentes fases da vida?
Sim, a comparação é boa. A criança rebelde permanece ignorante e imperfeita, tem maior ou menor aproveitamento segundo sua docilidade. Porém, a vida do homem tem um limite, um fim, enquanto a dos Espíritos se estende ao infinito (Kardec, 1994: 96).

A partir do exemplo acima, percebemos as influências darwinistas na obra kardecista, uma vez que analogamente, Kardec compara o desenvolvimento da vida espiritual ao desenvolvimento humano. Para ele o início da vida espiritual seria uma espécie de infância, onde a criança ainda não tem todas as suas faculdades desenvolvidas. Segundo a teoria kardecista, o espírito é uma criação divina, que no ato da criação, não possui suas faculdades morais, cognitivas e emocionais desenvolvidas.

Através das múltiplas reencarnações o espírito se desenvolve e atinge o progresso. A reencarnação é um principio doutrinário espírita e de outras religiões africanas e orientais. Ele defende a ideia de que o espírito humano voltaria sucessivas vezes a Terra (10). No decorrer das diferentes reencarnações, o espírito passaria por diversos estágios, que incluem sua passagem pelos reinos mineral, vegetal, e animal. A meta final deste processo é a chegada do espírito ao estágio de perfeição e progresso.

Destacamos o seguinte fragmento, extraído de O Livro dos Espíritos, a respeito dos objetivos da reencarnação:

/a reencarnação objetiva/ dar aos espíritos condições de cumprir sua parte na obra da criação. Para realizá-la é que, em cada mundo, toma um corpo em harmonia com a matéria essencial desse mundo para executar aí, sob esse ponto de vista, as determinações de Deus, de modo que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta (Kardec, 1994, 103).

Percebemos a partir do exposto acima, que a reencarnação, para Kardec, é um instrumento que serve para o determinismo divino se concretize. O Espiritismo confere uma roupagem divina ao determinismo. Segundo esta doutrina todo ser humano estaria determinado a evoluir e alcançar o progresso.

Podemos nesse tocante, perceber ainda a influência que a teoria espírita recebeu das ideias de Augusto Comte. Tanto Damazio (1994) quanto Soares (2008) destacam esta influência. Segundo esses dois autores, a ideia de Comte de que o progresso humano se realizaria por etapas sucessivas e necessárias foi aceita e incorporada na obra de Kardec. Achamos ilustrativo o trecho a seguir onde se percebe a ideia de progresso presente no pensamento Kardecista:

A cada nova existência, o espírito dá um passo para diante na senda do progresso. Desde que se ache limpo de todas as impurezas, não tem mais necessidade das provas da vida corporal. (Kardec, 1994: 121)

Assim podemos perceber que Kardec relaciona sua doutrina com três teorias vigentes no século XIX – Determinismo, Evolucionismo e Positivismo. Ele estabelece um elo entre elas e a reencarnação. Podemos dizer, em linhas gerais, que ele confere uma nova interpretação a estas teorias oitocentistas – ao invés de negá-las, como, por exemplo, o fez igreja católica, Kardec as adaptou ao corpo doutrinário espírita.

Além das influencias já mencionadas, os estudiosos da obra e das ideias de Kardec costumam mencionar outras duas influências importantes que ele sofreu. Uma foi do professor Johann Heinrich Pestalozzi (1746/1827) que lhe deu aulas durante a juventude (11). Damazio (1994) afirma que este educador, influenciou as concepções religiosas de Kardec. Segundo a autora:

A identificação de [Kardec] com o pensamento Pestalozziano se fez através dessa espécie de Cristianismo sem dogmatismo, da crença na bondade intrínseca do ser humano e da tolerância para com as mais diferentes crenças (Damazio, 1994:44).

Outra influencia muito mencionada na literatura especializada foi Franz Anton Mesmer (1734/1815) conhecido magnetizador europeu e criador do mesmerismo (12).

Machado (1983) situa o mesmerismo no interior de uma “grande correnteza mística” (p.23) do século XVIII, ao atribuir virtudes curativas ao que Mesmer chamou de “magnetismo animal” (13).

O magnetismo animal foi uma das explicações utilizadas para explicar a causa das mesas girantes (Wantuil, 2007).

Alvarado, Machado, Zangari e Zingrone (2007) tecem o seguinte comentário a respeito do mesmerismo que julgamos esclarecedor:

O mesmerismo surgiu na Europa e teve seu auge no século XVIII. O termo “mesmerismo” está ligado às práticas de Franz Anton Mesmer (1734-1815), médico alemão que vivia na Áustria e fazia constante pesquisa sobre o “fluido universal” ou, como ele denominava “magnetismo animal”, um tipo de força que controlaria o bem-estar humano. O desequilíbrio dessa força causaria doenças que poderiam ser curadas com a utilização de ímãs ou objetos magnetizados para o tratamento terapêutico.
Com o tempo, porém, Mesmer começou a perceber que, mesmo sem os ímãs ou objetos magnetizados, poderia curar as pessoas, pois o que agia realmente era o magnetismo animal emanado do magnetizador que se desprendia das extremidades de seus nervos através dos dedos (Buranelli, apud Alvarado, C.S. et AL, 2007: 43).

Segundo Bersot (1995), Mesmer iniciou sua teoria a partir da ideia de que os planetas influenciavam uns aos outros e, por conseguinte, poderiam influenciar os corpos humanos através de um “fluido sutil” que tinha a propriedade de em tudo penetrar. Segundo Mesmer, este fluido tinha semelhanças com imãs e por isso, foi chamado de Magnetismo Animal.

Afirmando que o Magnetismo Animal era possuidor de propriedades curativas, Mesmer, que era médico, fundou uma casa de saúde na qual utilizava lâminas e anéis imantados para curar diversos problemas de saúde (Bersot, 1995).

Segundo Damazio (1994), Kardec quando contava com cerca de trinta e cinco anos aproximadamente, se interessou pelo estudo do magnetismo. Segundo a autora:

De início, [Kardec] interessou-se pela aplicação do magnetismo à terapêutica, observou a força magnética que todos os seres humanos possuem – se bem que em graus bem diferentes – e tornou-se magnetizador. (Damazio 1994:45-46).

Podemos relacionar a influencia da teoria mesmerista, com o fenômeno que Kardec denominou em sua doutrina, por passe. Os espíritas acreditam na existência de determinadas pessoas que nascem com a possibilidade de se comunicar com o plano espiritual, essas pessoas foram denominadas médiuns. Os médiuns segundo Kardec, serviam de medianeiros entre os espíritos e os vivos (14). Para ocorrer em um determinado local, uma manifestação de um espírito, era necessária a presença de um médium. No passe, o médium acreditando estar sob a influência de um espírito, se coloca próximo a uma determinada pessoa e imposta suas mãos sobre ela. Assim o kardecismo acredita que o médium estaria ajudando a obter melhora de alguma enfermidade. No mesmerismo adotava-se uma prática semelhante. Neste caso, o magnetizador impostava suas mãos em direção a um enfermo no intuito de reequilibrar seu organismo.

Agora, que acabamos de analisar as origens e influências sofridas pelo Espiritismo kardecista, vejamos como ele foi recebido e se estabeleceu no Brasil no final do século XIX e início do século XX.

1.1.2 O ESPIRITISMO NO BRASIL

Não tardou para que os primeiros exemplares do Livro dos Espíritos, publicado pela primeira vez em 1857 atravessassem o Atlântico e viessem ao Brasil trazidos por imigrantes franceses. Os autores que analisam a chegada deste ideário ao Brasil costumam situá-lo no início dos anos 1860 (Damazio, 1994; Giumbelli, 1997).

Neste sentido, a análise da chegada deste ideário remete ao contexto histórico do século XIX no Brasil. Desde a chegada da Família Real (1808), várias modernizações foram realizadas, principalmente em questões culturais, especialmente a cidade do Rio de Janeiro. A sede da Corte passou a receber ideias que estavam em voga na Europa, tais como o Darwinismo e o Positivismo. O Cientificismo também chegou ao Brasil na mesma época. Tal qual na Europa, a busca religiosa no Brasil era intensa. Naquela época algumas experiências se popularizaram entre a elite letrada brasileira como o magnetismo animal e o mesmerismo (Damazio, 1994).

Um dos motivadores deste interesse foi a repercussão do caso ocorrido nos Estados Unidos das irmãs Fox, mencionado anteriormente. Algumas pessoas no Rio de Janeiro, inspiradas por esta experiência, realizaram reuniões cuja finalidade era a comunicação com espíritos.

Em meados do século XIX, chegou ao Brasil o Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Necessárias para Uso das Famílias. Este dicionário reunia indicações sobre doenças e práticas curativas. Seu autor, o médico Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, chegou ao Rio de Janeiro em 1840 integrando a Missão Francesa. Ele permaneceu por aqui durante 15 anos. A popularidade do dicionário foi tanta, que em 1918 ele alcançou a décima oitava edição. Dois verbetes guardam intima relação com nosso trabalho: Magnetismo Animal e Sonambulismo (15).

Em relação ao Magnetismo Animal consta o seguinte:

Entende-se por magnetismo animal uma reunião de fenômenos nervosos particulares, produzidos pela influencia de um indivíduo sobre outro /.../ O magnetismo animal deve ser estudado, pois no meio dos abusos que o acompanham, e independentemente do charlatanismo que o explora, existem fatos reais, mui curiosos e assaz importantes. (Chernoviz, 1890: 350 - 351).

A versão apresentada reconhece os fatos decorrentes do magnetismo chegando a denominá-los de assaz importantes. Este dicionário também ensina como o magnetizador e o magnetizado deve proceder para obter resultados positivos. Quanto a isso, destacamos o seguinte fragmento:

Para se obterem efeitos magnéticos, são indispensáveis certas condições da pessoa que magnetiza, e da que é magnetizada. O magnetismo é produzido pela força da vontade: convém, por conseguinte, que o magnetizador tenha uma vontade firme, um desejo vivo de produzir efeitos /.../ Da parte do magnetizado, revela que este se queira submeter, que deseje e creia. Se for doente, enfraquecido, de uma constituição sensível, afetado de alguma moléstia do sistema nervoso, achar-se-á nas condições favoráveis pois que, sem essa vontade, a superfície do seu corpo fica, por assim dizer, fechada para o agente que se envia. (Chernoviz, 1890: 352)

Mais adiante, o mesmo verbete afirma que o magnetismo animal age sobre o cérebro, que controla todas as demais funções do corpo humano. Assim sua aplicação magnética poderia ser considerada uma forma de se tratar diversas enfermidades. O verbete afirma ainda, que esta seria uma excelente forma de se praticar a filantropia.

Com relação ao Sonambulismo, este dicionário afirma existirem duas formas: uma natural, e outra artificial, gerada a partir da magnetização do indivíduo. Um indivíduo sonambúlico estaria, em linhas gerais, numa espécie de transe e nesse estado, poderia realizar tarefas que em circunstâncias normais, não seria capaz de fazê-lo.

Damazio (1994) afirma que experiências com sonambulismo e magnetismo eram comuns no Rio de Janeiro antes da chegada do Espiritismo ao Brasil. No nosso entender, as passagens extraídas do Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Necessárias para Uso das Famílias corroboram com a visão apresentada por esta autora, uma vez que tal dicionário teve ampla aceitação na sociedade brasileira oitocentista.

Machado (1983) afirma que era comum se encontrar anúncios de pessoas se dizendo magnetizadoras e sonambúlicas, cobrando por estes serviços. Quando os jornais cariocas começaram a noticiar o fenômeno das mesas girantes, que precederam a publicação do primeiro livro de Kardec, temas relacionados com o magnetismo e o sonambulismo já eram correntes.

O próprio fenômeno das mesas girantes havia sido noticiado nos jornais brasileiros antes da publicação da obra de Kardec. Wantuil (2007) afirma que alguns jornais cariocas noticiavam a respeito do fenômeno europeu das mesas girantes.

Segundo este autor, o Jornal do Comércio foi pioneiro ao publicar em 1853, uma notícia na coluna internacional, onde um correspondente narrava sua experiência de observação das referidas mesas. No dia 7 de julho de 1853 o Jornal do Comércio apresentou a seguinte notícia:

A mesa gira ou não gira com a imposição dos dedos? Move-se ou não o chapeau do infeliz curioso que o sujeita a uma cadeia de meiminhos? A matéria inerte recebe por transmissão o fluido vital, e em vez de ser movida à força bruta é capaz de empuxar as mãos delicadas que têm a paciência de a aquecerem? – eis o tema exclusivo das conversações, das disputas, das experiências, não só de Paris, Brémen e Nova Iorque, mas também da Lutécia americana, da volúvel cidade do Rio de Janeiro (Jornal do Comércio apud Wantuil, 2007: 128).

Assim, a publicação e aceitação do Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Necessárias para Uso das Famílias e a difusão e receptividade das notícias relacionadas com o fenômeno das mesas girantes nos permitem concluir que existia no Brasil um campo fértil para a difusão de ideias e práticas espiritualistas quando os primeiros exemplares de O Livro dos Espíritos cruzaram o Atlântico para o Brasil.

As ideias espiritualistas não começaram, portanto, com a chegada desta obra.

Damazio (1994) reitera esta visão afirmando que a comunicação dos homens com os espíritos é uma prática para os brasileiros que remonta os tempos coloniais, uma vez que as religiões de origem africana e ameríndia são de base espiritualista. Assim, o contato com o sobrenatural e a aceitação do misticismo são práticas comuns na população brasileira de maneira geral (Machado,1983).

Na mesma linha de pensamento, Wehling (1999) afirma que a tradição brasileira em relação ao misticismo remonta a época colonial e segundo o autor:

/a cultura religiosa colonial/ era mesclada e sincrética. Além dos princípios da religião oficial, incorporava elementos mágicos e supersticiosos de origem não apenas indígena ou africana, mas também medieval portuguesa /.../ (Wehling, 1999: 250).

Quando o Espiritismo chegou ao Brasil já havia, portanto, um terreno propício para a sua aceitação. Um terreno cultivado por séculos na mentalidade da população e por contatos travados com as novidades europeias através dos jornais circulantes.

A doutrina Kardecista foi recebida inicialmente pela elite intelectual e econômica da Corte. Segundo Damazio (1994):

A doutrina mística de origem europeia, aceita por um grupo de imigrantes de prestígio econômico, social e cultural – formado em grande parte por professores, jornalistas e comerciantes – em seus primórdios, restringiu-se a reuniões esotéricas e algumas poucas publicações (Damazio, 1994: 65).

Os autores que analisaram a chegada destas ideias em nosso país costumam associar a adesão da elite a nova doutrina, pelo fato dela ser letrada e muitas vezes versada no idioma francês. Este aspecto facilitava o acesso aos livros espíritas. Além disso, as ideias espíritas foram relacionadas pelos brasileiros com o ideário de caráter liberal e socialista, que estava sendo difundido e estudado pela elite brasileira naquele momento (Machado, 1983).

O “Grupo Familiar do Espiritismo” na Bahia (16) é considerado o primeiro centro Kardecista do Brasil (Machado,1983). A perseguição aos espíritas baianos, principalmente por membros do clero, foi um dos fatores que inviabilizou o desenvolvimento desta doutrina naquele estado.

Foi, todavia, no Rio de Janeiro, capital da Corte, que o Espiritismo se desenvolveu e deu origem a diversos grupos espíritas. Tais grupos, no entanto, não eram ideologicamente coesos. Damazio (1994) pontua que existiam dois grupos que se destacavam: os grupos religiosos e os grupos científicos.

A seguir, veremos de forma mais detalhada as disputas no interior do movimento espírita carioca.

1.1.3.   ESPIRITISMO: CIÊNCIA OU RELIGIÃO?
DIVERGÊNCIAS ENTRE GRUPOS ESPÍRITAS RIVAIS

Machado (1983) afirma que em 1873, foi criado o primeiro grupo espírita do Rio de Janeiro – o “Grupo Espírita Confúcio”. Segundo este autor, tal grupo propagandeava suas atividades através da imprensa carioca e realizava atendimentos à população com remédios homeopáticos e passes fluídicos (17).

As elites, como já foram mencionadas anteriormente, foram as mais receptivas inicialmente ao ideal espírita. O restante da população, no entanto, também aderiu ao Espiritismo Kardecista que aos poucos foi ganhando um ar sincrético, uma vez que incorporou certos ritos católicos e determinadas práticas afro-brasileiras (Machado, 1983).

Machado (1983) afirma que em 1876, o “Grupo Espírita Confúcio” fundou a “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”. Com esta base institucional, iniciou-se um processo de fundação de diversos outros centros pelo interior do estado do Rio de Janeiro e por outros estados brasileiros.

Na medida em que se expandia, formavam-se no interior desta Sociedade duas tendências: Uma – mística - dava ênfase às questões religiosas da doutrina enquanto outra – científica - priorizava as questões científicas da doutrina. Na pauta dos assuntos tratados pelos científicos estava a comprovação da existência dos espíritos através das materializações (18), por exemplo (Machado, 1983).

Damazio (1994) concorda com a existência de uma cisão no movimento espírita.

Ela identificou ainda outra cisão. Desta vez no interior do grupo místico. Segundo esta autora havia os Kardecistas, que seguiam prioritariamente a doutrina presente no livro de Kardec – O Evangelho segundo o Espiritismo e os Roustainguistas. Roustaing foi um advogado oitocentista que convertido ao Espiritismo, lançou uma teoria considerada, por muitos, como controversa no período em questão. Em linhas gerais, Roustaing acreditava que a gravidez da virgem Maria era fictícia e que Jesus Cristo não habitou um corpo material, mas um corpo fluídico, ou seja, imaterial.

As brigas entre as vertentes espíritas e entre os grupos que se formavam, deixou o movimento espírita bastante vulnerável. Na década de oitenta do século XIX, foi fundada a Federação Espírita Brasileira e o Jornal O Reformador. Segundo Damazio (1994) este periódico tentava conciliar místicos e científicos, publicando artigos que falassem tanto sobre a faceta religiosa da doutrina, quanto sobre a científica.

Giumbelli (1997) entende que dividir os grupos espíritas oitocentistas entre religiosos e científicos não dá conta de explicar o movimento espírita deste período. O autor acredita que os limites entre ciência e religião na doutrina espírita eram tênues e se relacionavam. Como exemplo, o autor cita o livro escrito por Bezerra de Menezes A Loucura sob outro Prisma.

Bezerra de Menezes foi um médico espírita, que tinha, segundo a historiografia corrente, inclinação para o aspecto religioso do Espiritismo. No entanto, escreveu uma obra que julgou científica. Esse argumento foi desenvolvido por Giumbelli, com o intuito de diminuir a polarização entre ciência e religião no nascente movimento espírita brasileiro.

A identificação de duas facetas do Espiritismo também é mencionada por Stoll (2002). Esta autora acredita que o aspecto religioso com que o Espiritismo brasileiro se revestiu teve ênfase na prática dos centros cariocas. Analisando as obras pioneiras de Procópio Camargo (1963) e Bastide (1985), a pesquisadora Stoll (2002) afirma que eles também concordaram com o caráter religioso que o Espiritismo se revestiu no Brasil. Segundo a autora:

Dentre as ideias que postulam, tornaram corrente a assertiva de que o Espiritismo sofreu uma significativa mudança no processo de sua transplantação para o Brasil, considerando-se que na França, onde teve origem, prevalecia a ênfase na dimensão experimental e científica da doutrina, enquanto no Brasil tornou-se dominante a feição mística, religiosa (Stoll, 2002: 365).

Segundo a autora, Bastide (1985) afirma que no Brasil, as classes populares aceitaram o Espiritismo principalmente pelo caráter terapêutico com que este se revestiu, uma vez que era comum os centros conferirem atendimentos terapêuticos para a população. Nesse tocante, afirma Bastide (1985):

Aqui [...] o caráter médico do Espiritismo continua, tanto mais que a tradição do curador, da magia curativa, de definição da doença pela ação mística de feiticeiros ou da vingança dos mortos, permanece a base da mentalidade primitiva” (Bastide apud Stoll 2002: 366).


A prática da caridade foi um dos pilares que unia os diversos grupos espíritas que se formaram no Rio de Janeiro. Sobre este aspecto, Damazio (1994) afirma que homeopatia foi uma aliada do Espiritismo na prática caritativa. Homeopatia, Espiritismo e Mesmerismo tinham muitos pontos em comum. Machado (1983) utiliza o termo “Espiritismo da medicina” (Machado, 1983: 63) para definir a homeopatia, tamanha a relação desta com o Espiritismo. Neste sentido afirma Damazio (1994):

A partir da hipótese de constituição ternária do ser humano, Hahnemann construiu um conceito de saúde e de doença bem próximo a Mesmer. O estado de saúde seria aquele em que o funcionamento do corpo e do espírito se fizessem harmoniosamente (Damazio 1994:84).

A homeopatia foi muito usada nos centros espíritas em receituários à população, dadas geralmente por “médiuns receitistas”. Podemos dizer que a pratica caritativa de oferecer serviços, como por exemplo, receitas homeopáticas à população, estreitou os laços desta com o Espiritismo - não era mais somente a elite que frequentava os centros espíritas.

A expansão do Espiritismo encontrou algumas resistências na sociedade. Esse exercício alternativo da medicina foi perseguido pelas autoridades, principalmente após o Código Penal de 1890. Os artigos 156, 157 e 158 são destinados a coibir a prática do charlatanismo (19).

Tais artigos não visavam coibir a crença religiosa, que neste momento era livre no Brasil, mas sim, controlar as práticas consideradas perigosas. Giumbelli (1997) que se ateve de forma mais detalhada ao estudo desses artigos afirma:

O Código Penal representa na verdade, o marco de uma intervenção que em primeiro lugar, conta com a atuação direta e autorizada dos aparatos policiais, visto ter se tornado o “Espiritismo charlatão” um crime comum /.../ (Gimbelli, 1997:107).

Giumbelli (1997) enfatiza a perseguição judicial que as instituições espíritas sofreram. Uma de suas bases documentais para análise foram os processos judiciais sofridos por tais instituições. Giumbelli (1997) acredita que a construção identitária do Espiritismo relacionou-se a diversos agentes sociais, nos quais estavam incluídos os médicos.

Segundo este autor, a FEB não era uma instituição que tencionava ser a representante das demais instituições espíritas, mas sim, um veículo de propaganda do Espiritismo. Outras instituições espíritas continuaram a ser criadas, algumas de caráter privado, outras que tencionavam atender um grande público, principalmente na prestação de serviços caritativos.

O panorama espírita carioca era confuso e havia ainda, segundo Machado (1983) grupos que se diziam espíritas Kardecistas, mas que realidade, eram membros de outras religiões místicas, como as religiões afro brasileiras, por exemplo.

É nesse contexto, que no início do século XX, um rico comerciante de café, chamado Luiz de Mattos, se converteu ao Espiritismo (20). A militância deste homem teria passado, provavelmente, desapercebida pela história se não fosse o fato de em 1910, ele ter fundado sua própria vertente espírita: O Espiritismo Racional e Científico Cristão.

A seguir, nos ateremos à formação desta doutrina e à fundação do Centro Espírita Redemptor.

1.2. A CRIAÇÃO DO ESPIRITISMO RACIONAL E CIENTÍFICO CRISTÃO E DO CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR
1.2.1. BREVE BIOGRAFIA DE LUIZ DE MATTOS

Não dispomos de muitas informações no que tange a vida de Mattos antes de sua conversão ao Espiritismo. Sabemos que Mattos era português, nascido na província de Trás dos Montes e veio para o Brasil ainda moço ficar com um tio que residia em São Paulo. Morou neste estado boa parte de sua vida. Mattos iniciou atividades econômicas no comércio de café, e com este fez fortuna. Casou-se e constituiu família. Mattos foi um homem de grande prestígio social - em 1887, foi eleito vice-cônsul de Portugal e consta que participou da fundação de diversas empresas, como o Banco de Santos e a Companhia Internacional de Santos.

Um trecho do Jornal Diário de Notícias, de São Paulo, datado de 28-06-1890, nos confere uma ideia do prestígio que Mattos lograva na sociedade:

Esteve imponentíssima a manifestação feita ontem ao Exmo. Sr. Luiz de Mattos, digníssimo Cônsul de Portugal naquela importante cidade. Ás 7 horas da noite já era grande o número de amigos que se achavam na sala do consulado para felicitar a digna autoridade portuguesa.” (Diário de Notícias, 28-06-1890).

Socialmente, Mattos era um homem bem relacionado; foi amigo intimo, por exemplo, de Júlio Ribeiro (21). Em termos de escolha religiosa, Mattos foi ateu boa parte da vida, até que conheceu aos cinquenta anos um centro espírita, o qual passou a frequentar (Gama, 1992). Não tardou para que fundasse uma nova doutrina espiritualista – o Espiritismo Racional e Científico Cristão. Em 1910, em Santos, junto com um amigo, chamado Luiz Thomaz (22), fundou o Centro Espírita Amor e Caridade.

Mattos cresceu em um ambiente que já vinha discutindo e teorizando sobre os fenômenos considerados de cunho espiritual. A sociedade lia e comentava sobre o Espiritismo, que inclusive era tema comum em matérias de diversos jornais brasileiros.

Portanto, podemos qualificar Luiz de Mattos como um “complexo histórico sui generis” (Goldenweiser apud Sahlins, 2006 pág. 145), ou seja, um homem que viveu a cultura de seu tempo, mas não a reproduziu simplesmente, incorporando a ela particularidades concernentes a suas convicções - Mattos criou uma nova vertente espírita, baseada na doutrina kardecista, mas que não era simplesmente uma cópia desta; ele incorporou em sua doutrina aspectos originais e particularidades que tornavam as duas doutrinas diferentes, embora semelhantes.

A seguir, analisaremos o processo de criação do Espiritismo Racional e Científico Cristão.

1.2.2. CRIAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA RACIONAL E CIENTIFICA CRISTÃ E DOS CENTROS ESPÍRITAS AMOR E CARIDADE E REDEMPTOR

A análise da documentação que embasa o presente capítulo nos sugere que os rumos que o Espiritismo Kardecista estava tomando até então, com grande multiplicidade de grupos sendo criados e com disputas internas estava desagradando Luiz de Mattos, ao ponto deste fundar sua própria vertente espírita.

No entanto, nos primórdios do Espiritismo Racional e Científico Cristão não havia cisão com a teoria de Kardec e sim com as práticas dos centros Kardecistas.

Segundo consta na nota inicial do relatório de atividades do Centro Espírita Amor e Caridade, do ano de 1913, escrita por Luiz Thomaz, no decorrer da nota, Thomaz defende o Espiritismo, mas condena a forma como este vinha sendo aplicado até então. A seguir, citamos um trecho extraído do relatório de atividades do Centro Espírita Redemptor do ano de 1914, que se mostra esclarecedor:

É nessa falta de orientação e de conhecimentos, nesse caminho errado em que os adeptos da doutrina se lançaram, o Espiritismo foi desviado do seu verdadeiro fim, do seu único objetivo que é o progresso moral dos seres, para transformar-se em instrumento da vida material, servindo as ambições dos perversos (23) (Centro Espírita Redemptor, 1916: 8).

Acima, percebemos que os fundadores do Espiritismo Racional e Científico Cristão acreditavam na gratuidade dos serviços oferecidos pelos centros espíritas, uma vez que, quando é utilizado o termo instrumento da vida material, é possível que estivessem fazendo uma crítica social direcionada aos grupos que cobravam por seus serviços espirituais.

Cobrar por atendimentos espirituais era uma prática comum entre diversos grupos espíritas no início do século. A nível de ilustração, resgatamos a fala do cronista João do Rio, que destina dois capítulos de seu livro As Religiões do Rio para discorrer sobre os espíritas.

Um desses capítulos recebe o título de: O Espiritismo entre os Sinceros; nesse capítulo, o autor narra sua ida a uma sessão da Federação Espírita Brasileira. Rio (1976) discorre no decorrer de sua narrativa sobre os princípios espíritas, dentre os quais ele destaca o de que “fora da caridade não há salvação” (Rio, 1976: 161).

Entende-se, portanto, que o autor acreditava que o Espiritismo entre os sinceros, seria o Espiritismo entre os caridosos, entre os que não cobravam por seus serviços.

Por outro lado, o capítulo seguinte, também destinado aos espíritas, recebe o nome de Exploradores, e nele, Rio (1976) discorre a respeito dos espíritas que utilizavam a religião para ter ganhos financeiros. A esse respeito, destacamos o seguinte trecho:

O Rio está minado de casas espíritas, de pequenas salas misteriosas onde se exploram a morte e o desconhecido. Esta pacata cidade, que há 50 anos festejava apenas a corte e tinha como supremos mistérios a mandinga, o preto escravo, é hoje como Bizâncio, a cidade das cem religiões /.../ o Espiritismo difundiu-se na população enraizou-se, substituindo o bruxedo e a feitiçaria. Além dos raros grupos onde se procede com honestidade, os desbriados e os velhacos são os seus agentes. Os médiuns exploram a credulidade /.../ (Rio, 1976: 163).

A partir da fala de Rio (1976) percebemos a diversidade de grupos espíritas existentes na cidade do Rio de Janeiro. É provável que esse panorama não fosse restrito somente a capital e se estendesse as demais cidades do país, como São Paulo, por exemplo. Provavelmente, os fundadores do Centro Espírita Amor e Caridade, ao criticarem os espíritas que utilizavam a doutrina como instrumento da vida material, estariam se referindo a esta enorme gama de exploradores, apontadas por Rio (1976).

Nesse sentido, destacamos outro trecho extraído do relatório de atividades do Redemptor dos anos de 1914 e 1915:

Cada individuo, por mera curiosidade, por simples distração ou esperando dali qualquer resultado pecuniário, acreditando que os espíritos podem dar a fortuna que os homens não sabem adquirir pelo seu esforço e pela sua coragem, julgava-se no direito de formar em família uma reunião espírita, porque erradamente, assim autoriza Kardec /.../ (Centro Espírita Redemptor, 1916: 9 – 10).

Acima, percebemos que a crítica aos ganhos financeiros pelo uso da doutrina permanece, no entanto, critica-se também a proliferação de diversos grupos espíritas, igualmente apontada por Rio (1976) no trecho transcrito anteriormente. Não havia um controle efetivo destes grupos que se formavam e cada qual, praticava o Espiritismo de acordo com suas concepções e intentos. Como dito anteriormente, a Federação Espírita Brasileira quando foi criada, não deu conta de formar uma homogeneidade nas diversas instituições espíritas que estavam sendo criadas – não havia, portanto, uma diretriz seguida por estes grupos.

Quanto a heterogeneidade dos grupos espíritas, os fundadores do Espiritismo Racional e Científico Cristão afirmaram:

Cada qual exercia o Espiritismo de acordo com os seus caprichos sem conhecer princípios nem regras, sem um método a por em prática, sem uma disciplina a seguir (Centro Espírita Redemptor, 1916: 8).

Neste aspecto, Machado (1983) que afirma que o sincretismo brasileiro abarcou o Espiritismo, ou seja, diversas práticas que não tinham origem em Kardec, mas que de alguma forma tratavam de assuntos sobrenaturais ou espirituais, ficaram conhecidas como Espiritismo – em suma, qualquer pessoa que afirmasse dar consulta sob a inspiração de forças ocultas, dizia-se kardecista, mesmo sem ter lido qualquer livro de Kardec ao longo da vida.

No grupo social dos espíritas encontravam-se tanto cartomantes e feiticeiros, como membros da Federação Espírita Brasileira. Não havia, portanto, uniformidade teórica ou prática e praticamente todos se diziam Kardecistas. Essa heterogeneidade, possivelmente contribuiu para o desagrado de Luiz de Mattos com os rumos que o Espiritismo estava tomando até então.

Nessa perspectiva, como já mencionamos, Mattos inaugurou o Centro Espírita Amor e Caridade, em 1910. Dentre os objetivos do centro estavam a produção de fenômenos considerados por seus fundadores como científicos - como materializações, transporte etc e à cura de obsedados (loucos).



O Espiritismo Racional e Científico Cristão tinha uma grande preocupação com o fenômeno da loucura, esta era considerada por seus fundadores como:

De todos os males que afligem a humanidade, o mais terrível, pelos seus efeitos, o que mais concorre para a desgraça das nações” (A Razão, Rio de Janeiro, 27-03-1917).

Logo, nas instalações do centro de Santos, havia um grande espaço destinado a cura de loucos (24).

Acreditamos que o interesse dos membros desta instituição pela temática da loucura justifica-se por esta estar muito em pauta nas discussões acadêmicas e científicas do final do século XIX e início do século XX, logo, conseguir a cura da loucura através de métodos espíritas, representaria para o Espiritismo Racional e Científico Cristão, uma forma de atestar seu caráter de veracidade e cientificidade. O próprio nome conferido à nova doutrina, ou seja, Espiritismo Racional e Científico Cristão (grifo nosso) sugere a preocupação dos seguidores com o aspecto científico da doutrina, em detrimento ao religioso que vinha sendo priorizado neste período pela Federação Espírita Brasileira (25).

Em 1911, o Espiritismo Racional e Científico Cristão chegou ao Rio de Janeiro, e foi fundado o Centro Espírita Redemptor. Consta no seu primeiro relatório de atividades que a decisão de fundar uma instituição carioca foi sugerida por Espíritos Superiores devido as diversas curas efetuadas em Santos, sobretudo de loucos; dessa forma, visava-se repetir na capital o mesmo molde empregado em Santos.

Consta que após receber, dos espíritos a indicação de ir para o Rio de Janeiro, Luiz de Mattos inicialmente tentou travar contato com o presidente da Federação Espírita Brasileira. Sua intenção não era se filiar a esta instituição, mas sim fazer com que esta mudasse sua diretriz e passasse a seguir as diretrizes ditadas pelos dirigentes do Espiritismo Racional e Científico Cristão como podemos observar no trecho a seguir:

/o contato se deu com o presidente da FEB/ para ver se este se dispunha a estudar e praticar racional e cientificamente a bela doutrina de Jesus e abandonava a orientação prejudicial de discursos sobre as poucas parábolas verdadeiras dos Evangelhos e sobre as muitas falsas, grandemente prejudiciais que n’eles existem, e muito especialmente para arredá-lo da explicação e propagação dos prejudicialíssimos Evangelhos de Roustaing, que ele havia adotado e procurado implantar no seu meio (Centro Espírita Redemptor, 1913: 4).

Acima, percebemos que a adoção dos evangelhos de Roustaing por parte de alguns espíritas também foi um elemento adicional para o desagrado de Luiz de Mattos com o movimento espírita desse momento.

Não obtendo êxito no seu contato com o então presidente da Federação Espírita Brasileira, Leopoldo Cyrne, Luiz de Mattos procurou Ignácio Bittencourt, na redação do jornal Tribuna Espírita.

Bittencourt era português, fundador de diversos grupos espíritas; enquanto frequentador da Federação Espírita Brasileira, manteve contato com Bezerra de Menezes durante o período em que este presidia este instituição (Wantuil, 2002).

Neste momento, Bittencourt mantinha sob sua presidência um grupo espírita nomeado Tribuna. Após o contato com Mattos, em 2 de outubro de 1911, o grupo Tribuna passou a denominar-se Centro Espírita Redemptor, filiado do Centro Amor e Caridade e o jornal Tribuna Espírita passou a ser posse dos membros fundadores do Redemptor. Bittencourt foi o primeiro presidente do Centro Redemptor e consta no primeiro relatório deste que ele se comprometera a mudar o método seguido até então pelo grupo Tribuna e seguir a diretriz recebida dos fundadores do centro de São Paulo.

A primeira sede do Redemptor no Rio de Janeiro foi um prédio na Rua Alfândega, número 181.

Ignácio Bitencourt presidiu somente oito sessões no novo Centro. As sessões iniciais se constituíram basicamente em receber comunicações de espíritos do Astral Superior que passariam as diretrizes a serem seguidas – consta que se manifestariam, em especial, os espíritos do Padre Antônio Vieira e do Padre Venâncio.

Bitencourt não correspondeu às expectativas dos fundadores do Redemptor e consta no primeiro relatório do centro que em uma comunicação espiritual do padre Venâncio, recebida em uma das sessões, ele afirmou não estar havendo o comprometimento devido de todos os participantes da nova instituição, como vemos no fragmento a seguir:

Por esta comunicação /do P. Venâncio/ se observa que o presidente Bittencourt cada vez mais estava desanimado da tarefa séria que se impusera, que era a prática do Espiritismo cristão, o Espiritismo verdadeiro e que, espírito rebelde e viciado em praticas diversas, sem método e sem disciplina, não se amoldava a um nem a outra, indicados pelo Astral Superior, como necessidade imprescindível e que ele se comprometera a seguir a risca” (Centro Espírita Redemptor, 1913: 21).

Alguns dos novos membros do Espiritismo Racional e Científico Cristão, ex-frequentadores do grupo Tribuna, pararam de frequentar as reuniões do Redemptor e tal atitude foi caracterizada pelos fundadores deste centro como indisciplina. Ignácio Bitencourt não permaneceu mais na presidência do centro Redemptor (26).


O presidente do Centro Amor e Caridade – Luiz de Mattos se mudou para o Rio de Janeiro e assumiu a presidência do Redemptor em 10 de dezembro de 1911. O aumento da assistência, o levou a procurar um lugar maior para sede do centro se estabelecer – seu novo endereço passou a ser na rua do Rozário, número 81.

As novas instalações do centro Redemptor, no entanto, também não foram suficientes para dar vazão ao número de pessoas que procuravam as reuniões e uma nova sede começou a ser construída, no bairro de Vila Isabel, mais especificamente na Rua Jorge Rudge 121. A nova sede, nos moldes do centro paulista, deveria conter um:

Pavilhão para a cura de obsedados, que servisse ao mesmo tempo de escola, de ponto de observação para os médicos e comissões dos governos que quisessem observar e estudar os fenômenos psíquicos, as curas de obsedados ou loucos, julgados incuráveis pelas ciências da Terra. (Centro Espírita Redemptor, 1913) .

O novo prédio era amplo e seguia o estilo inglês de construção, com grandes janelas e um belo jardim na frente do terreno. O pavilhão para a cura de loucos foi construído e passou a funcionar assim que o centro foi oficialmente inaugurado (27). A disposição física do centro era a seguinte:

“/.../ terreno de 4800 metros quadrados, ocupando o prédio e lavanderia (externa) 450. Consta de 4 pavimentos a saber:
Primeiro – um amplo salão de toda a extensão do prédio, destinado a albergue noturno, com 4 compartimentos [ilegível] da frente destinados a escritório, almoxarife e farmácia, tem no fundo 7 aparelhos sanitários.
Segundo – um grande salão para as sessões do centro, que comporta 600 pessoas e mais 4 pequenos destinados a secretaria, estudos científicos e sessões de efeitos físicos. Tem ao fundo aparelhos sanitários para os dois sexos, separadamente, e a entrada principal é por uma grande varanda externa com escadaria dupla.
Terceiro – Uma sala de frente medindo [ilegível], um corredor ao lado do qual se acham 13 quartos com 10 metros quadrados cada um, todos com janelas externa destinados a alojar 26 enfermos; ao fundo uma grande sala para refeitório, ampla cozinha com grande fogão a gás, prateleiras, pia, mesas, etc. tudo revestido de mármore, e no fundo 2 water [incompreensível], 2 bideta e 2 banheiras para banhos frios e quentes.
Quarto – é um amplo salão que ocupa, como o primeiro, toda a extensão do prédio, ventilado por 10 guaritas e duas portas (frente e fundos) com sacada. Este pavimento destina-se a almoxarifado.
O terreno é todo jardinado e arrumado e no centro, à entrada, tem um poderoso globo elétrico de 500 velas” (Tribuna Espírita, Rio de Janeiro, 24-12-1912).

Luiz Thomaz ficou em Santos presidindo o Centro Espírita Amor e Caridade e Luiz de Mattos se mudou para as instalações do novo centro em Vila Isabel, com sua família. O Centro foi inaugurado no dia 24-12-1912 e teve sua primeira sessão no dia 25-12-1912, em pleno dia de natal.

O Natal para os povos ocidentais de tradição cristã, simboliza a data em que o Redentor da humanidade veio ao mundo. Existe, portanto, uma carga simbólica na escolha da data de inauguração do centro, em que este passou a mensagem de se considerar um novo salvador da humanidade, ou um novo Redemptor, assim como seria Cristo.

A primeira sessão nas novas instalações do centro, começou às 20:30 e contou com a presença de diversos representantes de outros centros espíritas, inclusive a Federação Espírita Brasileira mandou dois representantes para assistir a sessão de inauguração da nova instituição.

Luiz de Mattos tomou posse após a realização de uma prece realizada a partir da orientação contida no livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.

Percebemos, portanto, que inicialmente não havia descontentamento com a teoria de Kardec, mas sim com a metodologia empregada pelas instituições que então se afirmavam Kardecistas.

No Jornal Tribuna Espírita, foram publicadas uma série de cartas no ano de 1912 em que se criticavam os falsos espíritas (28). Por falsos espíritas, se entendia principalmente os praticantes de magia negra. No artigo do dia 15-07-1912 se consideram falsos espíritas:

Os que falam muito em Kardec, sem, todavia, o respeitarem no que ele tem de mais proveitoso, na moral, na fé, e na parte racional e científica” (Tribuna Espírita, Rio de Janeiro, 15-07-1912).

No mês seguinte, no dia 15- 08- 1912, a Tribuna Espírita trouxe uma lista com indicações bibliográficas e dentre os livros indicados, três pertenciam a Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo, O livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos.
Em 1914, foi publicada a primeira edição do livro O Espiritismo Racional e Científico Cristão, contendo os postulados básicos seguidos pelos Centro Redemptor e seus filiados; nesse livro, várias alusões são feitas às obras de Kardec (29), o que nos leva a reforçar nossa ideia de que o Espiritismo Racional e Científico Cristão era inicialmente uma doutrina ligada ao kardecismo ideologicamente, sendo afastada deste em termos de práticas.

Após o inicio do funcionamento das novas instalações, consta que houve um descontentamento por parte do presidente da Federação Espírita Brasileira em perder seus fiéis para o Redemptor, como veremos a partir do exposto a seguir:

E o irmão Lelpoldo Cyrne, aclamado até então pelos seus fanáticos o chefe supremo, o papa d`este novo Vaticano, diante de cuja infabilidade todos se curvavam humildemente, via, observava que dia a dia a sua influencia papal ia caindo por terra e que outro poder mais forte se levantava. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 56).

O presidente da Federação Espírita Brasileira é comparado com um papa do Vaticano, em uma analogia com catolicismo. O catolicismo foi a religião predominante no ocidente por vários séculos e sua história é marcada por opressões negação da liberdade de pensamento e escolha religiosa; o Vaticano era a sede do catolicismo e abrigava a alta cúpula do mesmo e de lá saiam as determinações que vigeriam em todas as instituições católicas. A Federação Espírita Brasileira possuía diversos centros espíritas a ela filiados e ao se comparar esta com o Vaticano, estava-se em linhas gerais, provavelmente se afirmando que a Federação Espírita Brasileira era detentora de poder para direcionar os rumos das instituições espíritas então existentes.

Mais a frente, consta que o órgão de divulgação da Federação Espírita Brasileira, o jornal O Reformador passou a veicular notícias sobre o Centro Redemptor, pedindo a Polícia que interviesse nesta instituição, para que acabassem com as reuniões de desobsessão que lá ocorriam (30). Como resposta aos ataques recebidos, o Redemptor publicou uma série de 16 artigos contra o Espiritismo praticado na Federação Espírita Brasileira, no jornal Tribuna Espírita, posse do Redemptor desde 1911, quando este foi fundado na capital.

Consta ainda no relatório, que Cyrne transformara a doutrina em perniciosa “por só querer Espiritismo sem espíritos” (Centro Espírita Redemptor, 1913: 57). Nesse trecho, percebemos a crítica à Federação Espírita Brasileira pela priorização de aspectos religiosos em detrimento aos fenomenológicos, que provariam a existência dos espíritos. Espiritismo sem espíritos seria um Espiritismo sem manifestações espirituais, o que justificaria o desagrado da FEB com as reuniões de desobsessão realizadas no Redemptor, uma vez que o objetivo dessas reuniões era obter a comunicação com espíritos.

Giumbelli (1997) afirma que a Federação Espírita Brasileira assumiu uma diretriz que priorizava o Espiritismo teórico por considerar que a prática de comunicação com os espíritos poderia ser perigosa, como podemos observar a partir da citação a seguir:

/.../ os trabalhos experimentais do Espiritismo – principalmente as evocações – constituem a sua parte mais difícil e arriscada, e só devem ser empreendidos quando sejam preenchidas as necessárias condições. (O Reformador, 15-07-1909 apud, Giumbelli, 1997: 233).

Para os membros da Federação Espírita Brasileira, somente grupos preparados poderiam realizar trabalhos de desobsessão ou ficariam os seus membros sujeitos a ficarem eles próprios obsedados. No decorrer de várias divergências internas, os trabalhos de assistência aos necessitados foram priorizados em detrimento aos trabalhos de manifestações espontâneas.

Na direção oposta à Federação Espírita Brasileira, para o Redemptor as sessões de desobsessão eram prioridade. Como já foi mencionado, nas instalações do centro foi criado um manicômio para a normalização de loucos e era nas reuniões de desobsessão que estes loucos recebiam a parte mais importante do tratamento, ou seja, era nestas reuniões que os espíritos que acompanhavam o indivíduo e lhe causavam seu estado seriam afastados e o individuo ficaria curado.

Para os membros do Redemptor, a segurança das reuniões estava na manutenção da corrente fluídica (31); esta garantiria o bom andamento das sessões e garantiria que o médium ou a assistência se mantivessem imunes a obsessões. Na prática, os médiuns sentariam em volta de uma mesa e espíritos incorporariam nestes médiuns e só seriam liberados quando ordenasse o presidente da sessão e não por conta de cada médium, como dizia ocorrer nos demais centros praticantes do Espiritismo.

Tal qual a Federação Espírita Brasileira, vários grupos espíritas procuraram adesão ao Redemptor e vários centros pediram filiação no ano de 1913, como mostramos a seguir:

Fé, Amor e Caridade – SP, São Sebastião da Gramma.
Amor e Caridade – Paraná, Curitiba.
São Francisco de Assis – Rj, Petrópolis.
Deus, Luz, Amor e Caridade - MG, Três Corações.
Victoria, Amor e Caridade – Rj, Iracema
Centro Espírita Amor e Caridade - RJ, Pirahy.
Centro Espírita Paz, Luz e Amor – MG, Cataguazes.
Centro Espírita Caridade e fé – MG, S. João Del Rey.
Centro Espírita Amor e luz – BA, Nazareth.
Centro Espírita Luz e Redempção – Ceará, Crato.
Centro Espírita Amor e Caridade – RJ, Santa Clara do Carangola.
Centro Espírita Amor e fé – Maranhão, Carolina.
Centro Espírita Barão do Rio Branco – MG, Natividade de Manhussú.
Centro Espírita Luz nas Trevas – RJ, Lumiar.
Centro Espírita Nova Adoração de Virtudes – RJ, São José de Ubá, Cascata.
Centro Espírita Novo regenerado Caminheiro do Porvir – RJ, São José de Ubá.
Centro Espírita Caridade e Amor – Cabo Verde, São Vicente.
(Centro Espírita Redemptor, 1913)

Era comum os centros menores procurarem proteção dos centros maiores como forma de se proteger e se articular frente às perseguições policiais sofridas desde a implementação do código penal de 1890.

Percebemos que tanto a Federação Espírita Brasileira quanto o Centro Redemptor se configuraram como duas forças para o Espiritismo carioca no inicio do século XX – entre as similaridades destas duas instituições, destacamos: ambas inauguraram sedes próprias nos anos de 1911 e 1912, respectivamente; ambas mantiveram diversos centros filiados; ambas mantinham um jornal de divulgação e ambos foram diversas vezes processados por fornecer atendimento médico alternativo para a população.

Com relação aos atendimentos médicos espirituais fornecidos pelo centro Redemptor, percebemos um aumento significativo do número de receituários distribuídos durante o ano de 1912 e 1913 (Centro Espírita Redemptor, 1913):



Embora a loucura se configurasse como a enfermidade de maior preocupação para os membros do Redemptor, as receitas oferecidas nesta instituição se destinavam a cura de males diversos, como tosse, sarampo etc.

Em relação a realização de reuniões, nota-se um gradativo aumento da procura pelas mesmas, como podemos observar a partir da analise da tabela abaixo (Centro Espírita Redemptor, 1913):


Tal qual na Federação Espírita Brasileira e em outras instituições espíritas, o centro contava com a distribuição de água fluídica (32) – consta que no ano de 1913 foram distribuídos 50000 litros de água para uso interno e externo – “fricções, feridas, golpes, dores localizadas”. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 55). A distribuição era diária, das 12 as 14 horas, antes das sessões públicas e das 19 as 20, durante o intervalo das sessões; para receber a água, bastava que pessoa levasse o seu próprio recipiente.

Para divulgar sua doutrina, o Redemptor manteve durante algum tempo em funcionamento o Jornal Tribuna Espírita e quando este foi fechado, Luiz de Mattos inaugurou o jornal A Razão. Enquanto o Jornal Tribuna Espírita era um jornal quinzenal que interessava mais especificamente aos espíritas, A Razão circulava diariamente, por toda a capital e tratava de assuntos diversos; circulou entre os anos de 1917 e 1922. Na primeira página do jornal, Luiz de Mattos mantinha uma coluna pessoal para defender o centro Redemptor e atacar seus opositores – igreja, médicos, políticos, dentre outros.

Após o fechamento de A Razão, o Redemptor continuou a se expressar pelos demais jornais que circulavam na época. Giumbelli (1997) afirma que a partir da década de 20 aproximadamente, o Espiritismo ganhou espaço maior na imprensa carioca. A FEB, por exemplo, se valeu dos meios jornalísticos para formar sua identidade de praticante do verdadeiro Espiritismo enquanto formava para os outros grupos espíritas a identidade de falsos e charlatães. Giumbelli (1997) afirma que o Redemptor figurava dentre os grupos que eram considerados como falsos. Afirma o autor:


/.../ suspeitas rondavam em torno de grupos como o centro espírita Redentor – cujo hospital para “obsedados” foi várias vezes denunciado nos jornais pelos maus tratos a que eram submetidos os pacientes (Giumbelli, 1997: 240).

Em 1924, Luiz de Mattos publicou uma série de cartas, no Jornal A Pátria em que defendia sua doutrina e atacava os espíritas Kardecistas, numa forma de tentar legitimar sua doutrina e desqualificar os praticantes da doutrina de Kardec.

Em uma rápida comparação das cartas publicadas em 1924 n`A Pátria e as cartas publicadas em 1912 no Tribuna Espírita, por Luiz de Mattos, percebemos a sua mudança de postura em relação ao kardecismo. Havia desde o inicio do funcionamento com o Redemptor, uma declarada rivalidade com a Federação Espírita Brasileira e seu presidente, mas não havia indícios de rivalidade teórica com Kardec. Não podemos precisar em que momento Luiz de Mattos cindiu com a ideologia Kardecista e passou a desconsiderá-la, o que podemos afirmar é que no meado do século XX, o Espiritismo Racional e Científico Cristão era uma doutrina militante contra a Federação Espírita Brasileira e contra os adeptos de Kardec de forma geral.

No item a seguir, veremos quais foram as estratégias utilizadas por Luiz de Mattos para no intento de deslegitimar e combater o Kardecismo.

1.2 - ESPÍRITAS X ESPÍRITAS: DISPUTA POR FIÉIS

No primeiro item, traçamos um quadro contextual a respeito da criação do Espiritismo Kardecista e de sua incorporação em solo brasileiro. Em seguida, no item dois, traçamos um breve apanhado sobre a criação do Espiritismo Racional e científico Cristão que culminou com a criação em 1911, do Centro Espírita Redemptor no Rio de Janeiro; analisamos ainda, alguns aspectos da consolidação deste centro nos seus primeiros anos de existência e as convergências do Espiritismo Racional e Científico Cristão com a doutrina de Kardec.

No presente item, perceberemos como Luiz de Mattos formulou seu discurso de combate ao Espiritismo Kardecista e deslegitimação do mesmo. Utilizaremos para tanto, um conjunto de reportagens publicadas no jornal A Pátria e que foram publicadas em 1924, na forma de livro, sob a titulação de: Cartas Oportunas sobre Espiritismo.

Nos anos iniciais do Espiritismo Racional e Científico Cristão, eram criticados a ausência de método e proliferação de diversos centros pela cidade sem uma coordenação eficaz. Na década de vinte, essas críticas continuaram, mas foram acrescidas diversas outras, como veremos a seguir.

1.3.1 ATAQUES PESSOAIS A KARDEC

Vimos anteriormente que em 1912, havia por parte de Mattos, uma postura respeitosa em relação a figura de Kardec, que era considerado um homem de moral e fé (33). No entanto, em 1924, a postura de Luiz de Mattos mudou radicalmente e este passou a criticar duramente o codificador francês. Dentre as críticas pessoais dirigidas a Kardec, destacamos a seguinte:

“/Kardec era um/ ... francêlho parvo no principio, especulador, no meio, e, no fim da sua vida, o maior fabricante de loucos que se conhece” (Mattos, 1924: 11) .

O significado de francêlho é o de uma pessoa demasiadamente preocupada e apegada aos hábitos franceses, logo, uma possibilidade provável para o emprego desta palavra, se referindo a Kardec, seria por Luiz de Mattos o achar etnocêntrico, sem ter levado em consideração outras realidades para as quais sua doutrina foi encaminhada.

Em seguida, Kardec é referido como parvo, ou seja, pateta ou burro. Luiz de Mattos dessa forma, afirmou que Kardec ao iniciar seus estudos com os espíritas era só um francês burro e, portanto, ingênuo e alheio ao que realmente estava fazendo.

Em seguida Mattos usou o termo especulador, ou seja, uma pessoa que observa as circunstâncias para retirar alguma vantagem pessoal, sugerindo dessa forma que Kardec se aproveitou da boa vontade alheia para tirar vantagens com a doutrina que criou – ele não especificou o tipo de vantagens, mas estas poderiam ser financeiras, por exemplo.

Mattos afirmou ainda que no fim da vida, Kardec se tornou um fabricante de loucos por ter conseguido vários adeptos de suas ideias e assim, Mattos conferiu o título de louco para todos aqueles que professavam ou simpatizavam com as ideias Kardecistas; nesse sentido, Mattos incorporou ao seu discurso, o discurso de parcela da medicina oficial de que o Espiritismo era um fabricante de loucos (34).

Outra forma de ataque a Kardec foi conferir a este, ignorância em relação a certos temas, como por exemplo:

Allan Kardec /.../ outros mestres /.../ nada disseram a respeito da força e da matéria.” (Mattos, 1924).

Dessa maneira, Mattos tentava levar os leitores a crerem que a doutrina kardecista além de ter sido codificada por uma pessoa sem base intelectual e moral, seria ainda uma doutrina incompleta nos conteúdos que apresentava. No entanto, quando recorremos ao O Livro dos Espíritos, no capítulo II, intitulado Dos Elementos Gerais do Universo, encontramos dois subitens a respeito do que seria a matéria e o espírito (força).

Uma outra forma de deslegitimação do Kardecismo foi contestando certos conceitos chaves para o mesmo. Segundo Kardec, a mediunidade auditiva ou a vidência (35), por exemplo, eram tipos de mediunidade que independiam da superioridade ou inferioridade moral dos seus detentores. Já Mattos, afirmava que se uma pessoa nascia com essas faculdades, essa pessoa era um ser ainda moralmente inferior, como percebemos a partir do seguinte trecho:

É pois, a vidência, leitor amigo, a prova de inferioridade espiritual” (Mattos, 1924: 15).

Em linhas gerais, com essa tática, Mattos buscou incutir dúvidas nos leitores quanto às bases da doutrina Kardecista.

1.3.2. CRÍTICA AO COTIDIANO DAS SESSÕES ESPÍRITAS

Outra maneira de deslegitimação foi conferir um tom de animalidade para as práticas espíritas exercidas no dia a dia, como percebemos no trecho a seguir:

/os espíritas proferiam/ “palavras sem significação, sem valor, mui parecidas com os grunhidos dos javardos, umas, e com o zurrar dos jumentos outras que os tais espíritas de fancaria, os tais Kardecistas denominam ‘mensagens’ do além” (Mattos, 1924: 10).

As práticas Kardecista envolviam a comunicação com espíritos através de médiuns. Segundo Kardec, essa comunicação poderia se dar de várias formas, inclusive por vias orais, através da mediunidade de psicofonia (36).
Acima, Mattos critica as mensagens psicofônicas recebidas pelos centros Kardecistas afirmando serem todas elas falsas.
Ele criticou as comunicações orais, mas também criticou as comunicações dadas via escrita por médiuns receitistas (37). Uma das formas pela qual o kardecismo caiu no gosto popular foi devido aos atendimentos médicos alternativos que este oferecia, no entanto, Mattos afirmou que os médiuns kardecistas não podiam dar tais receitas:

Coisa ridícula, receitar receitas para enfermos por um médium obsedado” (Mattos, 1924: 74).

Por obsedado, Mattos entendia Louco e ao afirmar que os médiuns que distribuíam receitas no kardecismo eram obsedados, estava afirmando que os kardecistas que davam atendimentos eram loucos.

Nas entrelinhas, Mattos estava tentando acabar com a procura de receitas nos centros kardecistas por parte da população. Essas receitas que eram distribuídas gratuitamente eram consideradas uma forma de assistencialismo e, portanto de caridade, Mattos afirma nesse sentido:

A tal <caridade> deles, desses espíritas, é a ruína dos corpos e das almas dos que os procuram” (Mattos, 1924: 32).

Seguir as determinações de uma receita kardecista, seria portanto, a partir do exposto acima, seguir a determinação de loucos e entregar-se a ruína.

O Redemptor também contava com a distribuição de receitas médicas, que geralmente envolviam misturas a base de ervas (Gama, 1992)

1.3.3. CRIMINALIZAÇÃO DO KARDECISMO

Um criminoso é uma pessoa que invade casas para roubar, que mata ou que desrespeita a lei de alguma forma. Uma das maneiras pela qual Luiz de Mattos tentou incitar medo nos leitores foi criminalizando os espíritas.

Segundo Mattos, as pessoas deveriam temer os espíritas e não só os médiuns ou diretores de centro, mas todos os praticantes, pois todos seriam perversos e criminosos.

Em relação aos médiuns particularmente, Mattos afirma que eles seriam “boçalíssimos... especuladores e Ultra criminosos.” (Mattos, 1924: 31), ou seja ainda piores que os que somente praticavam. Os médiuns seriam estúpidos que se aproveitariam da boa vontade alheia para retirar proveitos pessoais e ainda por cima seriam Ultra criminosos, ou seja, capazes das maiores torpezas da ilegalidade. Mattos reforça a ideia do Espiritismo como algo a ser evitado no seguinte trecho:

Espiritismo kardecista, e seus derivados, com seus médiuns, verdadeiros perigos para todos os lares e para todas as pessoas que o tomam a sério” (Mattos, 1924: 8)

Acima, Mattos aludiu à questão familiar, uma vez em que falou sobre lar – afirmando ser o Espiritismo um perigo para os lares, deu a entender que este seria um perigo para as famílias.

Por fim: “A pior praga que na terra existe” (Mattos, 1924: 8). Essa foi a frase mais contundente que Mattos utilizou para negar o Kardecismo, pois dessa forma, deu a entender que guerras, estupros, violência ou qualquer outra coisa que as pessoas considerassem ruins, ainda assim, não seriam tão ruins quanto o Espiritismo kardecista.

1.3.4. INCITAÇÃO A REPULSA

Gerar a repulsa também foi uma forma de tentar afastar as pessoas dos centros Kardecistas, pois segundo Mattos, o Espiritismo seria algo que levaria o indivíduo a se sentir enjoado e que seria praticado somente por animais (Mattos, 1924).

Outra forma de desqualificar o Kardecismo foi comparando-o a algo sujo e que e dotado de infecção: “Kardecismo infecto” (Mattos, 1924:117) – Coisas infectas não se convêm chegar perto ou a infecção pode contagiar. A intenção de Mattos era afastar qualquer pessoa do Kardecismo, como também podemos perceber no trecho a seguir:

/os espíritas seriam/ “javardos, só se acham bem quando metidos no lodo, em que vivem e atiram todos que os procuram” (Mattos, 1924: 32).

Javardo é um homem grosseiro, um homem que não tem traquejo para lidar com os demais. Nesse caso, os espíritas deveriam ser temidos, pois poderiam estagnar a vida de quem aproximasse deles, dificultando a pessoa de caminhar e progredir com sua vida, daí a menção ao lodo, ou seja, substância viscosa e suja.

1.3.5. DESLEGITIMAÇÃO DO KARDECISMO ATRAVÉS DE REFERÊNCIAS
A SIMILARIDADES DO DESTE COM AS RELIGIÕES AFRO

Uma outra forma pela qual Luiz de Mattos tentou deslegitimar o Kardecismo foi equiparando-o às religiões afro-brasileiras.

Podemos nos questionar: por que era uma forma de deslegitimação para o Espiritismo ser comparado as religiões praticadas pelos negros, principalmente?

Para responder a este questionamento, buscamos dialogar com a antropóloga Ivonne Maggie (2001) que afirma em seu livro A Guerra dos Orixás, que dentre os autores que se dedicaram ao estudo das religiões afro brasileiras, um primeiro grupo as classificou como religiões primitivas, uma vez que eram oriundas de negros, uma raça considerada então primitiva.

Devemos levar em conta, que o momento histórico em que Luiz de Mattos estava inserido, era um momento de pesquisas no campo da eugenia, em que os brancos eram considerados mais evoluídos que os negros, e as manifestações culturais de origem branca tinham predominância sobre quaisquer outras.

As religiões afro-brasileiras eram consideradas, segundo Maggie (2001):

De inicio, por serem religiões classificadas como primitivas, fetichistas e mágicas, elas estariam, frente a outras religiões, num estágio inferior da evolução cultural (Maggie, 2001: 14).

Luiz de Mattos, portanto, ao equiparar o kardecismo as religiões de caráter afro brasileiro, estava conferindo um tom primitivo ao mesmo e assimilando discursos eugênicos em voga no período em questão. Observemos o fragmento a seguir:

"/ o kardecismo era/ ... primo irmão do ‘carimbó do Norte’ e do ‘serviço’ no centro e sul do país, ‘candomblé’, ‘canjerê" (Mattos, 1924: 7).

O Carimbó ao que Mattos se refere é uma dança de origem negra, típica do estado do Pará, que é marcada pelo som de um tambor; o candomblé é uma religião mais típica do sudeste do Brasil e nasceu a partir do processo de aculturação sofrido pelos negros trazidos para o Brasil na época colonial; já o canjerê por sua vez, é o local onde é realizado um ritual afro brasileiro – pode ser o que atualmente conhecemos por terreiro.

Quando Mattos classificou o Espiritismo como “primo irmão” dessas manifestações, o classificou como tão inferior quanto elas. No entanto, não bastava dizer que o kardecismo era uma religião inferior, Mattos tentou incutir medo nos frequentadores dos centros, como observamos no seguinte fragmento:

No canjerê, na feitiçaria, no kardecismo enfim, o resultado mais rápido é a desgraça completa” (Mattos, 1924: 35).

Acima, Mattos enfatizou que o resultado da frequência a um centro kardecista é a desgraça completa. Podemos nos perguntar o porquê dessa afirmativa. Maggie explicita que no discurso da época em questão, várias vezes se fazia menção ao termo baixo Espiritismo distinguindo formas mais atrasadas de Espiritismo de formas mais elitizadas.

Maggie (1992) em seu livro O Medo do Feitiço, afirma que ao se contestar uma teoria, em geral, se conhece a teoria contestada. Segundo a autora, os peritos policiais, por exemplo, conheciam e algumas vezes temiam os ritos, os símbolos e consequentemente ajudavam na manutenção da crença que estavam questionando. Luiz de Mattos fazia o mesmo – ele descreveu, desqualificou, mas não duvidou da crença – ele não colocou em xeque que algo místico e espiritual acontecesse de fato nesses espaços.

Mattos, ao estabelecer relação entre as religiões afro, o kardecismo e a desgraça dos indivíduos, não o deslegitimou pela acusação de fraude, mas buscou deslegitimar essa doutrina usando os próprios conceitos provenientes dessas religiões. Nessa medida, ele afirmou que estas religiões tinham “por chefes astrais pretos lodoros, urubatans, juncos verdes” (Mattos, 1924: 11).

O que seria, portanto, maléfico nessas religiões, seria a assistência espiritual – primitiva, as quais estavam submetidos todos os seus frequentadores. Mattos complementa:

Todas as criaturas, que com tais pessoas tiverem relações, se as tomarem a sério, ficam envolvidas pela mesma assistência astral sua” (Mattos, 1924: 35).

Não bastaria se afastar e temer os centros espíritas, mas se afastar e temer todos os espíritas, menos os espíritas racionais cristãos. Segundo Maggie (1992):

"De um lado, uma vertente que vê a magia sociologizada, ao gosto da ciência social. De outro, uma vertente objetiva, que vê a magia e os poderes ocultos intervindo nas relações pessoais e cotidianas. As duas vertentes da concepção de magia se apoiam na ideia de que existem produtores de malefícios, criminosos que devem ser perseguidos" (Maggie, 1992: 178).

Mattos, portanto, adotou uma postura objetiva para ver as religiões que não eram a sua, assumindo que seus praticantes eram produtores de malefícios, que deveriam ser perseguidos.

Maggie (1992) afirma ainda que a sociedade era ideologicamente bipartida no que tangia a opinião sobre o Espiritismo, ou segundo a autora, havia um grupo de pessoas para as quais:

Nem toda magia e nem todo Espiritismo eram prejudiciais. Algumas pessoas praticavam religiões verdadeiras que deviam ser protegidas. Outras, no entanto, agiam para iludir os incautos e deviam ser perseguidas por serem nocivas à saúde mental do povo (Maggie, 1992: 88).

Percebemos, por fim, que atacar o Espiritismo kardecista e qualificá-lo como os demais ramos das religiões afro-brasileiras, consistia numa estratégia de defesa de Luiz de Mattos, pois uma vez que ele deslegitimasse o kardecismo como baixo espiritismo, restaria o seu Espiritismo como verdadeiro e como o alto Espiritismo.

1.3.6. SOLUÇÕES PROPOSTAS

A solução para se evitar todos os males causados pelo Kardecismo, segundo Mattos, seria evitá-lo de todas as formas possíveis e recorrer ao centro Redemptor, o único lugar onde a mediunidade seria bem praticada (Mattos, 1924:).

Somente frequentando o Redemptor ou algum dos centros por ele tutelado, que as pessoas fugiriam da má assistência espiritual dos médiuns criminosos e enganadores.

Segundo Mattos: “Sem esse esclarecimento, sem essa instrução racional e cientifica, nada conseguirão o governo, autoridades e povo” (Mattos, 1924: 96).
Percebemos que Mattos conferiu um teor de utilidade pública para sua doutrina, uma vez que afirmou que o progresso de todos indistintamente só se daria através dela.

Por fim, Mattos afirmou que suas cartas tiveram um propósito maior, o de esclarecer as pessoas para que estas não caíssem no engano, e para tal, havia a necessidade de estudo do Espiritismo Racional e Científico Cristão, como observamos no trecho a seguir:

Procure ler as obras do Centro Redemptor... terá amplamente tudo o que precisa para vencer essa cáfila de obsessores.” (Mattos, 1924: 31).

Sabendo reconhecer um espírita kardecista e sabendo de todos os males que eles poderiam provocar, as pessoas saberiam evitá-los e, dessa forma, evitar todos os transtornos que poderiam advir desse contato.

Por fim, percebemos que Mattos tentou deslegitimar publicamente o kardecismo e se auto conferiu uma posição de detentor da verdade e propagador da mesma.

CAPÍTULO 2
DIFERENTES CONCEPÇÕES DE LOUCURA

No Brasil, a loucura começou a ser tratada como tema médico a partir do século XIX. Até esta data, os médicos não se preocupavam em conferir ao louco algum tratamento adequado a sua condição. A partir de 1808, com a chegada da família real ao país, várias mudanças estruturais passaram a ser pretendidas para as cidades brasileiras, que incluíam a profilaxia social. Dessa maneira, o que fazer com os loucos que viviam nas ruas entrou para a pauta de discussões desse período.

Na Europa, a loucura desde o século XVIII era uma preocupação social. Na França particularmente, com o advento da racionalidade pós revolução, o ser irracional era algo preocupante, assim, o louco virou alvo de medidas médicas, estudos e debates e a loucura se tornou uma preocupação social.

Como prova da relevância social da temática da loucura, percebemos que, em meados do século XIX, o Espiritismo ao ser criado, fez algumas considerações sobre essa enfermidade.

Em linhas gerais, o Espiritismo passou a conferir uma nova possibilidade interpretativa para a causa da loucura. No Brasil, no século XIX, Bezerra de Menezes escreveu o livro A Loucura Sob Novo Prisma, em que defendeu que a loucura poderia ser causada por obsessão espiritual, ou seja, pela influência de espíritos nos vivos.

Alguns anos mais tarde, Luiz de Mattos fundou o Espiritismo Racional e Científico cristão, doutrina para a qual a loucura era uma temática fundamental. Mattos fundou um manicômio espírita, onde tratava dos loucos baseado na concepção de loucura como sendo oriunda de obsessão espiritual. Nesse sentido, percebemos muitas similaridades teóricas entre o kardecismo e o Espiritismo Racional e Científico Cristão.

No presente capítulo, objetivamos perceber como se construíram os três olhares distintos acerca da loucura: o da psiquiatria oficial, o espírita kardecista e o espírita Racional e Científico Cristão. Dessa maneira, o presente capítulo foi dividido em três partes. Na primeira, veremos os principais teóricos europeus que discorreram sobre a loucura e como eles fundamentaram suas ideias. Veremos também como se deu a construção do conhecimento psiquiátrico e sua consolidação no Brasil.

A seguir, no segundo item, veremos como Kardec abordou a loucura nas obras de codificação do Espiritismo. Em seguida, analisaremos a obra de Bezerra de Menezes.

Na terceira parte, analisaremos a concepção de loucura formulada pelo Espiritismo Racional e Científico Cristão.

2.1. A PSIQUIATRIA OFICIAL FRENTE À LOUCURA
2.1.1. PINEL, ESQUIROL, MOREL E KRAEPLIN: UM BREVE CONTEXTO DA PSIQUIATRIA DO SÉCULO XIX

Consideramos que Pinel, Esquirol, Morel e Kraeplin se configuraram como influencias teóricas importantes sofridas pela psiquiatria na sua fase de implementação e consolidação. A seguir, veremos, em linhas gerais, alguns aspectos da teoria desenvolvida por esses quatro autores.

A teoria pineliana de tratamento da loucura é descendente do contexto político e social da França dos séculos XVII e XVIII, quando houve uma forte repressão à indigência. As pessoas que não se enquadravam no sistema capitalista nascente e não eram consideradas aptas ao trabalho, eram retiradas do convívio social e encaminhadas para casas de correção, hospitais gerais ou Workhouses. Os loucos, que não podiam assumir nenhum papel produtivo na sociedade, eram agrupados aos mendigos e ociosos e eram encaminhados para estas instituições. (Jabert, 2009)

No final do século XVIII, com a crise das monarquias nacionais europeias e o advento das ideias iluministas e liberais, as referidas instituições de internação passaram a ser questionadas. Acreditava-se que elas mantinham sob a tutela do estado, vagabundos e mendigos, que poderiam ser empregados como mão de obra. No entanto, os loucos que estavam nestas instituições, não eram alvos destas criticas por não se adequarem a nenhuma tarefa produtiva.

A sociedade francesa pós-revolucionária continuaria a internar seus loucos, no entanto, não mais respaldado por métodos autoritários e absolutistas. No contexto pós Revolução Francesa, o louco para ser internado precisaria de um atestado médico que contivesse a sua condição de inapto para viver em sociedade e foi nesse momento que se destacou a figura do médico Philippe Pinel. Segundo Jabert (2009):

Dessa forma, tendo Pinel como seu principal representante, um setor da classe médica passou, a partir de então, a se debruçar sobre o problema da loucura, tomando para si a responsabilidade de sequestro e tratamento da alienação, num processo que transformou gradualmente o louco em doente, a loucura em doença mental e o asilo em hospital psiquiátrico (Jabert, 2009: 38).

Philippe Pinel é considerado o fundador da psiquiatria moderna (Bercherie, 1989). Ele se distinguiu de seus pares ao instituir uma nova metodologia de tratamento dos pacientes vítimas de problemas mentais sob sua tutela. Pinel implementou a observação e o registro sistematizado dos pacientes chegando a espécies diferentes de alienação mental:

a melancolia, a mania sem delírio, a mania com delírio, a demência e o idiotismo” (38) (Jabert, 2009: 42).

No que tangia as causas da loucura, Pinel afirmava que fatores físicos poderiam desencadeá-la, no entanto os fatores morais seriam os maiores causadores desta enfermidade, como por exemplo, a incapacidade de um indivíduo em conter suas paixões.

A sociedade francesa pós-revolução na qual Pinel estava inserido, tinha como principal característica o primado da razão. A loucura seria, para Pinel, o afastamento do indivíduo da razão, portanto, “ou se era são ou se era louco” (Cunha, 1980: 22).

No que tangia à cura desta enfermidade, Pinel acreditava que esta poderia ser alcançada. Segundo ele, a loucura seria um comprometimento da vontade e do intelecto de um indivíduo, que resultaria em um comportamento desequilibrado. Vista, portanto, como resultado de um desequilíbrio, a loucura poderia ser curada, uma vez que o individuo se reequilibrasse e reordenasse. Segundo Pessotti (1993):

É uma postura metodológica que ensejará uma mudança substancial no conceito de loucura: esta deixa de ser uma condição estática, irreversível e apenas passível de correções superficiais. Deixa de ser uma lesão anatômica, apenas passível de tratamento “sintomático”, e passa a ser um desequilíbrio, uma distorção na natureza do homem a ser corrigida. (Pessotti, 1993: 72)

Jabert (2009) afirma, que para Pinel, o ambiente tumultuado das grandes cidades e as novas condições sociais pós-revolução eram as grandes responsáveis pelo desequilíbrio dos indivíduos e pelo desregramento de suas paixões. A loucura seria o resultado de excessos e desvios, que deveriam ser corrigidos pela mudança de hábitos e de costumes (Pessotti, 1993).

O espaço asilar ganhou grande importância na medida em que os enfermos eram afastados das potenciais causas de seu desequilíbrio e poderiam ser cuidadosamente observados e compelidos pelo alienista a mudarem seus comportamentos enfermiços. Segundo Pessotti (1993):

Pinel demonstra plena consciência de que tanto a observação como o tratamento exigem ambiente adequado, e que o meio ideal para uma e outra finalidade é o manicômio (pessotti, 1993: 76).

Instalado no asilo, o louco poderia transitar pelos espaços deste de acordo com seu tipo específico de loucura – por exemplo: os maníacos deveriam habitar lugares mais sombrios e calmos, enquanto os melancólicos poderiam transitar livremente e ter atividades ocupacionais. Alguns loucos podiam passear ao ar livre e alguns iam realizar trabalhos manuais (Pessotti, 1993). A esse respeito, Jabert (2009) fez as seguintes considerações:

Nesse sentido, a função do asilo de alienados seria oferecer um tratamento que reconduzisse o louco à razão através da imposição de uma forte disciplina interna e pela repressão controlada de suas manifestações de anormalidade, num ambiente ordenado e afastado das paixões da vida cotidiana” (Jabert, 2009: 46)

Segundo Pessotti (1993), Pinel, na introdução do livro que publicou, afirmou que a loucura possuía suas raízes na imoralidade; ele desenvolveu, portanto, um método próprio de tratamento para seus pacientes: o tratamento moral. A palavra moral, para Pinel significava um conjunto de fatores psíquicos, sociais e éticos; o tratamento moral, portanto deveria abarcar todas essas esferas humanas. Sobre esta forma de tratamento, Pessotti (1993) afirma:

A terapêutica “moral” que Pinel institui pretende uma autêntica reforma dos costumes do paciente. Uma tarefa difícil, cuja execução deve guiar-se, em última análise, por um sistema de valores morais, adotados pelo terapeuta e/ou pela organização da instituição asilar. Enquanto reeducativo, o programa terapêutico é, de algum modo, moralizante ou moralista (Pessotti, 1993: 99)

Ainda sobre o tratamento moral, Pessotti (1993) afirma:

Desse modo, o tratamento proposto é moral porque não é físico, porque se exerce sobre o conhecimento (no plano das ideias) e, por consequência, sobre o comportamento resultante. E é moral porque visa corrigir excessos passionais, desvios da norma ética do grupo social. É assim que o médico se torna ordenador não só da vida (psíquica) do paciente, mas também o agente da ordem social, da moral dominante. (Pessotti, 1993: 128)

Segundo este método de tratamento proposto por Pinel, a figura do alienista era crucial por representar a moral, a ordem e a razão. Pinel acreditava que um paciente só era disciplinado a partir do momento que percebia a ascendência da figura do alienista sobre ele. Dessa forma, Pinel defendia o uso da força física em alguns casos como uma forma de se disciplinar o paciente. Pinel também defendia o uso de equipamentos de contenção, como camisas de força, durante as crises de loucura.

A teoria de Pinel e o tratamento por ele proposto, visavam uma mudança ideológica e comportamental do paciente vítima da loucura.

Pinel não adentrava no universo de interpretações possíveis para as causas dos comportamentos delirantes. A presença dos delírios eram importantes para se determinar o diagnóstico a ser dado para cada enfermo, mas não eram pesados sob a luz de nenhuma teoria específica.

Pinel deixou um legado para a psiquiatria e um de seus mais proeminentes discípulos foi Esquirol. Este foi um dos principais continuadores da ideia da loucura como uma enfermidade de causas morais, embora reconhecesse que causas físicas poderiam estar presentes como uma das possíveis causadoras desta enfermidade. Este médico se destacou por ter aprofundado os estudos de observação dos alienados e ter reclassificado a loucura em quatro tipos: “a idiotia, a demência, a mania e as monomanias” (Jabert, 2009: 49). Machado (1978) afirma que a loucura para Esquirol:

/.../ quando não é aniquilamento ou enfraquecimento da inteligência, é delírio. Ora, definir a loucura como delírio é situá-la em relação à inteligência. Mas, por isso mesmo, delírio não significa abolição, destruição ou inexistência do pensamento, desrazão. O delírio é um distúrbio, uma perturbação, uma desordem da inteligência. A faculdade continua existindo, o que abre para a possibilidade de se pensar em reabilitação, em transformação, em cura. (Machado, 1978: 387)

Esquirol desenvolveu o conceito de monomania. Os monomaníacos seriam pessoas aparentemente normais em algumas circunstâncias, no entanto, em outras, teriam comportamentos desregrados e irracionais. Segundo Esquirol:

Os monomaníacos não perdem a razão, mas seus afetos, seu caráter, são pervertidos; por motivos plausíveis, por explicações muito racionais, eles justificam o estado atual de seus sentimentos e desculpam a esquisitice, a inconveniência de sua conduta (Esquirol apud Almeida: 2007, s/p)

Dessa forma, surgem os maníacos sexuais, os maníacos homicidas etc. Pessoas que vestiam, aparentemente, a roupa da normalidade, para esconder sua loucura (Cunha, 1980: 22).

Esquirol, similar a Pinel, acreditava que as causas da loucura estavam na “perversão da Vontade” (Machado, 1978: 389) e no desregramento das paixões. Em linhas gerais, Pinel e Esquirol mantinham muitas similaridades na forma de teorizar e tratar a loucura, priorizando as observações sintomáticas e comportamentais dos casos com que se deparavam; ambos visavam reconduzir o louco à normalidade e ao convívio social sadio através de um tratamento moral.

Pinel e Esquirol não foram, todavia, os únicos nomes de destaque no cenário psiquiátrico do decorrer do século XIX. Outro nome merece menção é o de Benedict Morel.

Morel incorporou às causas da loucura a teoria da degeneração, o que colocou as pesquisas psiquiátricas em conformidade com os demais ramos da medicina, que nesse momento a enfatizavam estudos anatomopatológicos. Morel, que era religioso, acreditava que o homem fora criado primitivamente perfeito e as circunstâncias nas quais ele foi inserido após cometer o pecado original o levou a se degenerar e desenvolver patologias que o distanciavam da moralidade e o aproximavam da animalidade. Segundo Cunha (1980), a aproximação de Morel com Pinel era a crença na loucura como preço a ser pago pelas bruscas mudanças na vida social a partir dos processos de urbanização e de industrialização.

Segundo a teoria da degeneração, a hereditariedade era um fator importante para se perceber a propensão que um indivíduo teria em ser degenerado, ou seja, o filho de um degenerado era potencialmente um degenerado e a cada nova geração, a probabilidade do aumento da degeneração crescia. Segundo Bercherrie (1989):

A medida que o germe patológico vai-se transmitindo, seus efeitos se agravam e os descendentes vão descendo os degraus da decadência física e moral até “a esterilidade..., a imbecilidade, a idiotia e, finalmente, a degenerescência cretina” (Traité des Maladies Mentales, P. 515); ao término do percurso, a linhagem afetada se extinguiria por si só, por uma espécie de eliminação natural (Bercherrie 1989: 110).

Segundo Morel, as causas da degenerescência eram várias: fome, alcoolismo, industrialização, imoralidade, hereditariedade, dentre outras (Bercherrie, 1989). A degeneração poderia ser percebida num indivíduo através de suas características físicas, como tamanho do crânio, altura etc. ou através de suas características morais, como alcoolismo ou loucura. De acordo com Morel, a loucura era uma forma de degeneração.

A partir de Morel, o alienista ganhou espaço de ação fora do asilo, pois diversos fatores presentes no cotidiano das populações poderiam ser geradores de degeneração e consequentemente causadores de loucura. Segundo Cunha (1980):

A formulação e rápida aceitação da “teoria da degenerescência”, que confere à psiquiatria uma amplitude e um potencial de controle social extremamente ampliados, coloca o alienismo em um outro patamar teórico e prático (Cunha, 1980: 22).

Ainda segundo Cunha (1980), as cidades e principalmente os lugares mais pobres, eram os maiores riscos para as populações, como podemos perceber através do trecho a seguir:

Assim, o pensamento alienista estava essencialmente voltado para a profilaxia do meio urbano. Para eles, a cidade aparecia como o ambiente ideal para esta cultura de germes deflagradores de uma verdadeira epidemia social. Se, do ponto de vista teórico, degenerados sempre existiram (pois é da natureza da “ciencia” adotar sempre pontos de vista supra-históricos), a cidade tornaria possível que eles se escondessem e se multiplicassem sem controle. Ela criaria mil facilidades para a obtenção ilícita da sobrevivência: no jogo, definido como uma “síndrome”de estado patológico do “instinto de conservação individual”; no crime ou na contravenção, que o alienismo e a criminologia tinham atribuído a anomalias psíquicas da degeneração; na prostituição, resultado das formas mais inferiores da degeneração feminina. A cidade esconderia multidões anônimas de degenerados em seus becos, vielas, nas casas das meretrizes, sempre solidárias com a imoralidade, nos botequins e cabarés, nas habitações coletivas e insalubres, nas multidões de pobres laboriosos cuja fronteira com os degenerados seria teórica e praticamente imperceptível. (Cunha, 1980: 26-27)

Percebemos que enquanto Pinel e Esquirol direcionavam o tratamento exclusivamente ao doente, Morel propunha um conjunto de práticas de profilaxia urbana e controle social.

Por fim, nos resta citar Kraepelin, que deu sua colaboração à psiquiatria moderna juntando os avanços nos campos da etiologia, da clínica e da anatomia patológica. Segundo Jabert (2009):

/.../ o método de classificação por ele empregado estava baseado na observação e descrição dos quadros clínicos dando, no entanto, especial atenção à evolução das enfermidades mentais. (Jabert, 2009: 61)

Quanto a importância da observação para Kraeplin, afirma Pinho (2007):

A importância do psiquiatra alemão Emil Kraeplin (1855-1926) deve-se ao fato de ter ele demonstrado a necessidade de a psiquiatria incorporar o modelo médico, com a descrição detalhada dos sintomas e a organização dos achados clínicos. Ele sistematizou as síndromes e estabeleceu o diagnóstico nosológico/.../ (Pinho, 2007: s/p)

Similar a Pinel, Kraepelin acreditava que a análise psicológica do paciente poderia fornecer elementos importantes para a análise clínica deste, no entanto havia importância crucial da situação orgânica do paciente para a determinação do seu estado de loucura.

Os quatro teóricos apresentados acima, formam, no nosso entender, o principal grupo de autores que julgamos pertinentes para a formação e consolidação da psiquiatria brasileira. Machado (1978) afirma que no período inicial de estruturação das práticas psiquiátricas, Pinel e Esquirol foram os maiores influenciadores dos médicos brasileiros, no entanto, a teoria da degenerescência também é notória, principalmente no contexto do final do século XIX (Cunha, 1980).

2.1.2. A FORMAÇÃO DA PSIQUIATRIA NO BRASIL: UMA BREVE APRESENTAÇÃO

A psiquiatria se tornou oficialmente uma especialidade médica no Brasil em 1912. No entanto, a preocupação com a temática da loucura é muito anterior a essa data e remonta ao início do século XIX, quando as autoridades estatais, visavam organizar a cidade do Rio de Janeiro implementando serviços de saneamento básico e limpeza física e moral da população (Luz, 2006).

Os médicos, no decorrer dos oitocentos, ganharam posição de destaque na sociedade, uma vez que se tornaram agentes das modificações urbanas e sociais que foram implementadas no decorrer deste século. As preocupações médicas com a saúde populacional se intensificaram após a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808. A corte se instalou na cidade do Rio de Janeiro, o que acarretou o aumento populacional e consequentemente o aumento do contato entre as pessoas. As relações comerciais também se intensificaram e o porto do Rio passou a ser porta de entrada de novos produtos, moradores, ideias e também de novas epidemias.

A preocupação das autoridades com a proliferação de epidemias se intensificou após 1815, quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal. A proclamação da independência política do Brasil, em 1822, também marcou um período de mudanças sociais para o país. Desta data em diante, houve um aumento do intercambio comercial e a população da cidade do Rio de Janeiro aumentou. Diversos indivíduos passaram a conviver em espaços muito próximos, geralmente pequenos e pouco ventilados, como cortiços por exemplo. A proximidade interpessoal facilitava o contágio de doenças infecto contagiosas.

O tráfico de escravos, realizado através do porto do Rio de Janeiro, contribuía para a disseminação de doenças. Karasch (2000) ao analisar a vida dos escravos no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, aponta que era possível para um navio negreiro, ao atracar no porto, ter perdido em alto mar metade de sua tripulação para alguma epidemia. Segundo esta autora, a maior causadora de morte entre os escravos, era a tuberculose, uma doença potencialmente epidêmica.

A dinâmica de contaminação da tuberculose era simples: um individuo poderia contrair o bacilo da doença ao ter relações sexuais com escravos enfermos ou mesmo ao dividir espaços pequenos e sem ventilação com estes. Embora os escravos adoecessem mais rapidamente devido aos maus tratos e baixa imunidade, a tuberculose não fez distinção de cor e se espalhou pela cidade durante a primeira metade do século XIX, vitimando tanto escravos quanto homens livres. Além da tuberculose, outras enfermidades preocupavam a população, como a varíola e a disenteria.

Na tentativa de melhorar as condições brasileiras de saúde, foi criado o Curso de Cirurgia, no Rio de Janeiro, em 1813. Assim, o panorama médico no inicio do século XIX, se configurou de forma que alguns médicos formados em Portugal passaram a disputar mercado com os novos cirurgiões brasileiros e com outros indivíduos versados em práticas alternativas de cura. Segundo Pimenta (2004):

/.../ a medicina acadêmica era apenas mais uma das possibilidades de terapia a que a população, ou parte dela, tinha acesso. E nem era a mais popular, como vários trabalhos recentes têm demonstrado (Figueiredo, 2002; Sampaio, 2001; Soares, 1999). Tampouco tinha todo o poder legal e muito menos força de reprimir e monopolizar a arte de curar. (Pimenta, 2004: 70).

Não havia um saber médico homogeneizado e não havia fiscalização adequada para as práticas médicas. Sampaio (2001) afirma que era comum alguns médicos se envolverem em desavenças públicas através dos jornais cariocas no decorrer do período imperial, o que demonstrava que não havia consenso entre os procedimentos médicos adotados, o que por sua vez, reforçava a desconfiança da população na medicina oficial.

Em seu livro, Sampaio (2001) analisou diversas cartas, publicadas em alguns jornais cariocas e constatou a existência de um grande número de pessoas que afirmavam preferir o curandeirismo à medicina oficial e só recorriam ao tratamento médico acadêmico como “o último recurso” (Sampaio: 2001: 68).

Na tentativa de regularizar o serviço médico brasileiro, em 1828 foi extinto o cargo de Físico Mor e de Cirurgião Mor do Império. Em 1829 surgiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia do RJ, que se transformou em Academia Imperial de Medicina em 1835. Esta instituição visava propagar suas ideias por meio de jornais e revistas especializados. Segundo esta sociedade:

A ciência médica deveria conter um saber uniformizado, baseado na observação e troca de informações, impedindo equívocos e interferência do charlatanismo ou mesmo a persistência de uma medicina popular, prática bem aceita no extenso território brasileiro”. (Luz, 2006: 49)

Percebe-se que o Estado, ao tentar de melhorar as condições da cidade do Rio de Janeiro, paulatinamente foi dando poder aos médicos, na medida em que coibiu práticas de cura não oficiais. A implementação da medicina social foi uma das formas encontradas pelas autoridades para controlar o contágio de doenças e tentar estabelecer a ordem nas cidades. A partir da analise da obra de Machado (1978), Luz (2006) afirma:

A prática da medicina social, desenvolvida no Brasil desde a década de 1830 (Machado, 1978), foi de alguma forma justificada em razão da preocupação em se esquadrinhar o espaço público ou urbano em busca da aplicação de medidas sanitárias preventivas. (Luz, 2006: 43)

Dentre as atribuições da Medicina Social, estava a formação e manutenção de uma estética urbana; sendo assim, retirava-se da paisagem social tudo o que fosse considerado sujo e anti-higiênico ao ponto de fugir dos padrões estabelecidos de ordem, o que incluía a reorganização do espaço físico das cidades e a retirada do convívio social de certos membros que não se enquadrassem nas normas disciplinares estabelecidas, como alcoólatras e prostitutas por exemplo (Luz, 2001).

Jabert (2009), dialogando com Caio Prado Júnior (1983), denomina essa população urbana considerada ociosa e incômoda pelas autoridades, como “a casta numerosa dos vadios” (Prado Jr. apud Jabert, 2009: 65). Esses vadios seriam pessoas que não conseguiram se adaptar ao crescimento econômico e urbano da cidade e tinham, geralmente a crença no trabalho como algo destinado à escravos e não a homens livres.

Sem ter o que fazer e muitas vezes vitimadas por vícios diversos, essas pessoas errantes eram recolhidas para instituições que as escondessem dos olhos públicos.

Os loucos que vagavam pelas ruas da cidade também foram considerados desapropriados para viver em sociedade e também passaram a ser retirados das ruas. Até o início do século XIX, muitos loucos viviam em harmonia com a paisagem social e andavam livremente pelas ruas do Rio. Cunha (1990) analisou algumas obras de cronistas do inicio deste século e percebeu vários relatos que envolviam a presença de loucos habitando pacificamente as ruas da cidade. Abaixo, conferimos um exemplo conferido pela autora:

Conhecido na rua por suas “extravagâncias”, Cachaço, ganhava a vida no Rio de janeiro de meados do século passado ensinando, com a rude pedagogia dos cachações, rezas e catecismos aos africanos “brabos” do Valongo ou escravos de casas particulares cujos senhores, apesar da notória “vesania” de Tomaz, pagavam por seus serviços “educativos” (Cunha, 1990: 10).

Os loucos errantes das ruas não recebiam tratamento adequado para a sua condição e quando perturbavam a ordem pública, eram encarcerados em prisões ou internados no hospital da Santa Casa de Misericórdia, como vemos no fragmento a seguir:

Até a segunda metade do século XIX, os doentes mentais que habitavam o Rio de Janeiro não se beneficiavam de nenhuma assistência médica específica. Quando não eram colocados nas prisões por vagabundagem ou perturbação da ordem pública, os loucos erravam pelas ruas ou eram encarcerados nas celas especiais dos hospitais gerais da Santa Casa de Misericórdia. (Costa, 1980: 21)

Na década de 30 dos oitocentos, um grupo de médicos requisitou a construção de um hospício, como uma medida de higiene pública. Esses médicos criticavam o abandono dos loucos a própria sorte nas ruas da cidade e o tratamento que recebiam na Santa Casa de Misericórdia (Costa, 1980). No entanto, embora requisitassem melhoras para as condições do louco, por terem passado a reconhecê-lo como um enfermo, a definição de loucura ainda não estava muito clara para esses médicos. Os primeiros alienistas brasileiros muitas vezes misturavam saberes especializados e saberes populares ao discorrem sobre a loucura. Neste momento, somente era consensual a crença que “a loucura era uma doença que atingia a inteligência” (Engel, 2001: 120).

Machado (1978) nos afirma que foi a partir de 1830, com a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que o louco começou a ser alvo de ações diretas por parte da medicina social. Esta sociedade publicou em 1830 um relatório acerca das condições dos loucos – este foi o primeiro documento onde se evidenciou a preocupação médica com a loucura.

Neste relatório, foram criticadas as condições a que os loucos estavam submetidos, sem assistência adequada e sem uma instituição asilar propícia para tratá-los. Os loucos que eram retirados das cidades eram encaminhados para a Santa Casa de Misericórdia ou outras instituições caritativas, no entanto, não recebiam qualquer forma de tratamento. Segundo Cunha (1980) as instituições que recebiam os loucos não possuíam médicos especialistas; os loucos contavam apenas com clínicos gerais que tratavam de problemas de ordem física que viessem a acometer os doentes.

Alguns médicos, higienistas principalmente, começaram a utilizar periódicos como o Semanário de Saúde Pública e o Diário de Saúde para criar uma comoção social a respeito da necessidade de criação de um asilo (Costa, 1980: 21)

A loucura começou a ser construída como uma ameaça perigosa aos cidadãos e à ordem pública. O louco passou a ser socialmente percebido como “um perigoso em potencial e como atentado à moral pública, à caridade e à segurança” (Machado, 1978: 377), no entanto, ele não poderia ser tratado como um criminoso e deveria ter um tratamento especifico, daí a requisição para a construção de um espaço onde ele pudesse ser isolado e tratado.

Em 1841, o então imperador D. Pedro II, ordenou a construção de um hospital que funcionaria para recolher os loucos. O Hospício Pedro II foi inaugurado em 1852.

Este foi o primeiro hospital para doentes mentais no Brasil e inicialmente, ficou ao encargo administrativo da Santa Casa de Misericórdia.

A criação de um hospício no Brasil aliava preocupações médicas com preocupações políticas, uma vez que os médicos começavam a direcionar o olhar para os loucos e vê-los como doentes e os dirigentes políticos visavam fazer a limpeza social da cidade e colocá-la em conformidade com as modernas concepções de progresso.

Dessa maneira, no Brasil, a construção de um hospício e o inicio do cuidado médico com os loucos tiveram como mola propulsora o estabelecimento de um controle social ostensivo nas principais cidades do Império.

Coincidindo com a inauguração do Hospício Pedro II, alguns alunos de medicina das faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia, começaram a escrever teses a respeito da loucura. Tais trabalhos se apoiavam em autores estrangeiros, principalmente franceses e se restringiam ao estudo teórico da loucura, raramente aludindo a estudos de casos brasileiros (Machado, 1978). Não havia, portanto, uma produção de saber a respeito da loucura que fosse original e em linhas gerais, o que era publicado tinha como inspiração os médicos estrangeiros que mencionamos no primeiro item deste capítulo. Os internos do hospício não recebiam atendimento psiquiátrico formal, uma vez que não existia ainda no Brasil uma cátedra de psiquiatria (Jabert, 2009). Até a década de oitenta do século XIX, não houve mudanças significativas nas formas de tratamento dos loucos ou das crenças a respeito da loucura no Brasil. Segundo Engel (2001):

Até a década de 80 do século XIX é possível detectar-se o esboço de um saber alienista no Brasil /.../ que manteria, em linhas gerais, as diretrizes presentes, de um modo ou de outro, nos textos dos anos 30 da época /.../ (Engel, 2001: 125).

Somente a partir da década de oitenta, que os médicos brasileiros se aprofundaram nas renovações ocorridas no alienismo francês e as implementaram no Brasil. A teoria de Morel acerca da loucura e suas causas foi uma influência importante neste período do alienismo brasileiro. Segundo Cunha (1980):

A formulação e rápida aceitação da “teoria da degenerescência”, que confere à psiquiatria uma amplitude e um potencial de controle social extremamente ampliados, coloca o alienismo em outro patamar teórico e prático. É precisamente esta a principal referencia teórica e política deste saber no momento da implantação do alienismo e do asilo enquanto um ramo autônomo de especialistas no contexto brasileiro.

A teoria de Morel facultava ao médico realizar um prognóstico baseado na possível herança genética de um indivíduo. Segundo esta teoria existia duas formas de loucura: a loucura por afecções mentais e a loucura por distúrbios funcionais. A primeira era resultado de uma causa física aparente, como um traumatismo ou uma doença congênita. A segunda não tinha uma explicação visível e era, portanto, explicada através da teoria da degenerescência – um indivíduo com um distúrbio funcional tinha antepassados que lhe passaram essas características.

Além da teoria da degenerescência, outras duas teorias foram importantes para a formação intelectual brasileira oitocentista e se alinharam com os intentos governamentais de limpeza urbana e aprimoramento social: a teoria de Gobineau e a de Galton. A primeira postulava que a raça determinaria grau de inferioridade ou superioridade de um indivíduo - os negros seriam os indivíduos mais inferiores, seguidos pelos asiáticos. Os brancos estariam no topo da pirâmide das raças e seriam os seres mais evoluídos.

Galton por sua vez, formulou as teorias de hereditariedade atávica e de regressão. Segundo este teórico, todos os antepassados de uma pessoa participariam de sua formação hereditária. Um indivíduo teria metade da carga hereditária de seus pais, um quarto da de seus avós e assim por diante, portanto, quanto mais inteligentes e de boa aparência fossem os pais, mais evoluída seria a prole.

Percebemos, portanto, que as teorias de Morel, Gobineau e Galton eram complementares para a intenção governamental de limpeza urbana e profilaxia social, que se intensificou após a proclamação da república. A teoria de Morel, particularmente “introduziu-se visceralmente na formação da composição da família elitista brasileira” (Luz, 2001: 84) que conseguiram uma justificativa científica para a pobreza e o baixo desenvolvimento social das populações. Acreditava-se que um proletário pobre vivendo em condições sumárias de saúde e alimentação, sem condições razoáveis de trabalho que pendesse para a criminalidade ou para o vício seria um degenerado; essa teoria eximiu a responsabilidade do Estado em conferir melhores condições para as populações mais pobres. Segundo Cunha (1990):

Diante deste quadro perverso, o alienismo previa para si e propunha para o Estado duas estratégias. De um lado, esquadrinhar o tecido social para localizar e sequestrar os degenerados, ampliando quantitativamente e qualitativamente internação /.../ De outro lado, tratava-se de defender a sociedade, reforçando as formas de controle sobre os sãos, introjetando nestes a ideia de sua própria defesa contra os degenerados e a degeneração /.../ (Cunha, 1990: 31).

Na mesma década da proclamação da república, a direção do Hospício Pedro II foi transferida dos religiosos da Santa Casa de Misericórdia para um médico, Nuno de Andrade, que assumiu como diretor em 1881. Simbolicamente, essa passagem representou a passagem de uma assistência caritativa aos loucos para a o asilamento científico destes. Neste ano, as duas faculdades de medicina do Brasil, localizadas na Bahia e no Rio de Janeiro, passaram a oferecer para seus alunos, um Curso de Clínica Psiquiátrica.

Alguns anos mais tarde, o médico Teixeira Brandão, assumiu a direção do Hospício Pedro II. A posse de Brandão significou o estreitamento dos limites entre as produções acadêmicas e o hospício; com este médico na direção, “inicia-se o ensino regular de psiquiatria aos médicos generalistas” (Costa, 1980: 22).

No final do século XIX, a psiquiatria começou a se consolidar como saber médico especializado no Brasil e as produções dos médicos brasileiros timidamente começou a deixar de ser simples reproduções dos escritos franceses, como podemos perceber a partir do fragmento abaixo:

/.../ as reflexões acerca dos temas relacionados à alienação mental ganhavam espaço cada vez mais significativo nos periódicos médicos gerais ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras publicações especializadas, cujos objetivos se orientavam não apenas para favorecer a atualização dos leitores em relação às principais correntes da psiquiatria europeia e americana, mas também de incentivar e divulgar a produção dos psiquiatras americanos. (Engel, 2001: 137)

Em 1890, após a proclamação da República, o Hospício Pedro II passou a se chamar Hospital Nacional dos Alienados. Neste momento, as críticas a esta instituição eram muitas. Vários anos após sua inauguração, dizia-se que o hospício não funcionava como um lugar para o tratamento dos alienados e sim, como um depósito humano. A seguir, observamos um trecho onde percebemos a crítica ao sistema asilar deste período:

Hospital Nacional é simplesmente uma casa para detenção de loucos, onde não há tratamento conveniente, nem disciplina, nem qualquer fiscalização. (Maia apud Costa, 1980: 22)

Em 1902, após a abertura de um inquérito para se investigar as condições do hospício, Rodrigues Alves decidiu nomear Juliano Moreira para o cargo de diretor desta instituição. Moreira foi aluno de Nina Rodrigues, que foi no Brasil propagador da Teoria da Degenerescência, e tinha em sua formação uma forte presença dos estudos em medicina legal realizados pela Faculdade de Medicina da Bahia. Tais estudos buscavam a compreensão da loucura e da criminalidade por meio da medição de características físicas, como por exemplo, o tamanho do crânio.

Em 1903 foi promulgada a primeira lei federal de assistência aos alienados, cujo projeto é atribuído a Juliano Moreira. Na legislação de 1903, o alienado é definido como um individuo que, por moléstia congênita ou adquirida, compromete a ordem pública ou a segurança das pessoas.

Em 1907, após ter criado os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, Juliano Moreira fundou com um grupo de alienistas cariocas, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal. Esse grupo de médicos objetivava se tornar produtor de conhecimentos originais a respeito da loucura.

Segundo Costa (1980), Juliano Moreira inaugurou uma nova fase na psiquiatria brasileira, pois antes dele, esta havia se limitado a reproduções de padrões europeus ou seguir conhecimento leigo e religioso. Para este autor:

Juliano Moreira e seus discípulos tentaram transformar essa situação, inaugurando uma psiquiatria cujos fundamentos teóricos, práticos e institucionais constituíram um sistema psiquiátrico coerente. (Costa, 1980: 23)

Mulato, Moreira teve uma carreira precoce, formando-se médico aos dezoito anos. Viajou por diversos países europeus e neles, conheceu algumas instalações psiquiátricas. Ao assumir a direção do Hospício Nacional, Moreira remodelou o corpo de profissionais desta instituição, contratando médicos especialistas em diferentes áreas e ajudou na formação de diversos psiquiatras brasileiros como Henrique Roxo e Antonio Austregésilo.

Embora discípulo de Nina Rodrigues, Moreira se afastou deste ao divergir quanto a associação indiscriminada entre raça, hereditariedade e degeneração. Moreira buscou aspectos psicossociais na população brasileira para explicar as doenças mentais. Segundo Jabert (2009):

/.../ Juliano Moreira atentava para a possibilidade de construção de um modelo de nação fundado no ideal de igualdade entre indivíduos, alcançável pela elaboração de um projeto de regeneração nacional que tivesse como eixo organizador a melhoria das condições educacionais e a implantação de reformas sociais que levassem a uma melhoria do quadro de saúde da população brasileira. (Jabert, 2009: 78).

Em linhas gerais, a chegada de Juliano Moreira à direção do Hospício Nacional significou o inicio de uma nova fase para a psiquiatria brasileira, que desde o início do século XIX começou a dar seus primeiros passos em busca de consolidação. Tal processo não foi isento de disputas e contrariedades por parte de outras formas de conhecimento que se interpuseram ao conhecimento acadêmico e oficial ainda não consolidado. O Espiritismo se configurou como uma fonte de divergências para o conhecimento psiquiátrico de então. A seguir, abordaremos a construção do conceito de loucura formulado por Allan Kardec e Bezerra de Menezes.

2.2. O ESPIRITISMO KARDECISTA FRENTE À LOUCURA
2.2.1. OBSESSÃO ESPIRITUAL

Um dos temas centrais do Espiritismo é a crença na possibilidade de intervenção de espíritos nos pensamentos e ações dos vivos. Segundo Kardec, existem dois mundos: o material e o espiritual. O primeiro seria o nosso mundo conhecido, que habitamos enquanto vivos, já o segundo mundo, imaterial, seria o lugar para onde o espírito vai ao morrer.

Ao falecer, uma pessoa retornaria a sua verdadeira forma, que é a de espírito, sendo encaminhada, portanto, para moradas espirituais a espera do retorno a Terra, através da reencarnação, para dar continuidade ao seu processo de evolução. Entretanto, alguns indivíduos, ao longo de suas vidas encarnados em um corpo físico, esquecem ou passam a ignorar o sentido espiritual de suas existências, se apegando demasiadamente a coisas materiais. Essas pessoas, ao morrerem, não conseguem se desprender do mundo físico e permanecem coexistindo com os vivos, transitando em meio a estes, que nada percebem.

Preso à Terra, o espírito teria a capacidade de influenciar os pensamentos e as atitudes das pessoas das quais fica próximo. Essa influência se daria devido a possibilidade de o espírito conhecer tudo o que pensam aqueles de quem se aproximam, como podemos perceber a partir do fragmento abaixo:

Os Espíritos podem conhecer nossos mais secretos pensamentos?
– Frequentemente conhecem o que gostaríeis de esconder de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos lhes podem ser ocultados. (Kardec, 1994: 245)

Segundo Kardec, os espíritos errantes no mundo físico, em geral, buscam ficar próximos de pessoas com as quais tem afinidades e gostem das mesmas coisas que eles gostavam enquanto vivos, dessa forma, podem continuar a sentir prazer através o gozo vivenciado pelo encarnado. Por exemplo, o espírito de um individuo que, enquanto vivo era viciado em comida ou em álcool, busca proximidade com indivíduos igualmente viciados em comida ou em álcool.

Em outra circunstância proposta por Kardec, um espírito se aproximaria de um individuo com o intuito específico de lhe fazer mal. Em alguns casos, um espírito que nutria enquanto vivo inimizade por alguém, ao morrer, passaria a perseguir seu inimigo, incitando-o a cometer erros. Dessa forma, se um indivíduo tem uma propensão ao alcoolismo, por exemplo, o espírito inimigo o influenciaria a beber cada vez mais, até que o exagero o faria tão mal que o espírito conseguiria sua vingança. A seguir, destacamos um fragmento no qual se trata da influência dos espíritos nos encarnados:

Os Espíritos influem sobre nossos pensamentos e ações? – A esse respeito, sua influência é maior do que podeis imaginar. Muitas vezes são eles que vos dirigem. (Kardec, 1994: 246)

Percebemos, dessa forma, que segundo O Livro dos Espíritos, um espírito pode chegar ao ponto de dirigir a vida de um individuo, inclinando-o a fazer todas as suas vontades. No entanto, os espíritos só conseguem influenciar as pessoas que tenham más inclinações, ou seja, que não possuam o propósito de praticar o bem e de se melhorar moralmente, como podemos perceber no trecho abaixo:

Por que Deus permite que Espíritos nos excitem ao mal?
– Os Espíritos imperfeitos são instrumentos que servem para pôr à prova a fé e a constância dos homens na prática do bem. Vós como Espíritos, deveis progredir na ciência do infinito, e por isso passais pelas provas do mal para atingir o bem. Nossa missão é vos colocar no bom caminho e, quando as más influências agem sobre vós, é que as atraístes pelo desejo do mal, porque os Espíritos inferiores vêm vos auxiliar no mal, quando tendes a vontade de praticá-lo; eles não podem vos ajudar no mal senão quando quereis o mal.
Se sois inclinados ao homicídio, pois bem! Tereis uma multidão de Espíritos que alimentarão esse pensamento em vós. Mas tereis também outros Espíritos que se empenharão para vos influenciar ao bem, o que faz restabelecer o equilíbrio e vos deixa o comando dos vossos atos.
É assim que Deus deixa à nossa consciência a escolha do caminho que devemos seguir e a liberdade de ceder a uma ou outra das influências contrárias que se exercem sobre nós. (Kardec, 1994: 247-248).

Os espíritos evoluídos, também teriam, segundo Kardec, a possibilidade de influenciar os vivos, no entanto, sempre para a prática do bem. Um indivíduo opta por seguir a intuição de um bom ou mau espírito de acordo com suas inclinações pessoais para o bem ou para o mau.

Um indivíduo que esteja sob a influência de um mau espírito, ao mudar sua postura mental e moral pode afastar o espírito. A esse respeito, destacamos o trecho de O Livro dos Espíritos a seguir:

Pode o homem se libertar da influência dos Espíritos que procuram arrastá-lo ao mal?
– Sim, porque apenas se ligam àqueles que os solicitam por seus desejos ou os atraem pelos seus pensamentos. (Kardec, 1994: 248)

Para afastar, portanto, a má influencia espiritual, é necessário que haja o início de um processo de mudanças de comportamentos e pensamentos, para que as afinidades entre perseguidor e perseguido diminuam. Segundo Kardec, os espíritos se afastam ao perceberem a impossibilidade de afetar o indivíduo que desejam subjugar, como percebemos no fragmento a seguir:

Os Espíritos cuja influência é repelida pela vontade do homem renunciam às suas tentativas?
– O que quereis que façam? Quando não há nada a fazer, desistem da tentativa; entretanto, aguardam o momento favorável, como o gato espreita o rato. (Kardec, 1994: 248)

Obsessão foi o nome dado por Kardec ao processo de influência de um espírito sobre um vivo. Para entendermos a construção de uma visão espírita acerca da loucura, é fundamental que entendamos o processo de obsessão espiritual descrito acima, pois para os espíritas, haveria dois tipos distintos de loucura: um causado por questões orgânicas e má formação do corpo físico e outro causado por obsessão espiritual, que consistiria no maior causador de loucura.

A loucura especificamente foi uma temática pouco abordada por Kardec em suas obras de codificação do Espiritismo. No Brasil, esta temática ganhou força com a escrita da obra de Bezerra de Menezes: A loucura Sob Outro Prisma. A seguir, veremos como Kardec e Menezes se posicionaram em relação a loucura.

3.2.2. A LOUCURA NAS OBRAS DE KARDEC

Em O Livro dos Espíritos, Kardec se ateve em mencionar os casos de problemas mentais congênitos ou originados por problemas físicos. Seguindo a ideia de que o espírito precisaria de um corpo material para poder se comunicar e se expressar no mundo físico, a ausência de um corpo saudável suporia a impossibilidade do espírito em se expressar plenamente, como podemos observar no próximo fragmento:

O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?
– Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma; essa manifestação depende do desenvolvimento e grau de perfeição desses mesmos órgãos, como a boa qualidade de um trabalho depende da boa qualidade da ferramenta. (Kardec, 1994: 205)

Dentre as faculdades da alma, a que se refere o fragmento acima, a inteligência é a mais importante. Quanto mais desenvolvidos e perfeitos os órgãos do corpo físico, maior a possibilidade do espírito em manifestar a inteligência que desenvolveu ao longo de suas múltiplas vidas. Kardec reforça essa ideia no seguinte fragmento:

É exato dizer que os órgãos não têm influência sobre as faculdades?
– Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm uma influência muito grande sobre a manifestação das faculdades; porém, não as produzem; eis a diferença. Um bom músico com um instrumento ruim não fará boa música, mas isso não o impedirá de ser um bom músico. (Kardec, 1994: 207)

Seguindo a lógica exposta acima, um espírito que ao longo de várias encarnações desenvolveu sua inteligência, mas reencarnou em um corpo com um aparelho cerebral deficiente, não consegue se expressar na totalidade de suas faculdades cognitivas e seria confundido com um idiota ou doente mental. No entanto, essa condição é transitória, durando somente o tempo que da encarnação desse espírito naquele corpo deficiente.

Kardec considera, no entanto, que um doente mental de nascimento não estaria nesta condição limitante por inferioridade espiritual. Essa posição está expressa no trecho a seguir:

A opinião de que os deficientes mentais teriam uma alma inferior tem fundamento?
– Não. Eles têm uma alma humana, muitas vezes mais inteligente do que pensais, que sofre da insuficiência dos meios que tem para se manifestar, assim como o mudo sofre por não poder falar. (Kardec, 1994: 207)

Segundo Kardec, estar num corpo deficiente não é desprovido de justiça divina.
Para ele, a deficiência mental congênita seria um castigo para o espírito que em encarnações anteriores tenha feito algo em desacordo com as leis de Deus. (39)
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec amplia o leque de possibilidades para as causas da loucura e afirma que esta é um estado circunstancial, derivado dos problemas e dilemas cotidianos, como podemos perceber a partir do trecho a seguir:


A calma e a resignação hauridas da maneira de considerar a vida terrestre e da confiança no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar. Ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria, os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam. (Kardec, 2000: 81).


Segundo o expresso acima, a falta de confiança no futuro seria a principal causadora da loucura. Para o Espiritismo, todos os problemas enfrentados por um individuo no decorrer de sua passagem pelo mundo físico seriam de duas ordens: provas ou expiações. As primeiras seriam testes com os quais o espírito se depararia ao longo de sua vida para avaliar se já adquiriu melhora espiritual. Expiações por sua vez, seriam reajustes com a lei de Deus, por ações errôneas cometidas pelo espírito ao longo das suas vidas passadas. Por exemplo, se uma pessoa em alguma encarnação, assassinou outra, sofrerá em alguma encarnação futura uma expiação equivalente a este ato.

Em linhas gerais, percebemos que para Kardec, um indivíduo se resguardaria da loucura ao confiar na transitoriedade de suas vicissitudes e enxergasse o futuro como algo eterno. Para ele, o Espiritismo seria um antídoto para a loucura, que preveniria o indivíduo de se deixar levar pelas circunstâncias ao ponto de perder sua razão.

Nesse sentido, percebemos que para Kardec, a loucura seria a ausência de razão.

Essa concepção nos remete a Pinel, com quem aparentemente Kardec dialogou neste item. Para Pinel, loucura e perda de racionalidade estavam intimamente relacionados, como observamos no primeiro item deste capítulo. Não é de se estranhar que Kardec e Pinel tivessem algum ponto convergente, pois ambos foram franceses frutos da revolução liberal, que defenderam cada qual a seu modo, o emprego da racionalidade.

Em outra obra, O Livros dos Médiuns, Kardec abordou a loucura como possibilidade para aqueles que são médiuns. Destacamos desta obra o seguinte trecho:

Poderia a mediunidade produzir a loucura?
Não mais do que qualquer outra coisa, desde que não haja predisposição para isso, em virtude de fraqueza cerebral. A mediunidade não produzirá a loucura, quando esta já não exista em gérmen; porém, existindo este, o bom-senso está a dizer que se deve usar de cautelas, sob todos os pontos de vista, porquanto qualquer abalo pode ser prejudicial. (Kardec, 2001:265)

Acima, percebemos que Kardec afirma que loucura só se manifesta por conta de mediunidade em quem já a tem em gérmen. Dessa maneira, o médium, ou seja, pessoa que nasce com a habilidade de se comunicar com espíritos, só fica louco se há predisposição para tal. Em O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec afirmou que a loucura seria a perda de razão em virtude da falta de fé do homem no futuro, logo, um médium, para ele, só poderia ficar louco se tivesse essa predisposição à perda da razão, independente da mediunidade.

Esta temática da loucura esteve mais presente na Revista Espírita, periódico que Kardec manteve sob sua direção, no qual abordou diversos temas referentes ao universo teórico do Espiritismo, e dentre eles, a loucura. Scoton (2007) analisou tal revista e nela havia a relação estabelecida entre loucura e obsessão, como observamos a seguir:

Os casos de obsessão são tão frequentes que não é exagero dizer que nos hospícios de alienados mais da metade apenas tem a aparência de loucura e que, por isto mesmo, a medicação vulgar não tem efeito. (Revista Espírita, 1866 apud Scoton, 2007: 70).

Tal posicionamento é reforçado no seguinte item:

/.../ um dia obsessão será reconhecida como uma das causas principais de desordens mentais, como é hoje a ação de criaturas vivas microscópicas de cuja existência ninguém suspeitava, mesmo antes da invenção do microscópio. (Kardec apud Scoton, 2007: 71).

No Brasil, Bezerra de Menezes por sua vez, ao contrário, escreveu no século XIX, o livro A Loucura sob Outro Prisma, em que defendeu a ideia de que a loucura teria como uma das principais causas a ação de espíritos obsessores.

2.2.3. BEZERRA DE MENEZES: A LOUCURA SOB NOVO PRISMA

O livro de Menezes, A Loucura sob um Novo Prisma, constitui-se em um questionamento ao “paradigma monista materialista que guiava as interpretações de médicos e psicólogos” (Almeida, 2007: 97). No final do século XIX, época da publicação do livro, a vertente organicista imperava na medicina oficial e o livro de Menezes se constituiu numa nova possibilidade interpretativa acerca da loucura que levava em consideração fatores não orgânicos como os causadores desta enfermidade.

O Livro é dividido em três partes. Na primeira, o autor defende a existência, no homem, de um principio espiritual. Em linhas gerais, Menezes reforça as ideias apresentadas por Kardec, nos livros da codificação. O autor ataca o materialismo e afirma que os homens, na verdade, são espíritos que possuem corpos de carne para interagir temporariamente na Terra.

No segundo item, Menezes desenvolve a ideia de que o cérebro é somente um instrumento material utilizado para a reprodução do pensamento que é originado no espírito. Segundo este autor:

/.../ A função do corpo, em geral, e dos órgãos, em particular, é de simples aparelho ou instrumento da alma, pois que cessa desde que esta se retire. (Menezes, 2005: 110)

Para fundamentar sua ideia, Menezes citou o exemplo da idiotia e afirmou que nos casos dessa doença, a perda da razão era devido ao cérebro defeituoso que impossibilitava o espírito de se expressar. Percebemos, neste aspecto, a influência de Kardec, que em O Livro dos Espíritos desenvolve a mesma ideia, como já vem anteriormente.

No terceiro e último capítulo do livro, Menezes analisa a obsessão como causadora da loucura. Segundo o autor:

Se é fácil explicar a perturbação mental, quando o órgão transmissor do pensamento está lesado, o mesmo não acontece nos casos notados por Esquirol, de coincidir ela com a perfeita integridade do cérebro. (Menezes, 1995: 148)

Menezes citou o francês Esquirol. Machado (1978) afirma que vários médicos brasileiros no século XIX tiveram contato com as obras do discípulo de Pinel, portanto, Menezes não parece ter sido exceção. Segundo ele, Esquirol não conseguiu explicar os casos de loucura onde o cérebro é perfeito.

Segundo o autor, quando loucura não tinha causa orgânica, esta estaria na atuação de espíritos inferiores naqueles que, aparentemente, perderam a razão. Menezes afirma que esses espíritos influenciadores:

Não nos espancam nem ferem o corpo, mas nos inspiram maus pensamentos, maus sentimentos, resoluções terríveis. Chegam a dominar nossa vontade, ao ponto de nos tornarem submissos, como um hipnotizado. (Menezes, 2005: 157).

A pessoa acometida por um mau espírito traria na alma o germe de uma paixão desregrada, a qual o espírito perceberia e excitaria até a vítima ceder à perversão moral, e parecer louca. Para o autor, o que a ciência chamou de loucura, o Espiritismo chamou de obsessão. A obsessão seria para Menezes “a loucura que Esquirol não encontrou lesão cerebral, é a loucura psíquica” (Menezes, 2005: 162).

Luz (2001) afirma que a obra de Bezerra de Menezes teve grande influência da obra de Bleuler (1857/1939). Segundo a autora:

/.../ a desarticulação das funções psíquicas, ou sejam, rupturas da unidade da personalidade, provocariam a possibilidade de domínio e comando por um ou outro de seus conteúdos inconscientes, sendo tal ruptura ou desarticulação a característica fundamental e constante da esquizofrenia. (Luz, 2001: 90).

Bleuler, no decorrer de sua vida, estudou os casos de demência precoce, enfermidade que mais tarde, ele renomeou como esquizofrenia. Em linhas gerais, o comando da mente, que Bleuler acreditava poder ocorrer por conteúdos inconscientes, Menezes atribuiu aos espíritos inferiores, como se estes entrassem na mente de suas vítimas e se passassem por partes de seus inconscientes.

Menezes afirma que a cura da loucura era possível e o primeiro passo para alcançá-la seria detectar se a enfermidade era fisiológica ou não. Em casos de loucura por lesão cerebral, o autor afirma que a cura seria praticamente impossível, mas ao contrário, se a causa não estivesse na fisiologia, a loucura psicológica, como ele denominou a loucura causada por obsessão, seria tratável.
Afastar o espírito obsessor seria a forma de cura sugerida por Menezes. No entanto, o afastamento só se daria a partir da moralização do espírito do louco.
Segundo o autor, quanto antes a obsessão fosse detectada, mais chances o enfermo teria de ser curado, entretanto, caso houvesse demora, o aparelho cerebral poderia se danificar pela presença fluídica do espírito, o que acarretaria em loucura orgânica, incurável.

Por fim, acreditamos que a obra de Menezes significou uma ruptura com o modelo primordialmente organicista do período em que foi publicada ao postular que o cérebro era somente um órgão transmissor de pensamento e que as raízes da loucura estariam externas ao indivíduo, em espíritos obsessores.
Essa concepção foi compartilhada pelo Espiritismo Racional e Científico Cristão, no qual percebemos a influência das obras de Kardec e Menezes. No item seguinte, perceberemos qual a visão de loucura expressa pelos membros do Centro Espírita Redemptor.

3.3. O ESPIRITISMO RACIONAL E CIENTÍFICO CRISTÃO E SUA CONCEPÇÃO DE LOUCURA

Em 1910, quando Luiz de Mattos fundou o Espiritismo Racional e Científico Cristão e inaugurou o Centro Espírita Amor e Caridade, a loucura era para este uma temática preocupante, tanto que nas instalações do centro, fundou um manicômio espírita. Ao inaugurar o Centro Espírita Redemptor, no Rio de Janeiro, em 1912, também fez nesta instituição um manicômio.

Para Mattos, a loucura seria:

/.../ “de todos os males que afligem a humanidade, o mais terrível, pelos seus efeitos, o que mais concorre para a desgraça das nações” (Jornal A Razão, Rio de Janeiro, 27-03-1917).

Mattos não era o único de seu tempo a se preocupar com a loucura. Esta era uma temática que comovia o pensamento de muitos membros da sociedade civil e médica. Engel (2001) em seu livro menciona um médico chamado Dr. Costa, que afirmava, com palavras muito similares as de Mattos, que a loucura seria “uma das enfermidades que mais afligem a humanidade” (Engel, 2001: 128). A publicação do livro de Menezes, vista no item anterior, é outro exemplo do quanto esta temática estava em pauta para ser pensada e discutida no decorrer do século XIX e início do XX.

Podemos ainda, nesse sentido, nos perguntarmos por que Luiz de Mattos qualificou a loucura como o mais terrível dos males da humanidade. Provavelmente a resposta está na incapacitação ao trabalho que esta propicia aos seus acometidos. Sem poder trabalhar, o louco deixava de ser produtivo para a recém-formada nação brasileira.

Nas obras analisadas provenientes do Centro Redemptor, encontramos várias menções ao trabalho como fonte de melhorias sociais. Não podemos nos esquecer que o início do século XX era um período de consolidação da República, de industrialização e urbanização. Ordem e progresso estavam começando a ser mentalmente construídos como valores provenientes do trabalho.

Ao analisarmos a concepção de loucura pregada pelo dirigente do Espiritismo Racional e Científico Cristão, percebemos muitas similaridades com a expressa por Bezerra de Menezes em seu livro A Loucura Sob Novo Prisma publicado alguns anos antes da fundação desta doutrina em 1910.

Para ambas as vertentes espíritas, kardecista e racionalista, a loucura era causada por obsessão espiritual, salvo situações em que o cérebro do acometido tenha sido lesado, como podemos perceber a partir da leitura do seguinte trecho:

/a causa da/ loucura é, na maioria dos casos, psíquica, devido a influencias que o astral inferior (espíritos atrasados exercem sobre os encarnados).
E dizemos na maioria dos casos, porque, essa causa só deixa de ser psíquica: - primeiro. Quando o ser nasce com os órgãos atrofiados; - segundo. Quando, em consequência de qualquer desastre, esses órgãos se tornam defeituosos; - terceiro. Quando suspensa a menstruação, sobe ao cérebro da mulher.
Fora estes três casos, que são raros, todos os demais tem por causa a influencia dos espíritos materializados. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 44)

Bezerra de Menezes, ao analisar a loucura, a separou em duas categorias, que nomeou de: loucura orgânica e loucura psíquica. A primeira se daria quando os órgãos físicos eram defeituosos e a segunda, se daria quando houvesse a atuação de um espírito no enfermo. Percebemos que o Espiritismo Racional e Científico Cristão também separa os casos de loucura em dois, exatamente como Menezes fez.

Um espírito que permanecesse muito tempo obsedado poderia segundo Mattos passar a ter seu cérebro danificado. Se isso ocorresse, o parecer foi o mesmo dado por Menezes quando analisou a mesma circunstância: o louco não teria mais possibilidade de ser curado, como percebemos pela fala de Mattos em destaque abaixo:

/.../ se encontram profundas alterações nos cérebros daqueles que sucumbem, após longo tempo de sofrimento pela loucura, o que torna bem patente que tais lesões são efeitos e não causa das perturbações psíquicas. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 176)

A causa da obsessão e, consequentemente, da loucura, também era similar a expressa por Menezes, que baseado em Kardec, acreditava no poder de atração dos espíritos a partir de afinidades. Segundo o exposto no Espiritismo Racional e Científico Cristão, “as forças iguais se atraem e as contrarias se repelem” (Centro Espírita Redemptor, 1914: 45), dessa maneira, se alguém pensasse coisas boas, atrairia bons espíritos. Se, ao contrário, uma pessoa pensasse coisas ruins, atrairia para perto de si maus espíritos que poderiam causar diversos problemas, dentre os quais a loucura, inclusive. Percebemos essa ideia no seguinte fragmento:

Atrairemos neste caso, forças idênticas, que virão, não só perturbar e agitar o nosso espírito, mas danificar também o nosso corpo material, produzindo diversas manifestações, como sejam a cegueira, a paralisia, a surdez ou qualquer outra enfermidade, atacando de preferência os pontos mais vulneráveis, os órgãos mais enfraquecidos /.../ (Centro Espírita Redemptor, 1916: 45)

Os maus sentimentos que atrairiam os obsessores seriam:

Pensar mal, mal dizer do seu semelhante, ter inveja, ódio, ciúme e desejos de vingança, é danificar-se, é atrair e deixar-se avassalar pelo astral inferior, é arruinar-se material e espiritualmente /.../ (Centro Espírita Redemptor, 1921: 115).

Ao se instalarem próximos de suas vítimas, os obsessores optariam por atingir o órgão do enfermo mais predisposto a sofrer com sua influência. No caso do louco, particularmente, o órgão mais afetado seria o cérebro, responsável por manifestar as vontades do espírito. Com esse órgão subjugado, o obsessor passaria a controlar vontades e ações do ser sobre sua influencia, como percebemos através do exposto abaixo:

A influência desses elementos ou espíritos, vai-se desenvolvendo, acentuando numa ascendência, num predomínio constante, acabando por dominar, por subjugar, por possuir em maior ou menor grau o espírito do paciente, tornando-o um verdadeiro manequim das suas vontades, dos seus desejos, dos seus instintos. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 46)

Tal qual Menezes afirmou, a obsessão teria cura, que se daria através do afastamento dos espíritos causadores do desequilíbrio de perto daquele a quem influenciam negativamente, como percebemos através do fragmento abaixo:

“É esta a obsessão, é esta a loucura e a prova é que removida a causa, isto é, os espíritos que a produzem, cessam gradualmente, os efeitos, com a expurgação dos fluidos danificadores, de que ficou impregnado o corpo material do paciente. Além da eliminação pouco a pouco, desses maus fluidos danificadores, é necessário também eliminar os maus sentimentos, os vícios que deram azo a atração desses elementos perniciosos. Esta é a parte mais difícil para a normalização dos obsedados ou loucos, porque, viciado como está o espírito do paciente, habituado a uma passividade mais ou menos absoluta, só a poder de muita doutrinação e de muita paciência poderá despertar e tomar consciência de si. Este período de convalescença é tanto mais longo, quanto maior for o período da obsessão” (Centro Espírita Redemptor, 1913: 46)

Por fim, percebemos que havia muitas similaridades entre as concepções de loucura do kardecismo e do Espiritismo Racional e Científico Cristão, tal fato não causa estranhamento se levarmos em conta as raízes comuns destas duas doutrinas, como vimos no capítulo anterior, no entanto, o Espiritismo Racional e Científico Cristão foi, nesse momento, mais longe que o Kardecismo ao propor uma metodologia de tratamento e a expor publicamente.

No próximo capítulo analisaremos a metodologia de tratamento empregada pelo dirigente do Centro Espírita Redemptor para tratar os loucos sob sua tutela.

CAPÍTULO 3
O ESPIRITISMO RACIONAL E CIENTÍFICO CRISTÃO E O POLÊMICO TRATAMENTO À LOUCURA

Os espíritas kardecistas desenvolveram uma concepção de loucura, que se contrapôs à psiquiatria oficial, ao afirmar que esta enfermidade era causada por espíritos inferiores e raramente era causada por problemas físicos ou genéticos, como acreditavam os médicos psiquiatras.

Em 1910, Luiz de Mattos, ao formular o Espiritismo Racional e Científico Cristão, viu na loucura uma de suas maiores preocupações. A luta contra esta enfermidade se tornou o carro chefe de sua doutrina.

Sem aparentemente temer as retaliações médicas e governamentais, Mattos fundou em Santos o Centro Espírita Amor e Caridade, que continha um manicômio em suas instalações. Entusiasmado pelas curas que afirmou conseguir nesta instituição e visando ampliar sua doutrina para a capital federal, Mattos fundou em 1912, no Rio de Janeiro, seu segundo manicômio espírita, nas instalações do Centro Espírita Redemptor.

A concepção de loucura adotada por Mattos na direção desta instituição era muito similar a concepção adotada pelos kardecistas: esta enfermidade seria causada pela influencia de espíritos inferiores naqueles que, por indisciplina de pensamento, atraiam esse tipo de espírito para perto de si.

Consideramos que, via de regra, o que diferenciou o Espiritismo kardecista do Espiritismo Racional e Científico Cristão no que concerne o olhar sobre a loucura, foi o fato de este último ter ido além da criação de uma concepção e ter proposto uma terapêutica, que aplicou nas instalações do Redemptor. Além disso, acreditamos que Mattos se destacou por defender e pregar publicamente sua concepção de loucura, principalmente através do jornal por ele criado, A Razão.

A medicina oficial, que neste momento buscava monopolizar o mercado de cura, viu em Luiz de Mattos e em outros espíritas desse momento, perigosos rivais, que deveriam ser desacreditados e silenciados. Vários médicos elaboraram teses nas quais qualificavam os praticantes do Espiritismo como loucos e perigosos (Almeida et al, 2007).

Muitas instituições espíritas, procurando fugir das perseguições sofridas pelas autoridades, passaram a enfatizar o caráter religioso da doutrina e quando faziam atendimentos, afirmavam serem estes puramente caritativos e sem pretensões científicas.

Luiz de Mattos, ao contrário, assumiu uma postura combativa em relação aos médicos e à ciência oficial e defendeu publicamente sua doutrina, a julgando científica.

No jornal A Razão, veiculou um total de 240 notas, nas quais atacou os psiquiatras.

A sociedade civil, ao presenciar médicos e espíritas em debate, não ficou passiva todo o tempo e no que tange ao Redemptor, este muitas vezes, recebeu apoio popular.

O presente capítulo será divido em três partes. Na primeira, intitulada Metodologia de Tratamento Espírita Racional e Científico Cristã contra a loucura, analisaremos a metodologia de tratamento aos enfermos internados no Redemptor.

Na segunda parte, intitulada Reação na Sociedade Civil, veremos como a sociedade se posicionou para ajudar ou perseguir as ações praticadas no Redemptor.

Veremos como a repercussão social ajudou o centro a ser judicialmente processado.

Por fim, na terceira parte, cujo título é Luiz de Mattos e A Razão: Combate à Medicina Oficial, analisaremos como Luiz de Mattos se posicionou nas notas publicadas no jornal A Razão com o intuito de deslegitimar a medicina oficial.

3.1. METODOLOGIA DE TRATAMENTO ESPÍRITA RACIONAL E CIENTÍFICO CRISTÃ CONTRA A LOUCURA

Como vimos no capítulo anterior, os espíritas racionais e científicos cristãos, assim como os kardecistas, acreditavam que a loucura era causada por pelo domínio que os maus espíritos exerciam sobre os indivíduos. Esses espíritos eram denominados por essa vertente espírita como astral inferior e viveriam aos milhares na atmosfera da Terra (Centro Espírita Redemptor, 1921).

A loucura não seria, segundo essa concepção, uma doença repentina, mas acometeria os enfermos de forma lenta. A progressão da loucura seria maior ou menor, de acordo com o nível de proximidade que o espírito obsessor estivesse de sua vítima, como podemos observar a seguir:

Principia esta enfermidade pela simples má assistência astral, cuja influencia se vai casando com o Eu dos encarnados, a medida que a sua vontade e os seus pensamentos se desviam do caminho do bem e da moral, para se embrenharem pelo do vício, do ódio /.../ a ponto de serem subjugados, dominados de maneira a produzirem todas as anormalidades classificadas pela ciência da Terra, com os nomes de histeria, hipocondria, neurastenia, todas as enfermidades ditas nervosas e do cérebro. (Centro Espírita Redemptor, 1921:191).

Segundo Mattos, somente 5% da população terrena não seria vítima de má influência espiritual. Os outros 95% restantes, eram loucos ou potencialmente loucos, uma vez que, segundo ele, eram obsedados em maior ou menos intensidade. A loucura seria o caso mais drástico de obsessão. A maioria dos indivíduos simplesmente manifestariam certos exageros ou manias que não seriam impedimentos ao convívio social. No fragmento a seguir, podemos observar alguns comportamentos que evidenciariam a influencia de um mau espírito em um individuo:

1. De dançar e de rir por tudo e a propósito de tudo.
2. De tornar-se engraçadas e salientarem-se nas maneiras de dizer, de andar, de estar e de vestir.
3. De apegos à vida monástica, às missas e festas de igreja.
4. De teimar, questionar com todos e a propósito de tudo em qualquer lugar.
5. De se lastimar e achar tudo péssimo, quer à mesa, quer na família, quer na sociedade, etc., etc.
6. O preguiçoso, o dorminhoco, o exagerado em todo o trabalho, o “megalomaníaco”, todos tem por causa a assistência dos maus elementos.
7. Os apetites depravados e muitos nadas da vida, tudo, enfim, que repugna à razão e ao bom senso, são outras tantas obsessões, mais ou menos brandas, e que, por último, quando os encarnados não têm o cuidado já aqui indicado, passam à obsessão dominadora ou loucura furiosa. (Centro Espírita Redemptor, 1921: 196).

Como percebemos, em geral, alguns indivíduos obsedados se tornariam pessoas excêntricas ou espalhafatosas, no entanto, outros perderiam completamente a razão e, por essa razão, seus destinos seriam o recolhimento em instituições asilares.

A partir do exposto, podemos nos questionar o que, na concepção espírita racional e científica cristã, diferenciava as pessoas e tornava umas mais propensas a loucura do que outras. Acreditamos que esta resposta estaria na mediunidade.

Tal qual no kardecismo, para os espíritas racionais e científicos cristãos, os médiuns eram indivíduos que nasciam com a capacidade de se comunicar com o mundo espiritual. Os médiuns estariam sujeitos a serem mais facilmente influenciados por espíritos bons ou ruins. Quando a mediunidade não era percebida ou direcionada para o bem, os espíritos ruins se aproximariam dos médiuns e poderiam, consequentemente, fazê-los enlouquecer.

No livro de registro de atividades do Centro Espírita Redemptor dos anos de 1912 e 1913, são apresentados alguns relatos sobre os internos do manicômio, cuja causa de suas enfermidades foram considerados a mediunidade.

Podemos citar como exemplo, o caso de J.E.G., 22 anos, solteiro, natural da cidade de Pádua, RJ, que foi internado no Redemptor em 11-01-1913. Segundo consta, esse enfermo estava em completo estado de loucura e tinha alucinações. Foi dada como causa para seu estado de loucura, sua faculdade mediúnica de vidência e audição.

J.E.G. participou de sessões de limpeza psíquica e sessões especiais para sua normalização. No decorrer do processo de seu tratamento, consta que gritou durante semanas e ficou em estado crítico por 4 meses até que houve a cassação temporária de sua mediunidade. O paciente recebeu alta em 2 de setembro (Centro Espírita Redemptor, 1913).

Percebemos que a cura de J.E.G. só foi possível, de acordo com o relatório, devido a suspensão de sua mediunidade, atribuída como a causa de seu estado de loucura, feita por espíritos superiores, que tiveram contato com o enfermo nas reuniões do centro Redemptor. A cura da loucura só seria possível com a influencia dos bons espíritos afastando os maus de perto do enfermo, como percebemos através do trecho abaixo:

Qualquer que seja o seu grau de intensidade, sua cura /da loucura/ se faz inteira e radicalmente com a intervenção do Astral Superior. (Centro Espírita Redemptor, 1921: 202)

Seriam necessárias 24 pessoas para organizar uma sessão pública. Essas sessões teriam a finalidade de limpar os obsedados e provar aos assistentes que os espíritos inferiores seriam a causa de diversos males, inclusive o da loucura. Tal limpeza se daria:

“/.../ arrebatando para fora da atmosfera da Terra, para o mundo que lhes pertence, os espíritos perturbados, materializados e obsessores, curando loucos e outras enfermidades julgadas incuráveis pela medicina oficial /.../” (Centro Espírita Redemptor, 1921).

A estrutura do salão onde as sessões se realizavam foi configurada para que o louco tivesse posição de destaque. Em linhas gerais, o salão possuía um amplo espaço para assistência e um estrado ao fundo, onde era posicionada uma mesa, na qual se sentavam diversos médiuns e um louco. A cadeira onde este assistia a reunião era diferenciada das demais e possuía amarras para suas pernas e pulsos. O presidente da sessão se colocava ante a mesa de forma a ficar tanto frente a esta, quanto frente a frente à assistência.

Preparada a sessão, a corrente fluídica era iniciada, com no mínimo 6 pessoas.

Para que tal corrente funcionasse, os médiuns deveriam estar em boas condições de saúde, sem sono e sem medo. A corrente fluídica seria de grande importância para o bom andamento da sessão, pois ela garantiria que o médium e a assistência se mantivessem imunes a obsessões. Ela funcionaria da seguinte forma: em volta da mesa, os espíritos que acompanhavam os assistentes e o louco, incorporariam nos médiuns e só seriam liberados quando ordenasse o presidente da sessão e não por conta de cada médium.

Além das sessões públicas, havia as sessões de receituário e leitura, onde se solicitavam receitas para pessoas distantes; as sessões particulares de perguntas e de exames de enfermos graves, onde o astral superior daria seu parecer sobre a cura dos indivíduos considerados obsedados e por fim, as sessões de graças, em que a água, que serviria para complemento ao tratamento destes obsedados, era fluidificada.

O presidente do centro era figura central nesse processo, pois ele era o pilar em que todo o trabalho se configuraria. Eram obrigações do presidente só pensar e agir de acordo com o os princípios da doutrina; agir sempre com calma, moderação e para o bem; não ligar para a opinião alheia e não se penalizar pelos sofredores, pois estes passariam por dores necessárias. O presidente deveria ter horas estipuladas para tudo, inclusive para o atendimento no centro, que deveria ser feito das 12:00 às 14:00. Após o atendimento, ele deveria descansar uma hora por dia, todos os dias, e rezar as preces de Charitas, Pai Nosso e Ave Maria. O presidente não deveria ir em festas e comer em casas que não fossem a sua e deveria ser enérgico, fazendo com que todos os que com ele convivessem fossem disciplinados (Centro Espírita Redemptor, 1921).


Disciplina seria, para os adeptos do Espiritismo Racional e Científico Cristão, a palavra chave para se evitar e tratar a loucura. Todos os indivíduos, inclusive os internos do Redemptor deveriam ter:

/.../ horas determinadas, certas para tudo, para a vida material e para a vida espiritual: horas certas para se deitar, das 10 às 11 o mais tardar; para orar ao deitar, na cama ou fora dela, isoladamente ou em conjunto o que será mais eficaz; horas certas para se levantar, das 5 às 6 o mais tardar, fazer a limpeza do corpo, orar após tomar seu leite ou mate e sair para tratar depois da vida puramente material, sem meter nessa vida a vida espiritual, que só deve ser bem vivida após a terminação da vida material, que deve ser metódica de maneira a deixar após o jantar, todo o tempo disponível para tratar da vida espiritual. (Centro Espírita Redemptor, 1921: 186)

Percebemos que o estabelecimento de uma rotina, com dias e horários determinados para todas as atividades era defendido como um antídoto para a loucura e também como uma das principais metodologias para sua cura. A seguir destacamos a exemplificação de um quadro de rotina proposto no Redemptor:

Rotina:
5 às 6 horas: levantar e pegar sereno.
6 às 7 horas: tomar leite ou mate.
7 às 8 horas: limpeza psíquica.
8 às 9 horas: trabalho manual ou mental.
10 às 11 horas: almoço.
11 até acordar: descanso.
Continuar os trabalhos manuais.
4 às 5 horas: jantar.
7 às 8 horas: mais limpeza psíquica.
8 às 9 horas: mate ou leite com pão e preces. (Centro Espírita Redemptor, 1921: 214).

Além da corrente fluídica e do estabelecimento de uma disciplina, também se acreditava que estar em um espaço manicomial era muito importante para a recuperação do louco, embora não fosse fundamental. Os espíritas racionais e científicos cristãos acreditavam que:

Em qualquer parte se pode curar loucos, cuja cura consiste na educação da vontade, na remodelação dos maus hábitos de todos os vícios que são a causa da loucura... (Centro Espírita Redemptor, 1921: 216).

Uma vez que a cura da loucura consistiria, principalmente, no afastamento dos espíritos obsessores de perto do enfermo, ela poderia ser alcançada em qualquer lugar.

Em alguns casos, as pessoas poderiam fazer correntes fluídicas em suas casas, no intuito de tentar curar um parente ou conhecido. As indicações fornecidas neste caso era que seria necessário que os interessados procurassem de 3 a 10 pessoas, que não fossem kardecistas, para participar das correntes. Nessas sessões, o enfermo deveria ser amarrado e dominado enquanto fosse doutrinado. Esse trabalho deveria ser feito diariamente.

No entanto, por mais que qualquer um pudesse transformar sua residência em um pequeno manicômio espírita, a existência de um espaço manicomial específico, era defendida por este ser um lugar onde o enfermo seria afastado de sua família, que muitas vezes poderia incentivar os maus hábitos que atraiam os maus espíritos para perto do louco. No manicômio, o enfermo aprenderia a ter disciplina, tanto física, quanto de pensamento, como percebemos a partir do exposto a seguir:

E como se educa a vontade? Esclarecendo o espírito, disciplinando-o, obrigando-o a ter horas para tudo, de maneira que ele compreenda que tudo lhe vem de fora e vive fora dele, e que o ser conforme pensar, assim será... (Centro Espírita Redemptor, 1921:121).

Assim, o doente ao chegar às instalações do centro, começava a ser instruído na doutrina espírita racional e científica cristã, a partir da obrigatoriedade de assistir todas as reuniões e copiar livros doutrinários. Acreditava-se que, dessa forma, o enfermo mudaria seu pensamento e, consequentemente afastaria o obsessor, como percebemos abaixo:

É necessário ministrar ao enfermo os princípios da verdade, isto é, do Espiritismo, para que possa afastar de si os espíritos perversos, porque não modificando a sua vontade, nem conhecendo a maneira porque pode livrar-se dos maus elementos, médium fraco como é, porque todos os obsedados são médiuns, ficará novamente obsedado, se persistirem os seus maus sentimentos e a sua ignorância” (Centro Espírita Redemptor, 1913: 46-47)

No período de tratamento do enfermo nas instalações do centro, seria necessário a repreensão de qualquer vício, ou o que assim fosse considerado, como: fumar, cheirar rapé, comer fora de hora, fofocar, dentre outros. Quando os doentes estivessem em fúria, não ficariam em camas e seus colchões seriam colocados no assoalho. Quando estes estivessem melhores, ganhariam mobiliário em seus quartos.

O dia do enfermo deveria ser ocupado de forma que não restasse tempo para que este pensasse coisas ruins, dessa maneira, ele era obrigado a se ocupar com trabalhos manuais. Nos primeiros dias após a chegada ao manicômio, era permitido ao paciente dormir a vontade, mas depois que este apresentasse melhora, somente poderia descansar durante o dia por uma hora, devido a ociosidade também ser considerada um vício.
O enfermo, independente de sua posição social ou grau de escolaridade, deveria ser obrigado a varrer e lavar o seu quarto, limpar seu urinol, fazer sua cama e todos os demais serviços higiênicos referentes a sua pessoa.

Também fazia parte do tratamento que não se fizessem as vontades do louco e se contrariasse tudo o que não fosse considerado cristão. No seu período internado, o enfermo não poderia receber visitas.

Se o paciente ficasse em estado de fúria ou indisciplina, deveria ser castigado e amarrado, até que ficasse com medo da pessoa que o estava disciplinando. Nesse sentido, percebemos que para o tratamento espírita adotado no Redemptor, era essencial que existisse uma figura de autoridade perante os internos, que neste caso era a de Luiz de Mattos.

Após passar por todo o processo de tratamento, os enfermos em alguns meses alcançariam a cura. Após esta, se seguiria o período de convalescença para que o indivíduo aprendesse a não mais ser obsedado.

Segundo Mattos, o único manicômio adequado para a cura da loucura seria era o Redemptor. As finalidades desta instituição, para ele, eram as seguintes:

Provar a ciência da Terra:
a) Que ela está errada nos diagnósticos e prognósticos que faz das moléstias ditas mentais e nervosas.
b) Que noventa e cinco por cento dessas moléstias são psíquicas e nada fisiológicas.
c) Que, portanto, só com o tratamento psíquico, é que se podem curar radicalmente essas enfermidades e evitar grandes despesas ao Estado e Particulares.

d) Que para o estudo completo de tal sistema de curar e tratar loucos, se pusesse à disposição dos governos e dos cientistas da Terra a referida sede e pavimento, aonde dia a dia, hora a hora, se podem observar os efeitos produzidos até a completa normalização dos enfermos em diversos graus de loucura. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 60)


Percebemos que Mattos desqualificou todas as instituições asilares de então, ao afirmar que elas teorizavam erroneamente sobre a loucura e tratavam de forma inadequada seus enfermos. Ao analisarmos a documentação proveniente do Centro Espírita Redemptor, em nenhum momento, nos deparamos com menção a necessidade de intervenção médica no tratamento dos loucos.

Mattos não via o diploma em medicina como um critério necessário para um indivíduo dirigir um hospício. Dessa forma, ele justificava o fato de não possuir nenhuma formação médica e, ainda assim, presidir uma instituição manicomial.
Segundo Mattos, o método de tratamento do Redemptor era o único que possibilitava a cura para a loucura. Todos os demais manicômios, fossem públicos ou particulares, eram considerados por ele como inadequados em sua terapêutica, por se restringirem a:

Aplicação de drásticos, brometos, banhos de imersão em alta temperatura, e duchas, para enfraquecer, aniquilar o organismo dos enfermos como se a enfermidade fosse fisiológica e na matéria estivesse localizada. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 30)

Percebemos que para segundo o expresso pelo Espiritismo Racional e Científico Cristão, o tratamento psiquiátrico oficial era duplamente perigoso. Em primeiro lugar, por não possibilitar a cura dos indivíduos enfermos, uma vez que os espíritos obsessores, considerados os causadores da loucura não eram afastados de perto do louco. Em segundo lugar, por enfraquecer o corpo do enfermo com uma série de tratamentos físicos que em nada melhorariam a condição do louco.
Os manicômios oficiais eram considerados pelos espíritas racionais e científicos cristãos como cemitérios para vivos, onde aqueles que entravam, não tinham chances de sair curados, como percebemos a partir do trecho abaixo:

/.../ tal era, porém, a afluência de infelizes alguns dos quais já combalidos, de membros atrofiados, que resolvemos edificar uma sede, onde pudessem ser tratados, gratuitamente, os loucos de todas as camadas sociais, que enterrados vivos nos manicômios e nos diversos hospícios dos Estados, que não comportavam mais enfermos e nas cadeias do Estado, preparavam o caminho do cemitério para o seu corpo, ou o tumulo do manicômio, para o corpo e o espírito. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 6).

A intenção de Luiz de Mattos era que o manicômio do Redemptor se tornasse um hospital escola, para orientar aos médicos e demais interessados na metodologia espírita racional e científica cristã de tratamento da loucura, como percebemos pelo trecho abaixo:

/.../ o hospital do Redemptor só podia ser considerado como um sanatório ou escola, que serviria de modelo a outros, que em breve seriam estabelecidos por todo pais, pelo governo ou por particulares, para a rápida normalização de loucos e curas de enfermidades fisiológicas, julgadas incuráveis pela ciência da Terra. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 22).

Nesse aspecto, podemos arriscar dizer que Luiz de Mattos tencionava seguir os passos de Juliano Moreira, que ao assumir a direção do Hospício Nacional de Alienados, ministrou aulas que ajudaram na formação de diversos médicos e psiquiatras brasileiros.

A intenção de Luiz de Mattos não era modesta. Ele visava reformar todo o sistema manicomial de então e se tornar uma referencia no tratamento da loucura. E podemos arriscar dizer que isso foi o que ele tentou fazer: Mattos construiu um manicômio e constantemente fazia chamados públicos para que as autoridades médicas fossem conhecer as instalações o método por ele utilizado. No item seguinte, veremos, a repercussão social que a atuação de Mattos frente ao Redemptor causou.

3.2 . REAÇÃO NA SOCIEDADE

A sociedade se mostrou dividida frente às polêmicas que envolviam o Centro Redemptor. Podemos dizer que esta instituição suscitou uma relação de amor e ódio na população e muitas vezes esses sentimentos contraditórios ganharam as páginas dos jornais cariocas.

A documentação analisada, proveniente do Centro Redemptor, sugere que o inicio da comoção social contra o centro foi ocasionada por algumas reportagens veiculadas pelo jornal A Noite, que teria iniciado uma campanha de difamação do manicômio espírita do Redemptor, devido a uma série de denúncias que havia recebido de vizinhos próximos ao centro. Abaixo, se encontra um trecho de uma das matérias publicadas por A Noite:

Todas as denuncias que vínhamos recebendo ultimamente sobre o que se pratica no Centro Espírita Redemptor, eram de tal gravidade, que só mesmo um rigoroso inquérito poderia apurar a verdade nelas contida. Aquilo lá seria um horror, um inferno com os seus mais atrozes suplícios, dizia-se. A ignorância e a maldade requintadas, acobertadas pelo Espiritismo charlatão, dariam como resultado os mais vivo quadro da inquisição, que a todos causava horror e revolta.



Os moradores vizinhos ao “Centro”, ali na rua Jorge Rudge, viviam indignados e até por interferência de alguns, em certos momentos, deixava de estalar o chicote sobre o corpo nu dos infelizes internados no “centro”/.../ de fato, se praticam, friamente as mais duras atrocidades, as mais incríveis infâmias contra míseros loucos desprotegidos da sorte, que caem naquele purgatório, em vida /.../ A crença ali é de que a loucura é o efeito do espírito mau, introduzido no corpo e, por isso, na sua cura está todo o martírio por que passam os loucos que lá existem agora, em número de oito ou nove. Esses infelizes dormem completamente nus sobre o soalho limpo, de mãos amarradas e os pés suspensos por uma corda até a altura de meio metro.
Dizem os “espíritas” do centro que aquilo é uma penitencia imprescindível para a cura: o espírito mau assim abandona o corpo do louco, que ficará bom. E quando o espírito não sai, o infeliz tem de sujeitar-se a surras violentas. O próprio diretor do centro empunha um grosso chicote de corda, o “Philippe”, como o chamam, e escolhendo sempre o silêncio da madrugada, aplica-o nas costas nuas e esqueléticas da vítima.
Um médico bahiano, infeliz louco ali internado, apanhou há dias, uma surra de pau e essa foi tão violenta, que jorrou sangue em quantidade de sua cabeça /.../ os clisteres de pimenta, por exemplo, são aplicados comumente aos loucos, cujos organismos cada vez mais vão se depauperando. /.../
D. Virtulina, uma senhora que é uma espécie de sub-diretora do hospital, mandou comprar pó de mico e, depois de deixar completamente nu o desventurado dentista, aplicou-lhe o conhecido pó de mico em todo o corpo /.../ existia entre os loucos uma menos demente, de 20 anos e chamada Maria Mendonça. Em dezembro essa infeliz foi desonrada pelo enfermeiro Antonio Francisco Fernandes. O diretor soube do caso e não deu importância.
Com a intervenção de outras pessoas, porém, o comendador Mattos resolveu agir e, então, sabem qual foi a solução? Foi o casamento do enfermeiro com a demente. (Jornal A Noite apud Centro Espírita Redemptor, 1916: 10 – 11 - 12).

A matéria acima apresenta denúncias consideradas graves de abusos físicos e morais aos internos do manicômio espírita. Gama (1992) analisou as reportagens provenientes de A Noite e afirmou que não ficou claro como tal jornal chegou às informações acima. Segundo consta no livro A Caridade Triumpha, embora Perseguida (1916), publicado por Luiz de Mattos para defender sua instituição, o Jornal A Noite teria conseguido parte das informações acima, a partir de uma entrevista realizada com Waldomiro da Silveira Noronha, um empregado do Centro Redemptor. Segundo consta neste livro, Noronha foi admitido nesta instituição como um favor para um membro da Federação Espírita Brasileira e não tinha contato com os internos. Noronha teria sido mandado embora por importunar a todos pedindo dinheiro emprestado constantemente e para se vingar de sua demissão, procurou alguns repórteres, que já andavam nas imediações do Redemptor com o fim de apurar as denúncias que recebiam.

Gama (1992) afirma que alguns vizinhos ao centro afirmaram em entrevistas para A Noite, que viam os internos trabalhando como verdadeiros escravos e sendo torturados pelo presidente da instituição.

Com o intuito de defender o Redemptor e seu manicômio, uma médium do Centro procurou o Jornal A Noite e deu sua versão dos acontecimentos. A médium, D. Virtulina, afirmou que as beberagens dadas aos pacientes, que a reportagem anterior havia mencionado, seriam chás de caroba, sabugueiro e outras ervas (40). Gama (1992) afirma que nas matérias de A Noite, se afirmou que foi apreendido do centro um livro contendo mais de 4000 receitas a base de diversas ervas. Com relação às denúncias de maus tratos, D. Virtulina afirmou:

/.../ que não é verdade que os doentes sofram castigos físicos, ocorrendo apenas quando os mesmos se acham possessos e investem contra os enfermeiros, estes tem a necessidade de sacudi-los fortemente, chamando-os pelos nomes, dando-lhes pancadas leves quando eles não atendem à chamada, algumas vezes com a mão e outras vezes com o chinelo do próprio enfermo. Que com relação ao emprego do chicote, denominado “fellipe”, dá-se o caso seguinte: um louco furioso, João Eugênio Gonçalvez, que durante três meses consecutivos gritou noite e dia, pedindo socorro e chamando pelo tal Fellipe, dizendo que este lhe batia; originando-se daí a invenção da cognominação do chicote. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 23).

Com relação a denúncia de abuso pela interna Maria Mendonça, D. Virtulina afirmou não saber nada sobre defloramento. Segundo ela, a interna era maior de idade e tinha 28 anos, segundo constava no atestado de entrada desta no Redemptor. Ainda segundo D. Virtulina, foi a mãe da interna que a levou para se casar.

Em matéria no jornal A Tribuna Espírita, foi veiculada a notícia de que a polícia foi até Maria Mendonça e a encaminhou para a sala destinada a exames de sanidade mental da repartição central de polícia. Após investigação, a polícia teria constatado que a ex interna do Redemptor tinha, na verdade, 27 anos e saiu do manicômio para se casar com Antônio Francisco Fernandes, que por sua vez, depôs afirmando que esposa estava em bom estado mental e fazia todas as tarefas domésticas. O exame dela foi realizado pelos médicos Luiz Antônio Moretszonh Barbosa e Miguel Júlio Dantas Salles. A publicação dos nomes dos médicos que realizaram o laudo de sanidade de Maria Mendonça provavelmente foi uma estratégia para conferir legitimação ao tratamento que ela recebeu enquanto esteve sob cuidados do Redemptor.

Gama (1992) afirma que algumas reportagens de A Noite noticiaram que Maria Mendonça ao ir depor, afirmou que havia sido ameaçada de levar uma surra do marido caso depusesse contra o Redemptor e que havia sido de fato violentada enquanto estava internada.

A publicação destas matérias chamou a atenção das autoridades contra o Centro Redemptor. Vimos no item anterior que a intenção de Luiz de Mattos era transformar seu manicômio espírita num modelo para ser seguido por outras instituições psiquiátricas, o que o levava a constantemente fazer apelos públicos aos médicos para que fossem conhecer as instalações do Centro e o método de tratamento lá empregado.

Durante cerca de um ano de funcionamento oficial do manicômio, não consta que algum médico ou representante do governo tenha ido ao Redemptor ou tenha se importado com o seu funcionamento. Apenas após a veiculação para grande público de maus tratos que poderiam estar ocorrendo nesta instituição que as autoridades mandaram que se averiguassem as condições de funcionamento do manicômio do Redemptor. Segundo consta na documentação do centro:

Da campanha feroz e surda que esses infelizes levantaram contra o Redemptor, resultou a denuncia ao ministro do interior de que o hospital do centro Redemptor não estava em condições de bem servir e dessa denuncia resultou a vinda ao Centro uma comissão nomeada pelo ministro do Interior, para examinar as condições do pavimento destinado à cura de loucos e o estado dos internados já existentes nesse pavimento.” (Centro Espírita Redemptor, 1913: 58)

O curador de órfãos de então, abriu um inquérito para se averiguar as condições do centro e seus internos. O relatório atestou, segundo o expresso pelo Redemptor, que as condições de higiene eram boas e os doentes não pareciam ter sofrido maus tratos e “mostram-se satisfeitos com o tratamento que ai recebem” (A Caridade triunfa: 1916: 14). Segundo consta, o parecer incluiu ainda as seguintes informações:

/.../ aplica também como tratamento, beberagens feitas com plantas medicinais de ação duvidosa, sendo-nos mostradas umas etiquetas impressas com os nomes dessas plantas e a quantidade empregada de cada uma delas para o preparo da beberagem /.../ poderiam terminar o exame feito, resolveram, porém, tornar ao Centro Espírita num dia de sessão, para observar de visu, qual o processo empregado, verificando numa sessão a que compareceram, que o processo consiste, tão somente, em sugestão hipnótica, por intermédio de segunda pessoa, os médiuns. /.../ Quanto ao tratamento que recebem, não obedece à práticas científicas aconselhadas pela psiquiatria, consistindo apenas em aplicações de sugestão hipnótica a todos os casos e isso de uma maneira empírica considerado somente o fato de loucura sem procurar investigar as suas diversas espécies. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 15).

O relatório teria concluído que o processo empregado no tratamento se constituía de práticas de sugestão hipnótica, sob a forma de mediunidade e que não havia vestígios de pancadas e maus tratos, embora os peritos não concordassem com os meios violentos de contenção.

Com base nas investigações ao centro, o Senhor Pio Duarte, quarto promotor público, denunciou Luiz de Mattos e D. Virtulina nos artigos 157 e 303 do código penal. Estes artigos eram referentes, respectivamente, a prática de curandeirismo e ao cometimento de ferimentos leves. Mattos foi indiciado por ser o presidente o centro e estar a frente de todo o tratamento lá empregado e D.Virtulina foi indiciada por ser a médium que receberia os médicos astrais. Mattos e Virtulina foram considerados culpados como incursos no artigo 157 e absolvidos no art. 303. Foi-lhes dada ordem de prisão, com direito a fiança.
Recorreram para a corte de apelação e com dois advogados os defendendo, foram absolvidos, como vemos a seguir:

Sendo assim, embora esteja provado dos autos, até pelas declarações dos indiciados, com o Dr. Juiz “a quó” reconheceu que o primeiro recorrente dirigia o hospital em questão, onde foram tratados, pelo Espiritismo, os doentes apontados na denuncia, e que a segunda recorrente, secretaria do mesmo Hospital, servia de médium nas sessões celebradas para o tratamento, evidenciando-se também do processo que nenhuma vantagem ou remuneração auferiram os indiciados pelos seus serviços, tendo procedido sem esboço criminoso, por sentimento de filantropia, é bem de ver de acordo com o art. 24 do código, não incidiram em sanção penal. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 61)

Acreditamos que vários fatores contribuíram para absolvição de Luiz de Mattos e sua parceira de crença. Em primeiro lugar, cremos que a posição social de destaque de Luiz de Mattos, que era rico e politicamente influente, favorecia para que as autoridades minimizassem a perseguição a essa figura. Em segundo lugar, cremos que a população brasileira, de modo geral, o que incluía os juízes e demais pessoas envolvidas nos processos judiciais, eram inclinadas a ter crenças espiritualistas. A tradição brasileira, desde a colônia, foi de crença religiosa polissêmica, com ênfase no misticismo e na comunicação com espíritos. Cremos que o Redemptor e muitos outros centros processados se livraram de perseguições graças à crença que os indiciadores nutriam nas práticas espíritas. Muitos, temiam as práticas com as quais estavam se deparando. Segundo Gama (1992):

A análise dos processos judiciais mostrou que o medo do feitiço em si também estava presente nos juristas. E quem teme, de alguma forma, acredita. (Gama, 1992: 33)

No decorrer do período entre as denúncias de A Noite e a absolvição do processo de 1914, Luiz de Mattos travou contato com alguns médicos que foram ao Redemptor dar o parecer quanto ao funcionamento desta instituição.

Após a primeira comissão ter ido avaliar as instalações do centro, se passaram cinco meses sem que algum parecer tivesse chegado ao Redemptor. A direção deste, portanto, redigiu uma carta ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, datada de 13 de agosto de 1913. Nesta carta afirmou-se que os doentes eram deixados em boas condições de ar, luz e higiene e que:

/.../ os bromuretos, os drásticos, as duchas e outra qualquer medicação deprimente do organismo em geral, não foram não são e não serão nunca aplicadas pelos diretores astrais e materiais do Centro Redemptor . (Centro Espírita Redemptor, 1913).

Na mesma carta, foi realizado ainda o seguinte apelo:

/O Redemptor/ não seja equiparado às casas de saúde e manicômios e sim tido e havido como um sanatório e escola, modelo de outros que no futuro deverão ser estabelecidos no paíz /.../. (Centro Espírita Redemptor, 1913: 61).

Em 24-05-1914, teria aparecido uma nova junta no centro, de surpresa, composta por Juliano Moreira e por mais dois médicos: Melcher Bacellar e outro sem identificação. A comissão teria andado por todas as instalações do Centro e conversado com alguns enfermos, dentre os quais, consta que se encontrava um que já havia estado por seis anos internado no Hospício Nacional. Luiz de Mattos teria explicado os princípios espíritas racionais e científicos cristãos para a junta e segundo consta no relatório de atividades do Centro Redemptor de 1914 e 1915, Juliano Moreira mostrou muito interesse no que Mattos dissera, como percebemos a partir do trecho a seguir:

Assim falou; pouco mais ou menos o presidente do Redemptor à referida comissão de cientista, que silenciosa e boquiaberta, escutava essa espécie de revelação.

- Mas isso não é Espiritismo, é ciência! Exclamou o Dr. Juliano Moreira. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 26).

Segundo o relatório do Centro, a comissão saiu do centro afirmando que o governo deveria ajudar e não atrapalhar o funcionamento da instituição, no entanto, embora a junta tenha se retirado do centro aparentemente satisfeita, seu parecer foi negativo, como verificamos a partir do trecho abaixo:

A comissão, ao que consta, por influencias estranhas, declarou que o hospital oferecia todas as condições higiênicas, os doentes estavam também em boas condições, mas a comissão discordava do método de tratamento ali empregado. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 29).

Quanto ao parecer da junta, a posição expedida pelo Redemptor foi a seguinte:

Desde que esse método, que nada tem de eficaz e que outro não têm procurado estabelecer e seguir os luminares da ciência, não era seguido pelo Redemptor, embora apresentasse exemplos de curas, em poucos meses, de loucos que durante anos estiveram no hospício Nacional e, portanto, submetidos aos mesmos métodos, entregues a capacidade profissional do próprio Sr. Juliano Moreira, presidente da comissão dos Hospícios, claro está que o governo não podia oficialmente consentir no funcionamento do Hospital do Redemptor, para esse efeito, por que a comissão desconhecia o método ali posto em pratica, embora com excelentes resultados, como verificou essa mesma comissão, não só por documentos, como pelo exame a que procedeu nos internados, já em convalescença, entre os quais se achava um que durante seis anos foi hóspede do Hospício Nacional e cliente do Sr. Juliano Moreira. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 30)

Com base no que foi apresentado pela junta, no dia 31 de agosto foi até o centro uma comissão do Ministério do Interior – Dr. Melcher Bacellar (médico), Amadeu da Cunha Laquintinie, funcionário do ministério, e um procurador da Republica. Tal comissão, teria deliberado que por não concordar com o método empregado e por Luiz de Mattos e por este não querer submeter-se ao regulamento das casas de saúde, ficaria intimado a fazer sair do centro os internos.

O presidente do centro, pelo que consta na documentação, respondeu a essa intimação afirmando que o pavimento superior do centro, destinado ao manicômio, era também sua residência e que as pessoas que lá estavam eram suas hóspedes e só sairiam quando quisessem.

Frente ao posicionamento temerário de Mattos, a comissão teria respondido que a inviolabilidade da residência não se aplicaria nessas circunstancias porque o país estava em estado de sítio, ao que Mattos aparentemente ignorou, afirmando estar protegido tanto pela constituição da República, quanto por leis internacionais, e nesse aspecto, é importante lembrar que Mattos era comendador de Portugal.

As internações cessaram oficialmente e Mattos foi processado, como já vimos.

No entanto, houve por parte da sociedade, mobilização de alguns indivíduos em favor do centro. Podemos citar, por exemplo, o caso de um vizinho do centro, que passou a receber loucos em sua casa e hospedá-los. Como justificativa para essa ação, ele afirmou que era para que os loucos ficassem perto das correntes fluídicas do centro.

Este vizinho afirmou ser frequentador das reuniões do Redemptor desde sua inauguração e para o benefício da instituição que tanto estimava, mandou uma carta para ser publicada no livro de registro de atividades dos anos de 1914 e 1915, na qual relatava sua experiência como anfitrião de alguns loucos e se dizia muito satisfeito em receber tantos indivíduos doentes. Esse vizinho afirmou:

E do restabelecimento desses enfermos, das curas radicais desses infelizes dementes, muitos dos quais desenganados de cura pela ciência medica oficial, sou testemunha especial /.../ (Centro Espírita Redemptor, 1916: 50)

Ele afirmou ainda que observou durante algum tempo, o tratamento oferecido pelo Redemptor aos loucos e afirmou ter presenciado muitas curas. O vizinho do centro, teria chegado, portanto, a conclusão de que, no Redemptor existia a única forma de se tratar a loucura e quando o centro foi oficialmente impedido de internar enfermos, esse vizinho decidiu receber em sua residência alguns loucos, aos quais levava para o centro para que assistissem às reuniões. Para este homem, ajudar o centro era uma forma de praticar a caridade, como vemos no fragmento a seguir:

E não só para aceder a solicitações das famílias dessas criaturas anormalisadas, loucos furiosos, (obsedados) como pela certeza que tinha da garantia de cura desses enfermos, dada pelo Centro Espírita Redemptor em prévia consulta, como ainda, porque procedendo como procedi, aceitando em minha casa loucos furiosos, para concorrer com seus cuidados, zelo e atenção para sua normalização, entendia fazer a maior caridade possível e praticar, assim, atos cristãos /.../ (Centro Espírita Redemptor, 1916: 51).

Para o Centro Redemptor, divulgar casos como o do vizinho acima apresentado, representava a projeção de uma visão positiva do centro, para contradizer a visão negativa que matérias, como as veiculadas por A Noite, projetavam. E nesse aspecto, o Centro também publicou cartas diversas, de pessoas que afirmavam terem sido curadas graças ao tratamento recebido pelo Centro. Abaixo temos um exemplo:

Declaro ter ficado louca furiosa e dada como incurável a minha filha Henriqueta Pereira da Cunha casada com Augusto André da Cunha, com três filhos, a ponto de ser abandonada pelo marido, que depois de ter esgotado todos os recursos médicos, inclusive a sua internação no Hospício Nacional, por conselho facultativo do Dr. Aristides Caio, que tentou curá-la e nada podendo conseguir.

Como seu estado no hospício se agravasse foi de lá retirada, com licença, e por informação de uma pessoa que me merece inteira confiança, resolvi submetê-la ao tratamento físico e psicológico do centro espírita redentor com o qual ficou ela normalizada completamente em oito meses vivendo hoje em completa harmonia com seu marido e seus filhos. Quando louca tinha a mania de matar o marido e matar-se e por várias vezes encontrei-a tentando enforcar-se. Devo, pois, a cura da minha referida filha, julgada perdida pela medicina oficial ao Centro Espírita Redemptor... e como a publicação dessa cura notável pode ser proveitosa à humanidade, tomei a resolução de fazer e assinar esta declaração para que dela faça uso que julgar conveniente o referido Centro Redemptor... 15-06-14 / Amélia Augusto de Azevedo Novais – firma reconhecida em 1-7-15 pelo tabelião Pedro de Castro.” (Centro Espírita Redemptor, 1916: 45-46)

Na carta acima, percebemos que o posicionamento inicial da mãe da enferma foi o de procurar a medicina oficial. O Centro Redemptor foi procurado depois que a mãe, não viu melhoras significativas na condição da filha, demonstrando que o tratamento religioso, não era, via de regra, uma prioridade, e sim, uma alternativa. Abaixo, a mesma mãe, em outra carta, relata o processo de cura da outra filha, que também enlouqueceu:

Normalizada que foi pelo Centro Espírita Redemptor a minha filha Henriqueta Pereira da Cunha, um ano depois enlouqueceu completa e furiosamente outra filha de nome Amália de Lacerda Novaes, solteira, que também submeti ao exame e tratamento de respeitáveis clínicos desta capital, sem o menos resultado para a enferma. Desenganada, pois, como foi a primeira, recorri novamente ao referido Centro Espírita Redemptor e nas sessões públicas d`este e com a aplicação de remédios internos, prescritos pelo médico astral do mesmo centro, foi a minha filha Amália normalizada do corpo e do espírito em seis meses.
Em tal estado de fúria se encontrava ela antes de iniciar o seu
tratamento no Centro Espírita Redemptor, que fui obrigada a mudar-me de minha casa própria, para as proximidades do referido centro, para mais facilmente, com o auxílio de terceiros, a poder transportar às sessões.
Meses passou a enferma sem dormir, agitadíssima, falando constantemente noite e dia rasgando todas as vestes. Hoje completamente curada e em minha companhia, dou infinitas graças a Deus por esse benefício tão desinteressado e caridosamente praticado pelo Centro Espírita Redemptor, fonte de alívio para os desiludidos da medicina. Certa ainda de que muito aproveitarão os sofredores e necessitados como eu, com a divulgação de mais esta cura, firmo a presente, pra que dela o Centro Redemptor faça o uso que lhe aprouver.
Rio de Janeiro, 30 de março de 1915.
Amélia Augusta de Azeredo Novaes.
Firma Reconhecida em 1 de julho de 1915 pelo tabelião Pedro E. de Castro (Centro Espírita Redemptor, 1916: 47-48)

Acima, percebemos que, novamente a mãe da jovem enferma, buscou prioritariamente tratamento na medicina oficial, mesmo afirmando já ter tido a cura de uma filha realizada pelo Redemptor. A divulgação dessas duas cartas tenciona passar duas mensagens para os leitores. Em primeiro lugar, que o Redemptor conseguiria curar loucos e em segundo lugar, que a medicina oficial, não conseguiria.

Além da publicação de cartas de pessoas leigas afirmando terem presenciado curas, outra estratégia de Luiz de Mattos foi veicular atestados de médicos, que comprovassem as curas realizadas no Redemptor. Dessa forma, Mattos buscava o reconhecimento da medicina oficial a partir de um parecer produzido por um de seus representantes. Abaixo, destacamos um exemplo de atestado médico expedido em favor do Redemptor:

Declaro que Paulino Vasconcellos, cujo atestado do Ilmo. Snr. Antonio Costa, afirma estar ele sofrendo de demência, com delírio manso, está em pleno uso das faculdades mentais.
Acresce notar que este doente ao entrar neste estabelecimento dilacerava os músculos dos braços, joelhos e parte dos ombros e as cicatrizes aí estão, para atestar as desordens musculares realizadas.
Grato se confessa que n`este estabelecimento encontrou entre todos zelos, tratamento e a felicidade até então perdida, podendo regressar agora, para a sua terra natal.
O que atesto, juro em a fé do meu grau.
Dr. Francisco Barbosa da Costa. (Centro Espírita Redemptor, 1916: 36)

Tais cartas e posicionamentos do Centro eram emitidos através de seus livros de registro de atividades, principalmente os dois primeiros que compreendem o período de 1912 à 1915. Após esse período, quando o centro foi proibido de internar, percebemos que os livros de registro diminuíram fortemente a veiculação de cartas e atestados que tratassem especificamente de casos de loucos. No entanto, Luiz de Mattos conquistou uma nova e poderosa arma de divulgação: O jornal A Razão.

No item seguinte, verificaremos como Mattos se articulou frente a medicina oficial a partir de algumas notas que publicou em A Razão.

3.3. LUIZ DE MATTOS E A RAZÃO: COMBATE À MEDICINA OFICIAL

O Espiritismo foi, no inicio do século XX, alvo dos olhares de diversos psiquiatras brasileiros, que classificaram os fenômenos mediúnicos como causas de loucura. Nina Rodrigues foi um dos precursores nos estudos das religiões mediúnicas, ao estudar os rituais afro-brasileiros, em que uma pessoa dizia-se ficar totalmente possuída por um espírito. Rodrigues, após análise etnográfica dos rituais que presenciou, concluiu que a possessão sofrida nos terreiros não passavam de “sonambulismo provocado por sugestão” (Almeida et al, 2007: 36).

Rodrigues não chegou a estudar o Espiritismo kardecista ou racionalista cristão, mas acreditava que seus fenômenos mediúnicos eram similares aos dos cultos negros que estudou. Segundo este médico, o Espiritismo era perigoso, na medida em que possibilitava casos de loucura coletiva.

No ano de 1909, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro fez uma sessão para tratar do Espiritismo. Este foi considerado por diversos médicos como um causador de diversos males para a sociedade brasileira, como estupros e loucura. (Almeida et al, 2007).

A teoria da dissociação mental histérica e dos automatismos psicológicos foram as principais teorias utilizadas para explicar a mediunidade sob a ótica da psiquiatria.

Em linhas gerais, os histéricos teriam uma predisposição a serem sugestionados, parecendo estarem sob a influência de espíritos. Segundo Almeida (2007):

Tal desagregação dos processos mentais, temporária em situações de transe, poder-se-ia tornar permanente, caminhando para a alucinação e o delírio. A maioria dos psiquiatras brasileiros concordava com a tese de que o Espiritismo faria a maior parte de suas vítimas entre aqueles que já apresentassem certa predisposição psicopatológica, e muitos destes se manteriam nos limites da normalidade caso não fossem expostos repetidamente a fortes emoções (como nas sessões espíritas) (Almeida et al, 2007: 37).

Outros psiquiatras que merecem destaque por terem teorizado sobre o Espiritismo foram Afrânio Peixoto e Oscar Pimentel. O primeiro visitou algumas sessões espíritas e concluiu estas reuniões incitavam a sugestão e a histeria. Oscar Pimentel, por sua vez, escreveu a tese Em Torno do Espiritismo, na qual defendeu que o espiritismo:

/.../ é uma crença absurda e primitiva e seus fenômenos quando não são produto de uma simples fraude, são associados à sugestão, sonambulismo e alucinação (Scoton, 2008: 47).

Scoton (2008) afirma que Pimentel postulava que o Espiritismo era, além de uma fraude, uma crença que levaria ao desenvolvimento de doença mental. Ainda segundo a autora, Pimentel acreditava que as práticas espíritas eram provenientes de sugestão, hipnotismo ou alucinação.

Segundo Almeida (2007), as curas que os centros espíritas anunciavam fazer, também era um aspecto que preocupava os médicos de então. Tais médicos acreditavam que, se a população se convencesse que as curas alardeadas pelos praticantes do Espiritismo fossem reais, não procurariam atendimento médico de profissionais formados.

No Brasil, desde o século XIX, os médicos buscavam consolidar o seu mercado de trabalho afastando práticas alternativas de cura. Barbosa afirma que a estruturação de um grupo profissional, significa a delimitação de um espaço social específico de atuação e hierarquização desse grupo perante os demais, não profissionalizados.

Para se afirmarem como detentores de saber confiável e se consolidarem no mercado, os médicos precisavam penetrar em áreas antes dominadas pelo senso comum e pelas práticas supersticiosas e religiosas. Somente ao médico caberia diagnosticar, teorizar e curar uma enfermidade. Dessa maneira, os médicos buscavam monopolizar anto o mercado, quanto o saber médico.

O saber psiquiátrico também estava em fase de consolidação e os psiquiatras, tanto quanto os outros médicos, buscavam garantir o monopólio para teorizar e tratar a loucura. Pereira Neto (2001) analisou um conselho médico ocorrido no ano de 1922, o Conselho Nacional dos Práticos, onde vários assuntos pertinentes ao universo da medicina oficial entraram na pauta de discussão dos participantes.

O Espiritismo foi uma das temáticas abordadas e o Centro Redemptor, particularmente, era constantemente referido nesse congresso.

Em linhas gerais, o Redemptor e a Federação Espírita Brasileira se configuravam como as principais forças espíritas, no Rio de Janeiro,  contrárias a medicina oficial neste período. Os médicos, todavia, não pareciam saber ou dar importância para a diferença dogmática dessas duas instituições, o que importava é que elas fossem coagidas nos seus atendimentos.

No entanto, não era tão fácil cessar com as atividades espíritas, visto que a sociedade recorria a elas em grande escala; muitos médicos, inclusive, se posicionavam a favor do Espiritismo. Bezerra de Menezes, por exemplo, foi presidente da Federação Espírita Brasileira e era médico.

Neste contexto contraditório, entre proibir e permitir os atendimentos espirituais, Luiz de Mattos encontrou campo para polemizar e divulgar suas idéias: o Jornal A Razão. Mattos manteve durante os anos de existência do jornal, uma coluna diária na qual defendeu suas ideias.

Gama (1992) afirma que o Jornal A Razão é o mesmo jornal Tribuna Espírita, adquirido por Luiz de Mattos em 1911, quando fundou o Redemptor. Em 1916, esse jornal passou por uma remodelação para atingir um público maior e não espírita e virou um periódico de circulação diária.

A primeira nota que encontramos cuja temática abordada é a loucura, foi veiculada no 27-03-1917. Esta nota possui forte teor acusatório e nela, se afirma que os loucos iam para os hospícios para morrerem depois de sofrerem inúmeras torturas físicas e morais.

A figura de Juliano Moreira é colocada em evidência e este é questionado quanto a terapêutica que empregava no Hospício Nacional e sobre o que tinha feito até então para combater a loucura.

A nota termina com um convite ao psiquiatra bahiano, para que usasse as páginas de A Razão para explicar ao povo suas teorias e métodos. A nota termina da seguinte forma:

Se s.s. demorar em fazer o que lhe lembramos, é porque não sabe, e não sabendo, dá-nos o direito de o fazermos e de o denominarmos de sábio... feiticeiro. (A Razão, Rio de Janeiro, 27-03-1917)

Feitiçaria, para Mattos, como vemos acima, seria o ato de fazer algo sem explicar como ou porque a ação estava sendo realizada. Nesse sentido, Mattos tentou atribuir à medicina oficial a crítica mais comum conferida aos tratamentos espíritas, a de que estes eram não se baseavam em ciência, e sim, em feitiçaria.

No dia 04-04-1917, A Nota voltou a mencionar Moreira e lamentou que ele não tenha respondido o chamamento anterior, de explicar a dinâmica da loucura para a população. Por fim, reforçou o convite anterior, como percebemos através do trecho destacado a seguir:

Se não o fizer em breves dias, obriga-nos a lhe dizermos o que sabemos e a que fica reduzida toda a bagagem científica da especialidade que tão bons proveitos lhe têm dado e está dando. (A Razão, Rio de Janeiro, 04-04-1917)

No dia 08-04-1917, A Nota trouxe um teor agressivo em seu conteúdo. Na redação de A Razão chegou uma carta, supostamente remetida por Juliano Moreira, dirigida a Luiz de Mattos, contendo somente as seguintes palavras: "Cá te espero". Com essas palavras, o diretor do Hospício Nacional estaria, provavelmente, chamando Luiz de Mattos para seu estabelecimento, aludindo que este era, na verdade, louco.

O "Cá te Espero" foi o estopim para que Luiz de Mattos começasse uma série de ataques contra Juliano Moreira e a psiquiatria oficial. Os ataques superaram a barreira ideológica e atingiram nível pessoal, como percebemos no seguinte fragmento:

/Juliano Moreira/ Provou-nos ser um selvagem, um prepotente, um bárbaro do Norte, um germânico, um desprezível como os dessa infeliz raça, ou então um louco. (A Razão, Rio de Janeiro: 08-04-1917).

A justificativa para os ataques pessoais era, segundo consta na nota, o fato do próprio Moreira ter individualizado a questão ao mandar uma carta diretamente para Mattos. No trecho destacado acima, em particular, percebemos que havia a intenção de rebaixar socialmente a imagem de Juliano Moreira, principalmente quando ele foi referido como bárbaro do Norte e germânico, que eram formas de se referir ao povo alemão. Em 1917, o contexto mundial era o da Primeira Grande Guerra, na qual, os alemães eram considerados, por alguns países, os grandes vilões.

A Nota, que em todo seu conteúdo teve tom ácido e agressivo terminou afirmando que ao invés de Luiz de Mattos ir para o Hospício Nacional, quem iria para a corrente fluídica do Redemptor seria Juliano Moreira.

No dia 10-04-1917, foi publicada uma carta de Juliano Moreira dirigida a redação de A Razão. Nesta carta, Moreira afirmou que o Cá te Espero não passou de um engano e que ele nunca havia enviado carta alguma com este conteúdo para Luiz de Mattos.

Juliano Moreira afirmou ainda que não lia A Razão e só ficou sabendo que seu nome estava sendo citado neste periódico, através de um amigo. Sarcasticamente, Moreira afirmou que não perderia tempo e dinheiro em enviar um telegrama para Mattos e que esperava que a frequência ao hospício sob sua direção, diminuísse e não aumentasse com a presença de Mattos.

A reação manifestada em A Nota foi de indignação com a posição de Moreira, que foi denominado por escravo da ciência Oficial. Por fim, a nota afirmou que Moreira fugiu de dar explicações.

A partir desse mal entendido, A Razão passou a veicular uma série de notas contra a ciência oficial, a psiquiatria e Juliano Moreira em particular. No decorrer dos ataques, princípios racionalistas cristãos eram defendidos, principalmente o de que a matéria não seria a causa das doenças e da loucura. No dia 09-07-1917, por exemplo, foi publicada uma nota com o seguinte trecho, que destacamos:

Todos esses sábios afirmam com arraigada teimosia, que o cérebro segrega o pensamento como o rim segrega a urina, ignorando assim o que seja o pensamento, a sua origem, o seu papel na vida do ser. (A Razão, Rio de Janeiro: 09-07-1917).

Nesta mesma nota, afirmou-se que enfermidades hereditárias não existiram e que todas as doenças teriam causas no campo espiritual e não no físico. Essa ideia foi reforçada em várias notas publicadas depois dessa.

No dia 03-09-1917, A Nota trouxe a afirmação de que os médicos seriam os responsáveis por vários crimes e suicídios que ocorriam na sociedade, e que só estavam certos em uma coisa: que o Espiritismo, kardecista e de outros tipos, estava entre os grandes causadores de loucura. Nesse sentido, A Nota trouxe a afirmativa de que somente o Espiritismo Racional e Científico Cristão era o alto Espiritismo curava os loucos produzidos pelo baixo Espiritismo.

No fim desta nota, foi colocado a disposição da população, leitora do jornal, conhecer o laboratório do psiquismo existente no Redemptor. Em outras notas, publicadas no decorrer do ano de 1917, foi relatada a perseguição sofrida pelo Centro Redemptor, que resultou em processo judicial. Também era constantemente reforçada a idéia de que “uma academia é um vazio de ciência” (13-09-1917) e que a medicina oficial não era a forma mais eficaz de tratar as enfermidades.

Abaixo, encontram-se, como exemplo, alguns títulos de matérias publicadas no decorrer do ano de 1917, onde podemos perceber a crítica a medicina:


Em 1918, as matérias publicadas sobre a temática da loucura aumentaram consideravelmente devido ao livro A cura dos nervosos (1918), que Doutor.

Austregésilo Ribeiro escreveu e remeteu um exemplar para a redação de A Razão com o seguinte bilhete: “À Ilustrada Redação d’À razão, homenagem do Austregésilo” (41) (Centro Espírita Redemptor, 1931:13).

Luiz de Mattos decidiu, diante do sarcástico e instigador presente, escrever tudo o que acreditava ser verdade sobre o livro recebido em diversas notas no decorrer do ano de 1918 (42). Em primeiro lugar, afirmou que Ribeiro teve mérito por reconhecer a existência de um princípio inteligente e espiritual, no entanto, por não o explicar, a sua obra, tornou-se, segundo Mattos, inválida. Ribeiro foi convidado a responder a crítica e debater as questões pertinentes ao seu livro, o que não fez.

Em matéria seguinte, afirmou-se que os membros do Redemptor nutriam uma certa simpatia por Ribeiro, desde uma vez em que este foi o Centro dar um atestado de sanidade para um louco que teria ficado curado lá. Novamente, Ribeiro é chamado ao debate, e novamente, sem resposta.

As matérias seguintes, que se seguiram por todo o ano de 1918, desconstruíram toda a obra de Austregésilo Ribeiro, desde o título até a estruturação dos capítulos e temas. Em cada nova nota, foram esmiuçadas todas as linhas e palavras empregadas pelo médico. No decorrer da desconstrução, os princípios espíritas racionais e científicos foram sendo colocados como a única verdade possível para o tratamento e teorização da loucura.

Em geral, todas as notas afirmaram que o livro de Ribeiro estaria cheio de contradições e que a ciência oficial seria como o livro analisado e não se firmaria em bases sólidas.

Nos anos que se seguiram, 1919, 20 e 21, algumas matérias ainda foram veiculadas sobre a loucura e a medicina oficial, mas o teor delas, em geral, permaneceu inalterado e as críticas foram as mesmas dos anos anteriores.





CONCLUSÃO

Imaginemos um homem do século XIX, indo até a banca de jornal e lendo, como de costume, as notícias do dia. Numa semana ele se depara com uma matéria sobre a Federação Espírita Brasileira e os atendimentos supostamente bem sucedidos por ela realizados, mas na semana seguinte ao abrir o jornal, encontra uma matéria sobre quão prejudiciais poderiam ser os Kardecistas. Em um dia, esse mesmo homem lê uma notícia sobre as torturas realizadas no Manicômio do Redemptor e no dia seguinte, lê uma carta de um indivíduo relatando a cura que obteve após ficar internado nesse manicômio.

No contexto de consolidação e do Espiritismo, do Espiritismo Racional e Científico Cristão e da medicina, os conflitos em torno de quem possuiria a verdade, eram muitos. A situação era triangular: numa ponta, estava a Federação Espírita Brasileira, na outra ponta, estava o Redemptor, na ponta restante, a medicina oficial.

No meio desse triângulo estava a população, pendendo para o lado de quem lhe trouxesse mais conforto e alívio.

Não podemos dizer que houve um vencedor. As três pontas do triângulo ainda convivem e ainda disputam veladamente a posse da verdade. A Federação Espírita Brasileira ainda existe, e atualmente, publica uma grande quantidade de livros espíritas para a divulgação da doutrina de Kardec; a psiquiatria, está passando por um longo processo de reformas no que tange as internações e a metodologia de tratamentos aos enfermos passiveis de asilamento; e o Espiritismo Racional e Científico Cristão, passou a ser conhecido em meados do século XX, como Racionalismo Cristão, e sua atuação social passou a ser mais discreta e tanto quanto a Federação Espírita Brasileira, publica uma série de livros de divulgação de seu corpo doutrinário.

Acreditamos que nossa pesquisa contribuiu para a historiografia das ciências no Brasil, uma vez que analisou como a ciência psiquiátrica oficial foi questionada e seu conhecimento posto em xeque por outra racionalidade terapêutica que também se dizia científica. Acreditamos ainda que a nossa pesquisa também contribuiu para a historiografia a respeito do Espiritismo no Brasil, uma vez que lançou olhar para um de seus principais movimentos dissidentes, o Espiritismo Racional e Científico Cristão.

A presente dissertação apresentou alguns temas relacionados a história do Espiritismo, particularmente, o Espiritismo Racional e Científico Cristão. Em linhas gerais, vimos como se deu o processo de criação dessa doutrina e como Luiz de Mattos, seu criador tentou deslegitimar os kardecistas através de ataques públicos. Vimos também que o Espiritismo Racional e Científico Cristão teve suas raízes na doutrina de Kardec, embora tenha, com o tempo, cindido com esta. Pudemos perceber que algumas concepções, como a concepção acerca da loucura, por exemplo, permaneceram muito similares às kardecistas. Vimos ainda a visão e a terapêutica adotadas e defendidas publicamente por Mattos no tratamento da loucura e como a sociedade, em linhas gerais, reagiu. Por fim, vimos como na contramão da psiquiatria moderna, Mattos defendeu o tratamento que oferecia no Centro Espírita Redemptor e seu manicômio para a loucura.

Podemos dizer a relevância de trabalhos que versem sobre o Espiritismo e suas vertentes, é grande devido ao grande quantitativo de adeptos dessas doutrinas no Brasil.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o país conta com mais de 20 milhões de adeptos do Espiritismo (43). Tais dados indicam ainda que muitas pessoas embora não admitam serem adeptas desta religião, frequentam reuniões de cunho espírita. Se englobarmos nesta categoria as práticas espíritas de origem africana, o quantitativo de seguidores do Espiritismo iria se elevar enormemente.

Uma prova do interesse público pelo Espiritismo é o número de comunidades virtuais, fóruns de discussão e sites de relacionamento sobre essa doutrina, existentes na rede. A maior comunidade espírita do Orkut conta com 85.656 participantes.

Além de ser destaque na internet, o Espiritismo também é temática em programas de TV e filmes. Recentemente, mídia tem veiculado diversos documentários, novelas e filmes em que assuntos pertinentes ao universo espírita são abordados. O filme Bezerra de Menezes: o Diário de Um Espírito, que conta a trajetória de um dos consolidadores da doutrina espírita no Brasil, por exemplo, levou cerca de quinhentas mil pessoas para as salas de cinema de todo o país (44). Estes dados evidenciam o grande interesse do público brasileiro por assuntos ligados à espiritualidade.

No dia 02-04-2010 estreou, nas salas de cinema de todo o país, o filme Chico Xavier, contando a história do médium psicógrafo mais conhecido do Brasil, que popularizou o Espiritismo ao participar de programas de rádio e TV.

No decorrer de sua vida, Chico Xavier psicografou 451 livros, e nunca aceitou ser considerado o autor de nenhuma dessas obras; ele afirmava reproduzir o que os espíritos lhe ditavam. Chico, como era comumente referido no meio espírita, vendeu cerca de 50 milhões de livros, publicados em português e traduzidos para diversos outros idiomas. Além de psicografar livros, Chico Xavier psicografou milhares de cartas que afirmava serem de pessoas falecidas. Devido a essas cartas, muitas famílias o procuravam para ter notícias de seus parentes e assim, conseguirem algum alívio e conforto para a dor da perda de um ente querido.

Uma das cartas psicografadas por Chico se tornou evidência em um processo penal de assassinato. Um rapaz estava sendo julgado pelo assassinato de seu amigo, que ditou, supostamente, uma carta para Chico Xavier, onde afirmava que o amigo não o havia matado propositalmente. A carta em questão passou pela perícia e foi atestado que a letra e assinatura presentes, eram as mesmas do assassinado. O juiz, mediante tal laudo pericial, aceitou a prova e o réu foi absolvido, tendo como base uma prova espírita.

Casos como esse, narrado acima, nos conferem a ideia de que a mentalidade religiosa no Brasil é muito forte e arraigada no inconsciente coletivo da população.

Muitos indivíduos que buscam o Espiritismo procuram algum tipo de alívio para determinadas doenças que a medicina oficial não consegue curar. Estes dados atestam a relevância de estudos que abordem a temática espírita do ponto de vista histórico e sociológico. Atualmente, por mais que a tecnologia médica tenha se desenvolvido, muitas pessoas recorrem ao atendimento espiritual (45).

A racionalidade científica e a sofisticada tecnologia não foram capazes de deteriorar o interesse da sociedade brasileira pela temática religiosa, especialmente a espírita. Este aspecto denota a pertinência do estudo do tema no momento atual.

O fim da perseguição e da exclusão das práticas terapêuticas espíritas alternativas à medicina oficial ocorreu ao longo de um complexo processo histórico, que envolveu diversos personagens tais como; médicos, médiuns, pacientes e curiosos que se envolveram em diferenciados eventos, como processos penais, palestras e discussões públicas.

Apesar de crescente interesse público, o Espiritismo tem sido ainda relativamente pouco investigado pela historiografia. Recentemente ele tem sido alvo de pesquisa de alguns historiadores e se transformado em tema de algumas teses e artigos em revistas científicas, sobretudo por antropólogos. Apesar do Centro Redemptor ter tido uma atuação social marcante no cenário carioca do início do século XX, principalmente no que tange o tratamento da loucura, ele não foi até o momento muito estudado. A presente dissertação objetivou sobretudo, apresentar uma contribuição à história do Espiritismo no Brasil e sobre a memória do Centro Redemptor, ressaltando o papel desempenhado por Luiz de Mattos.

Fontes de Pesquisa:

Jornal A Razão – 240 Artigos Selecionados entre os anos de 1917 e 1921.
(Localização: PR- SPR 00144 [1-16] - Periódicos - Biblioteca Nacional)

RELAÇÃO QUANTITATIVA TOTAL DOS ARTIGOS DE “A RAZÃO” QUE TRATAVAM DA LOUCURA (ANO/MÊS)
Jornal A Tribuna Espírita, de 24-12-1912; 15-07-1912 e 15- 08- 1912. (Localização: Biblioteca Luiz de Mattos).

Livros:
CHERNOVIZ, P. L. N. Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Necessárias para Uso das Famílias. A. Roger & F. CHERNOVIZ: 1890.
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1994.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo: LAKE, 2005.
MATTOS, L. Cartas Oportunas Sobre Espiritismo. Rio de Janeiro: Centro Espírita Redemptor, 1924.
MENEZES, A. B. A loucura sob novo prisma. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR. O Espiritismo Christão no Brasil – O Centro Espírita Redemptor, sua Fundação, sua Vida e suas Obras. Rio de Janeiro: Cadaval e C, 1913.
CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR O Espiritismo Christão no Brasil: O Centro Espírita Redemptor, sua Vida e suas Obras em 1914 e 1915. Rio de Janeiro: Baptista de Souza, 1916.
CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR A Caridade Triumpha, embora Perseguida. Rio de Janeiro: Baptista de Souza, 1916.
CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR. Espiritismo Racional e Científico Christão: Organizado Pelo Astral superior que Dirige o Centro espírita Redemptor do Rio deJaneiro. Rio de Janeiro: Centro Espírita Redemptor, 1921.
CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR. Scientistas sem Sciencia. Rio de Janeiro: Baptista de Souza, 1931.

Índice de referências e citações:
1 - Arthur C. Doyle, em seu livro A História do Espiritismo (1995), se atém de forma pormenorizada a diversos casos de países que aderiram à comunicação com os espíritos.
2 - Para maiores informações sobre a biografia dos primeiro adeptos dessa doutrina no Brasil, Cf WANTUIL, Z. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
3 - Em alguns momentos no decorrer da dissertação, iremos nos referir a esta instituição como Centro Redemptor ou simplesmente Redemptor.
4 - Um exemplo de lugar não espírita no qual Mattos proferiu palestras, foi a Associação de Empregados do Comércio do Rio de Janeiro.
5 - O Jornal teve circulação diária na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1916 e 1921.
6 - Para maiores informações sobre a criação do termo Espiritismo Cf KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1994.
7 - Para Kardec, o termo espiritualismo se opõe de maneira geral ao termo materialismo. O Espiritismo seria uma forma particular de espiritualismo.
8 - Depois da publicação do Livro dos Espíritos, Kardec lançou na França O Que é o Espiritismo (1859); O Livro dos Médiuns (1861); O Evangelho segundo o Espiritismo (1864); O Céu e o Inferno (1865) e a Gênese (1868). Além destes livros, Kardec manteve sob sua supervisão A Revista Espírita.
9 - Para Kardec o termo espiritualismo se opõem de maneira geral ao termo materialismo. O Espiritismo seria uma forma particular de espiritualismo.
10 - Com relação a reencarnação, Soares (2008) afirma que este conceito foi influenciado pelas colônias hindus e budistas pertencentes a França. Para maiores informações sobre o conceito de Reencarnação para os espíritas, Cf KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1994.
11 - Para maiores informações acerca da influencia Pestaloziana sofrida por Kardec, WANTUIL, Z. THIESEN, F. Allan Kardec: Meticulosa Pesquisa Biográfica. Rio de Janeiro, FEB, 1979.
12 - Para maiores informações sobre Mesmer e Sua teoria do magnetismo, Cf MACHADO, U. Os Intelectuais e o Espiritismo: De Castro Alves a Machado de Assis. Rio de Janeiro: Antares. 1983.
13 - Mesmer acreditava que os corpos estavam envoltos em um fluido magnético e que a doença seria o desequilíbrio desse fluido. A cura se daria através da liberação da corrente desses fluidos através de toques e massagens.
14 - Cf. KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
15 - A segunda edição do dicionário encontra-se na íntegra e disponível para consulta no site da Usp: http://www.ieb.usp.br/online/index.asp.
16 - Para maiores informações sobre o Espiritismo na Bahia consultar MACHADO, U. Os Intelectuais e o Espiritismo: De Castro Alves a Machado de Assis. Rio de Janeiro: Antares. 1983.
Na presente dissertação, preferimos não nos aprofundar a respeito da difusão do Espiritismo na Bahia.
Optamos por nos ater a Corte.
17 - Segundo os preceitos espíritas, passes seriam emanações de cura e harmonização oriundas dos espíritos superiores que chegariam até as pessoas através da impostação de mãos dos médiuns.
18 - Materializações seriam a momentânea tangibilidade de um espírito que por alguns instantes se faria visível ou até palpável.
19 - Livro II – Dos Crimes em Espécie
Cap. III – Dos Crimes contra a Saúde Pública
Art. 156 – Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentária ou a farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou o magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos.
Penas – de prisão celular de um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.
Parágrafo Único – Pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral, os seus autores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.
Art. 157- Praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjulgar a credulidade pública.
Penas – De prisão celular por um a seis meses e multa de 200$ a 500$000.
§ 1 – se por influencia ou consequência de qualquer destes meios, resultar ao paciente privação ou alteração temporária ou permanente das faculdades físicas.
§ 2 – em igual pena e mais na de privação do exercício da profissão por tempo igual ao da condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou assumir as responsabilidades.
Art. 158 – Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio de curativo para uso interno ou externo e sob qualquer forma preparada, substancia de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o oficio denominado curandeiro.
Penas – De prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.
Parágrafo Único – Si do emprego de qualquer substancia resultar a pessoa privação, ou alteração temporária ou permanente de suas faculdades físicas ou funções fisiológicas, deformidade ou inabilitação do exercício de órgão ou aparelho orgânico, ou em suma, alguma enfermidade:
Penas – De prisão celular por um a seis anos e multa de 200$ a 500$000.
Pena – De prisão celular de seis a vinte e quatro anos.
20 - Não existe publicada nenhuma biografia de Luiz de Mattos – os dados que conseguimos a respeito de sua vida foram extraídos do relatório de atividades do Centro Redemptor do ano de 1926 – ano da morte de Luiz de Mattos. Procuramos em todos os jornais cariocas da época de sua morte, notícias sobre seu falecimento e dados sobre sua vida – todos os jornais mencionavam o fato de ter sido cônsul de Portugal e um jornalista habilidoso e polêmico.
21 - Júlio Ribeiro era romancista polêmico e conhecido por seu engajamento político com as causas abolicionistas; ele foi o criador da bandeira de São Paulo.
22 - Amigo rico de Mattos e militante espírita que o ajudou na fundação do centro paulista.
23 - Optamos por não manter a grafia original dos documentos transcritos.
24 - Nos ateremos de forma mais detalhada sobre a visão racionalista cristã a respeito da loucura nos capítulos 2 e 3.
25 - Cf DAMAZIO, S. F. Da elite ao povo: advento e expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
26 - Wantuil em seu livro Grandes Espíritas do Brasil destina um capítulo a Bitencout, no entanto, sua curta temporada como presidente do Redemptor não foi mencionada.
27 - Falaremos de forma detalhada sobre o manicômio do Redemptor no próximo capítulo.
28 - Não tivemos acesso a todas as cartas, somente a algumas. Não foi, portanto, possível estabelecer uma comparação entre as cartas publicadas em 1912 e as publicadas em 1924 e que servem de corpus documental para o item 3 desse capítulo.
29 - Vários momentos da leitura são citados livros publicados por Kardec e resgatadas algumas teorias expressas por ele em suas obras, como por exemplo, no capítulo em que se fala de mediunidade. Nesse capítulo, o Livro dos Médiuns é usado como obra de referência. Outros conceitos expressos nas obras de Kardec também são utilizados, como o de períspirito, por exemplo. Determinadas concepções, como a do que seria Deus, a crença na existência de diferentes mundos; a crença na necessidade de provação dos espíritos são concepções chaves de Kardec que podemos perceber no primeiro livro do Espiritismo Racional e Científico Cristão.
Em 1921 foi publicada a segunda edição desta obra e percebem-se várias mudanças em seu conteúdo, inclusive no que tange as referências à Kardec.
Nos debruçarmos na pesquisa sobre a mudança teórica do Espiritismo Racional e Científico Cristão seria um trabalho por demais árduo e fugiria da proposta da presente dissertação, que visa dar apenas um pontapé inicial nessa questão. Acreditamos, todavia, que este seria um tema interessante para futuros estudos.
30 - Procuramos o Jornal O Reformador para analisarmos o teor das notícias publicadas a respeito do Redemptor, mas infelizmente, não conseguimos acesso ao referido jornal, pois o acervo da Biblioteca Nacional encontra-se fora de consulta por estar em condições ruins de preservação e na sede da FEB atualmente encontra-se em obras, indisponibilizando qualquer tipo de consulta ao acervo existente.
31 - Segundo os preceitos do Espiritismo Racional e Científico Cristão, corrente fluídica é a reunião de diversos médiuns para facilitar a ação dos espíritos superiores.
32 - Água que recebia boas emanações fluídicas dos espíritos e se tornariam similares a remédios, podendo em tese, curar diversas enfermidades.
33 - Tribuna Espírita, 15 – 07 - 1912.
34 - Falaremos, em linhas gerais, sobre esse posicionamento da medicina oficial frente aos espíritas nos próximos capítulos.
35 - Capacidade de ouvir e falar com espíritos respectivamente.
36 - Capacidade de ser porta voz de um espírito.
37 - Tais médiuns que seriam porta vozes de médicos espirituais e receitavam medicamentos para a população.
38 - Por não considerarmos pertinentes para o presente trabalho, não discorremos acerca de cada uma dessas tipologias de loucura. Citamo-las apenas como exemplos. O mesmo vale para as classificações feitas por Esquirol, Morel e Kraeplin as quais aparecerão citadas no decorrer do texto.
39 - O Livro dos Espíritos possui um capítulo destinado a leis
40 - Chá de caroba: utilizado para combater as afecções cutâneas, as boubas, as escrófulas, o reumatismo, a sífilis.
Chá de Sabugueiro: utilizado contra a tosse (frutos ou bagas) e resfriado (frutos ou bagas).
41 - Não é nosso objetivo estabelecer, na presente dissertação, um diálogo entre a contestação de Mattos e o livro de A. Austregésilo.
42 - Todas essas notas foram publicadas na íntegra no livro: CENTRO ESPÍRITA REDEMPTOR. Scientistas sem Sciencia. Rio de Janeiro: Baptista de Souza, 1931.
43 - Disponível em:
Acesso em: 25-03-2010
44 - Disponível em:
Acesso em: 25-03-2010
45 - Disponível em: 
Acesso em: 25-03-2010